“Ei, volte aqui! Aonde você vai? Pode aparecer alguém...”
Não adiantou falar, esse meu namorado é fogo, adora me
deixar nua.
Quando eu morava no interior, era fácil realizar a fantasia
dele: sair de carro com ele à noite para passear nua. Isso mesmo, nuazinha.
Morava numa casa, escapulia pela porta da cozinha e já estava na garagem,
entrava no carro. Saíamos. Lógico que bem tarde, depois da meia-noite. E nunca
ouvi ninguém dizer que vira uma mulher passeando nua pela cidade dentro de um
carro. Até era possível dar uma escapada nos locais quando estavam desertos.
Certava vez, na praça central da cidade, às duas da madrugada acho, não havia
viva alma, saí nua do carro, para o deleite dele. Mas numa cidade grande... Ai,
que vergonha.
Na verdade, não podia condená-lo por gostar tanto dessas
fantasias. Fui eu mesma que as criei. Um modo de dar ardor ao namoro, um jeito
de estarmos sempre apaixonados. No Rio, nunca saí nua, mas hoje ele acabou me
convencendo. Então, não era para eu gritar por ele quando saiu do carro, já
tínhamos combinado tudo. Mas acho que foi o instinto de sobrevivência. Meu
Deus, não sei o que faço, lá vem ele. Lógico que viria mesmo, não me surpreendo
por ter voltado, mas por ele não cumprir o prometido.
“Cadê sua camisa?”, eu.
“Em casa.”
“Não foi esse o nosso acordo...”
“Ah, acordos foram feitos para serem desrespeitados. Acho
que assim é mais fascinante”
“Fascinante, Arthur? Estamos numa cidade grande, posso até
ser presa, você sabe disso.”
Ligou o carro e deu a partida. Desceu a rua do Riachuelo,
logo atravessou os Arcos, dobrou no Passeio e pegou o Aterro.
Temerosa, pergunto:
“Aonde vamos?”
“Ao cinema.”
“Ui!”
Riu da interjeição.
Eu certamente não poderia descer nua do prédio onde moro,
portanto, o acordo. Desceria vestida, tiraria toda a roupa no carro e a
entregaria a ele; depois sairíamos. Qualquer problema, ele me emprestaria sua
camisa que, sobre meu corpo, funcionaria como um vestido curto. Tudo combinado.
Cumpri a minha parte, mas e ele? Pegara toda a minha roupa e a levara de volta
para casa. Voltara ele, porém, sem a camisa.
“Arthur, é melhor voltarmos, estou gelada.”
“Assim é mais emocionante.”
“Emocionante? Acho que morro. Arthur, por favor, aqui tem a
polícia, podem acontecer vários imprevistos. Por favor, vamos voltar."
Terminamos o Aterro, atravessamos os dois túneis e logo
trafegamos na Atlântica.
“Marta, não fique tão encolhida no banco, o vidro é escuro,
ninguém está vendo você.”
Nada falei. Trêmula, ainda tive paciência para procurar as
espumas que as ondas derramavam na praia. Depois olhei o lado dos prédios, os
hotéis. Que inveja ao ver as mulheres vestidas.
“Ai, Arthur, nunca passei por uma situação dessas...”
“Vai dar tudo certo, você está linda, só de bolsa e sapatos,
que elegância!”
“Não brinca, Arthur, vamos voltar.”
“Claro que não, vou levar você a um lugar que você vai
amar.”
“Vou ter de sair do carro, Arthur?”
“Não pense nisso agora. Prometo a você que sairá sã e
salva.”
Ficou para trás a Rainha Elizabeth, entramos pela praia de
Ipanema, avenida Vieira Souto. Me veio à mente a música de Tom e Vinícius. Só
então reparei que o rádio do carro estava ligado e que tocava outra canção.
O Leblon.
“Arthur, aonde você está indo? Ai, me Deus, será que vão
parar a gente.?”
Passamos por dois carros da polícia que estavam à direita, com
os soldados do lado de fora. Subimos a Niemeyer.
“Veja que vista linda através do mar. Leblon, Ipanema,
Arpoador. Nenhuma cidade tem uma vista tão bonita assim.”
“Vista linda as pessoas vão ter caso me descubram pelada, Arthur.”
São Conrado, entramos num motel. Daqueles em que se coloca o
carro na garagem da suíte.
“Ai, que bom, vou roubar uma toalha, assim volto mais
tranquila.”
“Nada disso, melhor sermos presos por atentado ao pudor do
que por roubo. Eles conferem na saída.”
Bebemos uma garrafa de vinho. Meu namorado a trouxe de casa,
não é bobo de pagar o preço num hotel desses. O vinho pôs fogo nele. Mas a mim
pareceu não fazer muito efeito.
“Em Glicério você saía nua, nunca aconteceu nada. Quando
descíamos a serra para a praia você entrava dentro d’água e me dava o biquíni
para que eu o guardasse na sua sacola. Não sei por que tanto nervosismo agora.”
“Arthur, por favor, Glicério é um ovo e, além disso,
morávamos em uma casa com garagem.”
“Aqui há muita gente, ninguém repara ninguém.”
“Não tenho tanta certeza assim, Arthur.”
.
Namoramos durante um bom tempo. Conseguiu com suas carícias
e artimanhas me fazer esquecer minha nudez.
Mas agora, depois que tudo acabou, vamos começar a fazer o
caminho de volta. Ai, que friozinho na barriga!
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