Ele falou sobre uma mulher que tivera. Mas a culpa foi
minha, reconheço. Não sei por que sempre começo a puxar assunto sobre suas
ex-namoradas. Ele diz que isso me dá tesão. Acontece quando brigamos, não
aguento e afirmo que com sicrana ou beltrana ele não agiu daquela forma.
Tanto agi que ela me chutou pra escanteio, declara solene. O motivo foi outro, replico,
ninguém aguenta esse mulheril todo atrás de você. Silencia durante um tempinho.
Então, continuo, tem mais uma coisa, aquela sua última namorada é feia que dói.
Olha para mim surpreso, faz um movimento como se fosse falar algo, mas não vai
adiante. Continuo, lembra aquele meu amigo?, aquele que apresentei a você no
CCBB, ele estava comigo quando você apareceu com ela, até ele comentou,
caramba, que mulher feia. Feia?, retruca, você é professora de artes, devia
saber que o feio e o bonito são questões de ponto de vista, parece que nunca
leu Kant. Isso não tem nada a ver com Kant, ela é feia, sim, chego a gritar.
Estourando de raiva, acaba falando, você pode achá-la feia, mas fazia umas
coisas melhor do que você, certa vez permitiu que eu tirasse o biquíni dela
na praia, dentro d’água, e a deixasse nua durante um tempo enorme, você não
teria coragem de se prestar a isso, terminou e esperou que eu retrucasse. Mas
engoli a seco. O que eu poderia falar? Certa vez já ficara nua do lado de fora
do apartamento dele por causa de uma discussão semelhante. Agora, porém, deixar
que ele me roubasse o biquíni ao entrar para tomar banho de mar seria demais.
Mas não suportei aquilo, acabei por lhe dizer, fico sim, tenho mais peito do
que ela. Ah, realmente, nisso você tem razão, seus peitos são muito maiores,
completou como se narrasse o desfecho duma piada.
No dia seguinte fomos à praia. Ele queria me testar. Vamos
ver se você falou da boca pra fora ou se vai ter coragem mesmo, afirmou em tom
de pergunta, duas vezes, enquanto dirigia. Chegamos à Barra, lá no final da
praia, um tipo de reserva. Aqui está bom, apontei o local. Arrumamos nossas
coisas, abrimos o guarda sol. Havia poucas pessoas na praia. Notei que ele estava
excitado. Vamos entrar, ordenei. Como já fizera teatro, eu representava, encarnava na verdade outra pessoa, porque caso vivesse eu mesma, a Cris que todos conhecem, desmoronaria em tremeliques. Vamos, concordou. De repente, pareceu
surpreso. Você vai de maiô? Sim, claro, como você gostaria que eu fosse?, fiz
cara de inocente. De biquíni, assim só tiro a parte de baixo, fica mais
discreto, você pode ficar horas dentro d’água que ninguém repara que lhe falta
a peça inferior, assegurou. Peça inferior?, repeti e ri, nada disso, quero
ficar nua por inteiro, você tira o meu maiô e traz para cá, guarda entre as
hastes superiores da barraca, ok?, e mais uma coisinha, depois vai dar uma
volta, tome uma cerveja num desses quiosques, quando cansar volte com o meu
maiô, vou ficar esperando. Estou surpreso, falou. Surpreso?, você deveria pensar
melhor ao me fazer propostas desse tipo, não falei que tenho mais coragem do
que sua ex? E cá entre nós, afirmo e reafirmo, ela é feia que dói.
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