“Faça de conta que você é uma borboleta. Melhor ainda, uma
fadinha borboleta. Mova os braços. Na verdade, eles são asas. Alce voo. Você se
equilibra em pleno ar presa apenas pelo meu sexo. Vamos, não ponha força. Você é
tão leve, mais leve do que o ar. Quanto mais bate as asas, tanto mais goza. Sopra
o vento, um vento morno que eleva a borboleta. Goza mais, isso, as asas a se
moverem, sempre as asas. Goza, goza, goza mais, goza melhor.”
Eu obedecia o seu hábil sussurrar em meu ouvido. No início, ele
levantara-me nua e me encostara a uma das paredes da sala. Seu pênis deslizou fácil para
dentro de mim. A seguir, recuou um passo, negou-me o apoio à parede, trouxe-me
junto a seu tórax. Pude sentir o pulsar de seu coração sobre meus seios nus.
Suas palavras me inflavam. Abri os braços, ou melhor, as asas, e as movi com
sofreguidão. Era uma borboleta tentando soltar-se da armadilha de mel. Ao
mesmo tempo que tentava levantar voo, percebia o céu maior. Já solta de seu tronco, descobri-me aérea, as asas finas mas resistentes. E a promessa de gozo maior, esse fio tão tênue, equilibrava-me. Equilíbrio precário, verdade. Logo eu, tão mínima, a desafiar as rigorosas leis da física. No final, explodi. Uma explosão em céu de diamantes. Era ainda eu um ser alado? Sei que girava em meio a cores gelatinosas atravessadas por lâmina solar de fim do dia. E gritava. E era a pura felicidade. Jamais gozara em tamanhas altitudes.
“Não me solte, não me solte, voarei cada vez mais alto...”, ainda
fui capaz de dizer.
Então, o cálice de amor.
Tudo aquilo começou mais cedo. Eu e três amigas estávamos no
Ilha Linda Sul, o restaurante mais sofisticado da orla de M. Ficamos numa das
mesas junto à mureta que separa o restaurante do passeio. Era o melhor modo de
sermos percebidas pela plateia do diário espetáculo. E para uma segunda-feira à
noite, até que a plateia era grande. Nossas roupas sempre a ressaltar os corpos
sarados. E roupas mínimas. Mas eu, como sempre, jamais conseguia o menor short.
As amigas ultrapassavam-me em ousadia. Entretanto, o que se há de fazer? Mesmo assim caí nas graças de um homem. Ele chegou tarde, com outros dois amigos. Sentou-se
a princípio de costas para mim, duas mesas adiante. Levantei e disse que iria
ao toalete. Minhas amigas permaneceram conversando. Caminhei lentamente,
ultrapassei a mesa onde ele estava, imaginei-o olhando-me o bumbum. Ele deslumbrou-se ao ver-me nua ao toalete. Tudo através do pensamento, tenho certeza. Os homens agem assim após verem
uma mulher como eu passar em direção ao toalete. Na volta, antes de cruzar sua
mesa, fechei os olhos. Quando faltavam três passos até onde ele sentava, abri os
olhos bem devagar, revelava-me, mostrava todo o meu ardor. E ia nua, como antes
em sua imaginação. Percebeu o meu ardil. Eu era uma sereia fisgada, sem
chance alguma de remissão. Roubou-me o short, atirou longe o meu top. Poucos
minutos se passaram para que um dos garçons me trouxesse o bilhete. Não foi,
como jamais poderia ser, um pedido vulgar. À orquídea, a luz precisa ser
perfeita. Não eram apenas palavras, era toda a iluminação que eu precisava.
Seguiu-se o desenlace. Ele desceu ao passeio. Eu o segui
após três intermináveis minutos. Ao dobrar à esquina, em direção ao
estacionamento, esperou-me. Assim que o ladeei perguntou o meu preço.
“É por amor”, expressei-me com frieza. Aliás, um paradoxo.
“Amor?”, queria a confirmação.
“Amor”, assegurei.
Andamos juntos até o automóvel. Abriu a porta dando-me a
passagem.
“Por amor?”, insistiu.
“Uma prova?”, perguntei.
“Pode ser”, revelou-se ainda incrédulo.
Como diz o povaréu, moeda grande... Então me despi, deixei
em suas mãos o pequeno short. Mirou-o com certa admiração. Depois o posou no
banco traseiro. Ligou o automóvel. Partimos.
Ao entrarmos pela garagem, no seu edifício, alto o edifício,
“precisa do short?”, perguntou.
“Preferia que não”, respondi, as pernas ainda cruzadas, tão
alvas.
Lá em cima, a história da fadinha, a fadinha-borboleta.
“Bata as asas, isso, as asas, mova-as com carinho, nada de
força, é a leveza que ajuda a alçar o voo, você goza melhor nas alturas.”
Eu presa apenas pela ponta do sexo dele, um acróbata.
“Não deixe que escape”, gemi.
Meus braços, asas inteiras. Minha pele branca, lisa, pano
nenhum a pesar-me o corpo.
Quando percebi, nas alturas, entre nuvens e alguma estrela a
cintilar esporádica, gozava, gozava e mais gozava, gozava solta, levitava,
alturas do empíreo, como aprendi com o poeta. Os braços ainda asas... Mas
estava só, sozinha. E nua. Borboleta soprada por vento brando.
O cálice (era licor ou amor?) trouxe-me de volta à terra. E os braços
tão nus, os braços tão asas. As três amigas nuas, onde? Onde o restaurante? E
sonhos, e mais sonhos...
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