sábado, setembro 13, 2014

Dentro da noite

A gente sempre é capaz de se surpreender.

Trabalhei em outra cidade durante um ano, mas todo final de semana voltava para casa. Como a passagem era cara, procurei saber se havia alguém que pudesse me dar uma carona. Assim, além de sair mais barata a viagem, voltaríamos conversando. O tempo passaria mais rápido e chegaríamos mais depressa em casa. Não é que quisesse apenas economizar dinheiro, pagaria o pedágio, ou mesmo ajudaria na gasolina. Falando a verdade, uniria o útil ao agradável. E não é que aconteceu? Soube de um homem que partia do Rio a tal cidade à mesma hora que eu. E também voltava. Combinamos.

No primeiro dia, esperei por ele num posto de gasolina próximo ao trajeto que fazia, queria facilitar as coisas e não ser taxada de comodista. Escondi meu mau humor matinal por trás das lentes escuras dos óculos. Sabia que, ao mesmo tempo, criaria um ar de mistério. Vestida para matar?, quem sabe. Partimos. Ele apenas sorriu. Silencioso durante toda a viagem, apenas um ligeiro sorriso e os cumprimentos convencionais. Como falo muito, cuidei para não soltar a matraca. Policiei a voz e meus modos. Não soube se o homem era solteiro ou casado. Também, o que me importava? Queria eu alguém para casar?

Chegou o dia de voltar. A mesma atitude. Tanto por parte dele quanto por mim. Já que se tratava de pessoa discreta, diminuí o repertório. No meio da viagem, que durava em torno de três horas, cheguei a lembrar de um rapaz com quem saía quando morei em BH. Jamais foi meu namorado, mas nos encontrávamos para transar.

Na semana seguinte, nova carona, mais duas viagens. Ida e volta. Será que nada vou saber sobre ele? No trabalho, cheguei a perguntar. Mas dele ninguém nunca soube coisa alguma, apenas que era um homem divertido.

Assim passamos a fazer parte um da vida do outro. Toda semana ida e volta juntos. Acabei deixando escapar alguns segredos meus, profissionais e pessoais. Quando falei sobre meus gostos, chegou a entortar a cabeça e a mover a ponta de um dos lábios. Uma vez que dirigia, não lançava olhar frontal a mim.

Comecei a achar que o homem era perigoso. Não praticaria nenhum mal contra mim, mas o perigo é que qualquer mulher cairia apaixonada por ele. Era alguém pleno de mistério.

Às vezes eu perguntava sobre alguma possível atitude dele num momento de trabalho. É preciso pensar, refletir, ele dizia. E sua voz soava plena, como se através do pensamento ou da reflexão conseguisse realmente o sucesso.

Certa vez, na volta, pedi que parasse, precisava fazer um lanche. Assentiu. Parou o carro num restaurante famoso, desses em que param os ônibus de luxo. Indicou-me o restaurante, onde os garçons esperavam pelos clientes. Não, quero apenas um lanche. Mas o seu olhar foi tão generoso, que aceitei o convite.

Vamos tomar uma cerveja?, minha a pergunta.

Concordou. Depois, eu mesma alertei, mas você está dirigindo.

Tomou água mineral. Bebi a cerveja.

Acho que ri mais do que me era permitido. Não estava acostumada a uma garrafa inteira, e das grandes.

No caminho, pedi pare, por favor, preciso fazer xixi, alertei.

Apontou que dali a quinze quilômetros havia um bar com banheiros limpos.

Não, por favor, pare em qualquer lugar, não aguento.

Será que eu já ia rubra?

Parou no acostamento de uma longa reta. Saí, fechei a porta e agachei bem junto ao carro.

Quando voltei, não digo que estava morta de vergonha.

Vamos ficar aqui mais um pouco, não preciso chegar em casa cedo, hoje, falei.

Mostrou adiante um local melhor, um esconderijo. Quem passasse pela rodovia não seria capaz de nos perceber. Dirigiu por uma estrada transversal à rodovia e parou num local que parecia perfeito para estacionar.

Você não quer voltar para casa hoje?, perguntou.

Dei os ombros. Demorei a responder.

Sabe o que é? Quando morei em BH saía com um cara parecido com você. Eu não era namorada dele, mas a gente saía. Você entende, não?

Ele entendeu, e até muito bem. Já estava escuro. O céu apresentava as primeiras estrelas. O silêncio era comprido, como a reta lá de cima, onde se viam apenas os faróis dos automóveis a cortar a noite recente.

Sabe, já saltei nua numa estrada, e já também tomei banho nua numa cachoeira.

Jura?

Claro, juro.

Então, você vai la fora nua?, apontou a noite fechada.

Nua, nua?, fiz cara de inocente.

Sim.

Transamos duas vezes naquela noite. Uma antes de eu sair do carro e outra depois. Ainda pedi que ele dirigisse um pouco à frente e me deixasse esperando.

Por que você gosta assim?, quis ele saber.

Não respondi. Mas quando ele deu a partida, confesso que fiquei arrepiadíssima. Tudo meu dentro do carro e eu pelada do lado de fora...

Continuamos indo e vindo juntos. Vez ou outra, sempre na volta, parávamos no mesmo lugar, quase à mesma hora. E, para não perder o costume, eu sempre saía nua do carro. Ele gostava de admirar o prazer que eu sentia nisso.

Um ano depois me transferi para o Rio. Apenas comuniquei a ele. Não demonstramos tristeza, nem deixamos transparecer que estávamos perdendo alguma coisa.

Nada se perde, pensei. Ganhamos momentos de prazer, sobretudo porque gozávamos juntos, gozávamos também com as primeiras estrelas, com a estrada comprida, com os faróis dos automóveis que mergulhavam na noite como se sempre estivessem prestes a entrar num longo túnel.

Mas que besteira, pensei. Nada se perde? No final das contas, havia a minha casa. Telefonei então para ele.

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