Eu o conduzi por um caminho que ele não conhecia. Atravessamos a ponte, só que por baixo
dela, equilibramo-nos sobre as pedras. A partir de determinada distância, era
possível apreciar a torrente de água que escorria de cima da montanha. No ponto onde estávamos, a
água passava por sobre as nossas cabeças, apenas alguns respingos nos atingiam. Quero uma frase especial para este momento, disse a ele. O ar quente de sua expiração aquecia o topo da minha cabeça. Sorriu. Uma frase?, chegou
a repetir. Isso, continuei, uma frase que impressionasse, assim como os
escritores; você sabe que alguns chegam a roubar frases de outros autores para
colocar nas próprias histórias?, lógico que não roubam as mais famosas, ia dar
na pinta, mas as medianas, aquelas que dificilmente alguém vai perceber que outro é o autor. Não sabia que você conhecia assim a literatura, contrapôs. Mas que aqui
é bonito não resta dúvida, não é mesmo?, inclinei a cabeça um pouco para cima
com a boca lhe pedir um beijo. Ele me abraçou, me beijou e falou a melhor frase
é você com toda essa sua beleza. Ao terminar, me beijou outra vez. Você conhece
este lugar faz muito tempo?, quis ele saber. Sim, vinha muito aqui quando tinha
dezessete ou dezoito anos. Hum, vinha com o namorado, não? Apenas sorri. Ele
entendeu. Puxei-o por um dos braços e atravessamos toda a ponte, ficamos ao
lado esquerdo da cachoeira. Pena não ser possível tomar
banho, falou. Quem sabe, interferi, caso esteja bastante quente... Mas é
proibido, alertou. Sempre houve proibições, e sempre houve quem as transgredisse,
retruquei. Daí em diante permanecemos em silêncio durante algum tempo. Acendi
um cigarro, dei duas tragadas seguidas e soltei a fumaça com a cabeça voltada
para cima, reparei quando ela se perdeu na escuridão. Caminhamos de volta, sob
a ponte. Na outra extremidade voltamos a ter a sensação de que a água passava
por sobre as nossas cabeças, sem nos molhar. Olhamos para cima, tentávamos
apreender aquele momento em sua totalidade. Você vinha aqui, então, quando
tinha dezoito anos, ele voltou ao tema. Vinha, afirmei, e ficava pelada. Olhou os
meus olhos, uma faca de ponta, estava surpreso. Como?, quis saber. Não liga,
não, brincadeirinha, esquece. Não posso esquecer, sei que você não ia brincar
com uma coisa dessas, insistiu. Você gosta de mim, não?, lembra aquela verão em
em Copacabana?, perguntei para ver se ele esquecia o assunto, você pediu que eu
saísse de casa com o vestidinho que usava para ir à praia, mas sem nada por
baixo; era uma saidinha de praia para usar sobre o biquíni, mas fiz a sua
vontade, não?, acrescentei. Verdade, confirmou. Então, faço tudo que você pede,
dou o maior prazer, está bem assim, não?, eu queria colocar um ponto final. Ele
nada mais falou, mas parecia não estar convencido. Tomei de novo um de seus
braços e seguimos o caminho acima, que nos deixou na rua de entrada da
floresta. Ao longe, estava o restaurante. Quero tomar uma dose de vodca, falei. Dei-lhe um beijo numa das bochechas. Caminhamos na direção do
estacionamento. À direita ficava a entrada do restaurante. Quando já estávamos
sentados a uma das mesas e o garçom já fora buscar nossas bebidas, ele voltou
ao assunto. Você gosta de ficar pelada, não é mesmo?. Eu?, acho que toda
mulher. A minha mãe não gosta, tentou contra-argumentar. Como você pode ter
certeza disso?, outro dia descobri uma senhora de oitenta e cinco anos que me
contou que quando está sozinha fica nua, dentro de casa, sua mãe é muito mais
jovem, deve gostar também. Você ficaria nua de novo, lá debaixo da ponte, sob
as águas da cachoeira?, afoito, perguntou. Ah, agora essa, não sei, quem sabe
depois da dose de vodca?, sorri ao dar a solução, reparei que o garçom chegava
com as nossas bebidas.
quarta-feira, novembro 26, 2014
quinta-feira, novembro 20, 2014
Sonata para piano
Ela havia sentido uma ponta de prazer. E o pior é que ele notara. Na certa, não a perdoaria...
Ou melhor, queria contar essa história em terceira pessoa,
mas a mulher era eu e, de verdade, já me havia aberto demais; ele, grudado às
minhas costas; eu sem me poder mexer.
Ia num ônibus repleto, um fim de tarde. Todos sabem como é a
condução nos arredores das grandes cidades. Em BH, então, nem se fala. Voltava
do trabalho. Vestia jeans, uma blusa branca de mangas curtas, curtinhas mesmo,
fazia calor, na cintura o tecido era larguinho, disfarçava qualquer ameaça de
barriguinha. Estava em pé, as pessoas passavam rente às minhas costas. Observei
algumas. Uma menina com a mãe, provavelmente voltava da escola; um rapaz
carregando uma mochila; uma mulher jovem, de óculos, com aspecto de secretária; depois passou um homem negro, achei sua altura exagerada, vestia
calça azul e camiseta marrom, sem gola, vinha de cara fechada. Daí em diante me
perdi em pensamentos, preocupações diárias, uma lembrança ou outra que nos assalta quando reparamos algo na rua, um portão, o letreiro de uma loja, o cheiro
de pão que vem de uma padaria. Ao saltar do ônibus, reparei que meu celular não
estava na bolsa. Fiquei desconfiada do homem negro, grandalhão. Não sei por quê,
mas sempre achamos que os ladrões têm cara de ladrões. Às vezes isso é um ledo
engano. Mas cismei. Apesar de sempre dizer não ao preconceito, cismei que o
negro roubara-me o telefone.
Passaram-se duas semanas e ia eu na mesma linha de ônibus.
Quase as mesmas pessoas, o empurra-empurra de sempre. Assustei-me ao descobrir,
entre os passageiros, o mesmo grandalhão suspeito. Agarrei a bolsa e tentei
olhar um ponto neutro na paisagem. Não mais procurei o homem, não mais olhei
pessoa alguma. Depois de saltar, reparei que faltavam vinte reais, apenas uma
nota, eu a levava no bolso de trás da calça.
Nas semanas que se seguiram, viajei no mesmo itinerário, mas
ele não apareceu. Eu olhava os passageiros em detalhes, procurava observar
neles algo que revelasse suas personalidades. Não me queria preconceituosa de
só achar o ladrão no corpo e na fisionomia do negro. Avistei uma senhora gorda,
estava sentada num dos bancos além da metade do coletivo. Apesar de aparentar
idade – entrava pelos quarenta, ou mesmo pelos cinquenta – seu rosto emanava
felicidade, mantinha a aparência de adolescente, quase infantil, trazia sobre o
colo duas bolsas de papel. Tentei em vão
descobrir o motivo de toda aquela felicidade.
Duas semanas adiante, quando já não pensava no homem,
avistei-o de novo. Num primeiro momento senti o corpo todo arrepiado. Não sei
se de medo ou se por outro motivo. Lembrei que trazia uma nota de dez num dos
bolsos da calça, mas dessa vez no dianteiro. Ainda pensei em, num movimento
rápido, esconder o dinheiro na palma da mão. Assim fazemos na infância, quando sob as ordens de algum adulto vamos ao armazém da esquina comprar o ingrediente que falta para completar
o prato do almoço. Mas acabei deixando o dinheiro no bolso, intocado. Senti o
homem passar suave às minhas costas. Esforçava-se para não me espremer na barra
do banco transversal, talvez tivesse certo pudor ao me esbarrar. Não o senti a me tocar o bolso em momento algum. Quando saltei, no entanto, a nota de dez me
faltava.
“Era uma época em que eu não conseguia escrever e me sentia
atormentada por aquela espécie inaudível de barulho.” A frase, copiei-a de um
livro. Às vezes descubro uma frase que gostaria de ter escrito. Espero, então,
o momento certo de usá-la. Mas emprego-a de modo disfarçado. Troco alguma
palavra ou aplico-lhe um desvio, porém de modo que não lhe roube a graça
original. Ela, a frase, representou exatamente o que eu sentia nos dias
posteriores a que vira o tal homem, ou o tal ladrão, melhor dizer assim. Aquela
espécie inaudível de barulho era a face sorrateira do homem que eu cismava
encontrar no rosto de outros negros que me cruzavam o caminho. Os dias se
demoravam. Eram tardes intermináveis. Eu sentava na poltrona da sala com um
livro nas mãos. As listras de sol, que atravessavam a janela, avançavam com lentidão
sobre o assoalho. Quando me atingiam os pés, eu já não encontrava nesse sol o
calor necessário para aquecer meu espírito. O crepúsculo trazia o vento frio,
que eu queria de um mar impossível.
Já na primavera, resolvi sair. Era setembro. Embarquei num
ônibus em busca de uma biblioteca pública. Não demorei a chegar ao centro da
cidade. As pessoas mergulhadas nos livros, o som inconfundível das bibliotecas,
o mundo do silêncio. Na volta, mesmo de pé, agarrada a uma as vigas, vinha
lendo o livro que apanhara de empréstimo. Foi então que ele apareceu. Entrou
imenso, percorreu grande parte do corredor e parou bem atrás de mim. O ônibus,
como sempre, pleno de pessoas. O homem estacado às minhas costas, bem seguro,
bem posicionado. Lembrei que desta vez não trazia dinheiro no bolso. Melhor,
nem bolsos tinha, viera de vestido, justo, que me deixava as pernas de fora. A
primavera já incendiava boa parte das mulheres. O que ele me roubaria? Numa das
mãos eu segurava uma pequena carteira. Dentro, duas notas de vinte, uma de
cinco e duas moedas. Trazia também o cartão do banco e a identidade. Fechei o livro
e sustentei sob o braço esquerdo todo o peso daquela história. Pensei em
abrir a carteira e lhe entregar o dinheiro. Que me deixasse em paz, de
volta à leitura. Mas fiquei apenas no pensamento. Depois, comecei a sentir
certo calor. Não tenho vergonha de confessar. Enfim, descobri o que ele me
queria roubar. Logo, ali, dentro do ônibus, em meio à multidão de sessenta passageiros, que escândalo... Suas mãos tatearem-me as coxas. Eu as sentia. Não
tinha a mesma habilidade de quando praticava seus furtos. Cheguei a pensar em
gritar, alertar quem estava à minha volta, quem me poderia ajudar? Mas nada
fiz. Depois acabei achando melhor assim. Levava o seu objeto de desejo
e eu mudava de bairro, ou de cidade. E não o encontraria mais. Apesar de ser
atirada, nunca vivera tal experiência. Vinha com mescla de medo e mais de
alguma coisa que, dias depois, descobrir ser prazer. No momento pensei,
faço de conta quer sonho. E nos sonhos tudo é permitido... Ele avançava. Que
não me levasse o vestido, que não me deixasse toda nua. Surpreendi-me quando o vi sobre passeio, acabado
de descer. Ainda a multidão a me espremer, ainda suas mãos desajeitadas a
tentar uma sonata por baixo do meu vestidinho.
quinta-feira, novembro 13, 2014
Pezinho
Eu sabia que Newton gostava de circular de carro pelas
madrugadas de M. à cata de mendigas que dormiam pelas calçadas. O homem
tinha tara por mendigas. Elas, apesar de escoladas no perigo das ruas, não
conseguiam escapar. Ele as segurava com força, amarrava-as caso necessário e as
colocava na mala do carro. De início pensavam que seriam mortas. Mas quando
percebiam que o mesmo homem desatava os nós que lhes prendiam braços e pernas, dentro de
uma suíte de motel, tranquilizavam-se. Ainda desconfiadas não se mexiam quando
o desconhecido, com toda delicadeza do mundo, as banhava em água quente. Já na
cama, tudo mudava de figura. Newton proporcionava enorme prazer a todas.
Aos poucos as mendigas da cidade passaram a arrepiar-se ao ver
o automóvel do amante aproximar-se. Já não resistiam. A única exigência que
ele fazia é que haviam de ir dentro da mala. Uma vez que ainda exalavam o odor
fedorento das ruas, não poderiam ser transportadas no banco do carona. Algumas,
em má matemática, contavam nos dedos os dias que haviam passado desde a última trepada com o magnífico amante. Newton as tratava como rainhas muito
desejadas. Ninguém, no entanto, falava sobre isso na cidade.
As mulheres sempre são ardilosas. Eu, mais ainda. O segredo
chegou, enfim, aos meus ouvidos. Primeiro achei que fosse invenção. No entanto,
logo descobri a verdade. Bastou-me um dia seguir Newton em uma de suas saídas. Embora
sempre apaixonada por ele, jamais consegui sua atenção. A partir do que pude
observar, resolvi tornar-me uma das mendigas, na cidade. Ao menos durante
algumas horas na semana.
Fazer-se de mendiga não é tarefa fácil. A rua é um lugar
perigoso. Há homens que não livram a cara de mulher alguma, nem da mendiga mais
maltrapilha. Tive de fugir deles várias vezes. Nem sempre consegui. Numa
ocasião, depois de intensa resistência, tive de me largar nas mãos de um
desconhecido. Temi contrair doença maligna. E o homem, no final, não me deixou
vestida. Tive de rebolar para conseguir chegar nua em casa. Como meu objetivo
era Newton, aceitei privações e perigos.
Passaram-se algumas semanas desde que me deitara ao relento num
colchonete, pela primeira vez. O local, mais tranquilo do que os outros, era uma esquina no setor azul, da cidade. Sabia que Newton tinha bom faro. Vi o
seu automóvel rondar várias vezes o bairro. Fiz de conta que me escondia. Afinal,
numa noite sem lua, caí nas mãos do homem. Fingindo, esbocei grande
resistência. Ele amarrou-me os punhos e me jogou na mala do carro, como
costumava fazer com as outras. Bati-me, fiz barulho. Tudo em vão. Como eu
desejava, descobri-me no motel, assim como as outras.
Newton é um político influente na região, foi eleito duas
vezes prefeito e exerce o segundo mandato de deputado estadual. Eu fora
secretária de educação num dos seus mandatos de prefeito. Disfarcei-me ao
máximo para não ser desmascarada. Ele jamais vira mendiga tão enegrecida, tão
fedida como eu.
Já cheirosa e envolta em seda, trepei com ele. O homem levou-me
ao delírio.
Dali em diante, preparei-me para que o encontro se repetisse
outras vezes. Mas Newton demorou a voltar. Vivi com mendiga durante várias
semanas, atravessei várias madrugadas sob o sereno do outono e tive de escapar
tantas outras vezes de homens inescrupulosos. Deparei novamente com o
desconhecido que me despira, sobre quem já falei.
Na segunda vez que Newton me tirou da rua, numa noite fria,
consegui conversar com ele. Dizia não gostar de assunto com as mendigas, nada
tinham a acrescentar, apenas as fodia. Representei o estereótipo da mulher
rude, mas com alguma inteligência.
“Você seria capaz de casar com uma mendiga?”, perguntei.
Ele disse que não. “As esposas são muito limpas”, falou e
caiu na gargalhada.
“Você não gostaria de levar uma mendiga com você, quando vai
à capital como deputado?”
“Só se for uma mulher muito especial, na capital há também
mendigas interessantes.”
Minha esperança foi por água abaixo. Trepei com ele uma
segunda e terceira vez. Quando me deixou na rua, no final da madrugada, prometi
a mim que não mais representaria aquele papel.
Passaram-se dois meses. Reparei cartazes nos muros da cidade
com o desenho do rosto que era o meu quando me transformava em mendiga.
Já que não mais apareci, Newton procurava por mim. Havia um
telefone abaixo do desenho, na verdade um retrato falado. Liguei ao número
indicado. Um homem atendeu. Sou a mendiga que o deputado procura.
Não esperei doze horas. Um motorista particular me veio
buscar no local que indiquei. Quando encontrei Newton, ele disse que se
apaixonara por mim. Tive de rir.
“Não vai dizer que você quer casar com uma mendiga?”
“Casar, não”, afirmou categórico, “mas quero levar você ao
Rio de Janeiro.”
No Rio, essas coisas acontecem em outro patamar. Trata-se de
uma cidade perigosa. E o perigo excitava Newton. Ele constantemente me pedia
para contar como fiz para me livrar dos homens que me assediavam. Eu inventava
histórias. Ora dizia que escapara de todos, ora que um deles me deixara nua a
madrugada inteira e me comera de modo exemplar. Contava como eu gozara. Depois
Newton pedia que eu fizesse com ele da mesma forma. Certa vez contei do homem
que, em M., me fizera voltar nua pra casa. Não calculava que tal assunto excitaria tanto a Newton. Pediu para fazer comigo do mesmo jeito.
“Mas o quê?, vamos trepar na rua?”, assustei-me.
Ele não quis saber. Trepamos na rua. Ele, um homem tão
importante. Depois, deixou-me, do mesmo modo como o outro fizera.
"Ei, volte aqui."
Mas ele não voltou. Ou melhor, atirou-me algum dinheiro, três notas de cem. Eu, nua, com o dinheiro numa das mãos. Onde enfiaria as notas?
A cada encontro o homem oferecia-me uma quantidade maior de notas. Sou uma pessoa normal, gosto de dinheiro, portanto, a situação passou e me agradar. Logo arranjei um jeito de manter as notas e escapar ilesa, embora nua. Mulheres bonitas atraem sorte.
"Ei, volte aqui."
Mas ele não voltou. Ou melhor, atirou-me algum dinheiro, três notas de cem. Eu, nua, com o dinheiro numa das mãos. Onde enfiaria as notas?
A cada encontro o homem oferecia-me uma quantidade maior de notas. Sou uma pessoa normal, gosto de dinheiro, portanto, a situação passou e me agradar. Logo arranjei um jeito de manter as notas e escapar ilesa, embora nua. Mulheres bonitas atraem sorte.
Um dia ele resolveu levar-me a Brasília.
“Newton, lá há mendigas à vontade, você não precisa me levar”,
alertei.
Mas o homem me deu vestidos novos, maquiagem, tudo que eu
precisava. E lá fui com ele. Sempre mudando o rosto. Sempre temendo ser
desmascarada. Transamos no final da Asa Sul, sobre um gramado comprido. Ele
deixou-me nua com dez notas de cem. Nunca pensei que a vida na capital federal fosse tão fácil.
Após certo tempo, Newton passou a se interessar pelas
mendigas de Brasília. E não duvidei ao perceber no rosto de uma delas algum
disfarce.
Na última vez em que me vesti de mendiga no Planalto Central, acercou-me um automóvel. Não era Newton. Mesmo assim não demorei a
reconhecer o motorista. Era Mariano, marido de Pezinho, a deputada federal mais votada
de M. Antes de casar com ela, ele fora um mendigo de verdade. Mesmo assim o
homem não deixou de me reconhecer.
"Quero comer você, Elinete, a secretária de educação do prefeito Newton."
"Quero comer você, Elinete, a secretária de educação do prefeito Newton."
"Me coma à vontade, respondi convidativa, mas seja cavalheiro, a
mendiga aqui quer uma trepada bem dada numa cama de hotel."
quinta-feira, novembro 06, 2014
Do mesmo modo como me havia encontrado
Será que todas as pessoas que conhecemos têm alguma função
na nossa vida? Quando já morriam minhas últimas esperanças – eram quase cinco
da manhã –, ele chegou. Difícil usar o pronome “ele”, porque eu não sabia e nem
cheguei a saber quem era. Mas como pude observar de pouco em pouco, tratava-se
de alguém muito educado. Parou o automóvel e perguntou se eu precisava de algo.
Não me feriu com os olhos, manteve a suavidade das pessoas de bom coração. Nem desconfiou que fosse uma armadilha. Não sirvo de isca, sei bem disso. Entre
os inúmeros papéis que sei representar o de isca é o mais temerário. Acreditou
na minha sinceridade. Entrei e sentei no banco ao seu lado. O homem deu a partida
e manteve-se em silêncio por um bom tempo. Quando já seguíamos a rodovia,
talvez dois ou três quilômetros à frente, foi que perguntou onde eu desejava
ficar. Você acha que devo ficar em algum lugar?, falei e cruzei as pernas, a
direita sobre a esquerda. Sempre se tem um destino, respondeu. Continuou
seguindo, ainda estava escuro, os faróis delineavam a madrugada, que já não
custava a se abrir à claridade da manhã. E então?, onde você mora?, ele quis
saber. Disse o endereço. Mas não me leve agora, guie mais um pouco, cinco ou
dez minutos, vou ligar a uma amiga. Ele assentiu ao meu pedido. Fiz a ligação.
Mayra não demorou a atender. Contei em poucas frases a minha situação. Ela sugeriu
que eu subisse para Lumiar. Mas não falei logo ao meu afável recém-conhecido. Ele
teria de forçar o carro, desviar-se do caminho. Respondi apenas com um ok e
desliguei. Tudo bem, disse a ele com a voz baixa, você já entendeu,
acrescentei. Sim, sorriu e continuou olhando à estrada. Sabe em Casimiro, a
entrada para o Sana?, perguntei. Sei, sorriu de novo. Você não vai precisar me
levar até lá, alertei, logo na entrada está bom, depois me viro. Tem certeza?,
interpôs. Bem, caso você queira subir um pouquinho... Mas não é para ir ao
Sana, e também não é para lá que vou. Sua amiga mora na estrada?, sua voz soou
sonora, ao longe já se via o céu avermelhar-se. Lumiar, foi a minha vez de
sorrir, talvez um sorriso branquinho. É um pouquinho antes, ele assegurou.
Isso, às vezes passo um fim de semana ou outro com ela, eu mostro onde me
deixar, ela vem me pegar. O homem guiou até o local. Demoramos trinta minutos.
Quando parou, já clareava. Tudo bem?, eu disse antes de abrir a porta. Ele
olhou-me como alguém de bom caráter, no entanto uma ponta de decepção escorria
de seus olhos, acho que gostou de mim. Como qualquer homem, não queria perder a
oportunidade. Tudo, respondeu acentuando o sorriso. Beijei-o, peguei uma de
suas mãos e a coloquei sobre minha coxa direita. Ele compreendeu o que eu quis
dizer. Minha amiga ainda demoraria vinte ou trinta minutos, então?, insisti.
Então, completou. Daí, aconteceu. Mas mantivemo-nos discretos. Só não
conseguimos o beijo. No final, quando saí do carro, perguntou tenho uma
camiseta na mala, que tal? Não precisa, minha amiga já vem, lancei-lhe um beijo de despedida, pode ir, não precisa se atrasar por minha causa. Ligou o carro,
deu um adeusinho e se foi. Deixou-me, do mesmo modo como me havia encontrado.
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