A gente sempre é capaz de se surpreender.
Trabalhei em outra cidade durante um ano, mas todo final de
semana voltava para casa. Como a passagem era cara, procurei saber se havia
alguém que pudesse me dar uma carona. Assim, além de sair mais barata a viagem,
voltaríamos conversando. O tempo passaria mais rápido e chegaríamos mais depressa
em casa. Não é que quisesse apenas economizar dinheiro, pagaria o pedágio, ou
mesmo ajudaria na gasolina. Falando a verdade, uniria o útil ao agradável. E não
é que aconteceu? Soube de um homem que partia do Rio a tal cidade à mesma hora
que eu. E também voltava. Combinamos.
No primeiro dia, esperei por ele num posto de gasolina
próximo ao trajeto que fazia, queria facilitar as coisas e não ser taxada de
comodista. Escondi meu mau humor matinal por trás das lentes escuras dos
óculos. Sabia que, ao mesmo tempo, criaria um ar de mistério. Vestida para
matar?, quem sabe. Partimos. Ele apenas sorriu. Silencioso durante toda a
viagem, apenas um ligeiro sorriso e os cumprimentos convencionais. Como falo
muito, cuidei para não soltar a matraca. Policiei a voz e meus
modos. Não soube se o homem era solteiro ou casado. Também, o que me importava?
Queria eu alguém para casar?
Chegou o dia de voltar. A mesma atitude. Tanto por parte
dele quanto por mim. Já que se tratava de pessoa discreta, diminuí o repertório. No meio da viagem, que durava em torno de três horas, cheguei a
lembrar de um rapaz com quem saía quando morei em BH. Jamais foi meu namorado,
mas nos encontrávamos para transar.
Na semana seguinte, nova carona, mais duas viagens. Ida e
volta. Será que nada vou saber sobre ele? No trabalho, cheguei a perguntar. Mas
dele ninguém nunca soube coisa alguma, apenas que era um homem divertido.
Assim passamos a fazer parte um da vida do outro. Toda
semana ida e volta juntos. Acabei deixando escapar alguns segredos meus,
profissionais e pessoais. Quando falei sobre meus gostos, chegou a entortar a
cabeça e a mover a ponta de um dos lábios. Uma vez que dirigia, não lançava
olhar frontal a mim.
Comecei a achar que o homem era perigoso. Não
praticaria nenhum mal contra mim, mas o perigo é que qualquer mulher cairia apaixonada por ele. Era alguém pleno de mistério.
Às vezes eu perguntava sobre alguma possível atitude dele
num momento de trabalho. É preciso pensar, refletir, ele dizia. E sua voz
soava plena, como se através do pensamento ou da reflexão conseguisse realmente
o sucesso.
Certa vez, na volta, pedi que parasse, precisava fazer um
lanche. Assentiu. Parou o carro num restaurante famoso, desses em que param os
ônibus de luxo. Indicou-me o restaurante, onde os garçons esperavam pelos
clientes. Não, quero apenas um lanche. Mas o seu olhar foi tão generoso, que
aceitei o convite.
Vamos tomar uma cerveja?, minha a pergunta.
Concordou. Depois, eu mesma alertei, mas você está
dirigindo.
Tomou água mineral. Bebi a cerveja.
Acho que ri mais do que me era permitido. Não estava
acostumada a uma garrafa inteira, e das grandes.
No caminho, pedi pare, por favor, preciso fazer xixi, alertei.
Apontou que dali a quinze quilômetros havia um bar com banheiros limpos.
Não, por favor, pare em qualquer lugar, não aguento.
Será que eu já ia rubra?
Parou no acostamento de uma longa reta. Saí, fechei a porta
e agachei bem junto ao carro.
Quando voltei, não digo que estava morta de vergonha.
Vamos ficar aqui mais um pouco, não preciso chegar em casa
cedo, hoje, falei.
Mostrou adiante um local melhor, um esconderijo. Quem
passasse pela rodovia não seria capaz de nos perceber. Dirigiu por uma estrada
transversal à rodovia e parou num local que parecia perfeito para estacionar.
Você não quer voltar para casa hoje?, perguntou.
Dei os ombros. Demorei a responder.
Sabe o que é? Quando morei em BH saía com um cara parecido
com você. Eu não era namorada dele, mas a gente saía. Você entende, não?
Ele entendeu, e até muito bem. Já estava escuro. O céu
apresentava as primeiras estrelas. O silêncio era comprido, como a reta lá de
cima, onde se viam apenas os faróis dos automóveis a cortar a noite recente.
Sabe, já saltei nua numa estrada, e já também tomei banho nua numa cachoeira.
Jura?
Claro, juro.
Então, você vai la fora nua?, apontou a noite fechada.
Nua, nua?, fiz cara de inocente.
Sim.
Transamos duas vezes naquela noite. Uma antes de eu sair do carro e outra depois. Ainda pedi que ele dirigisse um pouco à frente e me deixasse esperando.
Por que você gosta assim?, quis ele saber.
Não respondi. Mas quando ele deu a partida, confesso que fiquei arrepiadíssima. Tudo meu dentro do carro e eu pelada do lado de fora...
Sabe, já saltei nua numa estrada, e já também tomei banho nua numa cachoeira.
Jura?
Claro, juro.
Então, você vai la fora nua?, apontou a noite fechada.
Nua, nua?, fiz cara de inocente.
Sim.
Transamos duas vezes naquela noite. Uma antes de eu sair do carro e outra depois. Ainda pedi que ele dirigisse um pouco à frente e me deixasse esperando.
Por que você gosta assim?, quis ele saber.
Não respondi. Mas quando ele deu a partida, confesso que fiquei arrepiadíssima. Tudo meu dentro do carro e eu pelada do lado de fora...
Continuamos indo e vindo juntos. Vez ou outra, sempre na
volta, parávamos no mesmo lugar, quase à mesma hora. E, para não perder o costume, eu sempre saía nua do carro. Ele gostava de admirar o prazer que eu sentia nisso.
Um ano depois me transferi para o Rio. Apenas comuniquei a
ele. Não demonstramos tristeza, nem deixamos transparecer que estávamos
perdendo alguma coisa.
Nada se perde, pensei. Ganhamos momentos de prazer, sobretudo
porque gozávamos juntos, gozávamos também com as primeiras estrelas, com a
estrada comprida, com os faróis dos automóveis que mergulhavam na noite como se
sempre estivessem prestes a entrar num longo túnel.
Mas que besteira, pensei. Nada se perde? No final das
contas, havia a minha casa. Telefonei então para ele.
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