Respirei fundo e me pus avante, como era boa aquela sensação, talvez fosse o perigo, enfrentá-lo sempre é um desafio. O que pode fazer uma mulher nua às duas da madrugada, tanto mais à distância da própria casa? Mas eram duas da tarde e agora à história era outra. As lembranças que ficassem escondidas, numa espécie de sótão da memória. No telefone, a voz dele dizia quanto tempo, que bom falar com você. Convidava-me. Queria reviver algumas aventuras do passado.
Não é bom voltar o relógio, rebati, vamos daqui em diante. Ele ficou em
silêncio durante alguns segundos, mas logo retornou, com seu desejo acho que
maior. O passado já passou, você tem razão, afirmou, o importante é o que vamos
fazer daqui pra frente. Foi a minha vez de silenciar, de pensar muito, ainda
que em trinta segundos. Desejaria eu ir à sua cidade, permanecer envolta nas
carícias daquele homem que sempre partia sem avisar e voltava a me procurar?
Você não falou ainda o motivo de tanto tempo sem ligar, disse eu subitamente.
Ah, negócios, muitos os negócios, replicou. Quem garantirá que você não vai
desaparecer de novo? Ninguém, sua voz soou sóbria, quanto a isso não há garantia.
Desembarquei no dia seguinte na rodoviária Novo Rio. Sempre
achei o lugar muito confuso, feio, deselegante para uma cidade como o Rio de
Janeiro. As pessoas corriam pelos longos corredores, não se preocupavam se
esbarravam umas nas outras. Num dos cantos, uma mulher jovial, embora se
percebesse que ia pelos cinquenta anos, beijava na boca um homem talvez quinze
anos mais novo. Pessoas subiam e desciam, levavam malas, sacolas e pacotes.
Corri até o ponto dos táxis, mas tudo estava muito complicado. E nem era véspera
de feriado. Do outro lado da rua um ônibus indicava no letreiro que ia para o
Leme. Embarquei. A viagem se deu vagarosa. A cidade tinha muitas interdições de
avenidas, havia obras por todo lado. Depois de cinquenta minutos saltei num
ponto próximo a uma praça, no bairro de Copacabana. Dobrei a segunda rua à
esquerda e me deparei como pequeno hotel onde sempre fico hospedada quanto vou
ao Rio. Ele ligou às quinze para as sete. Disse que só poderia encontrar comigo
no dia seguinte às duas da tarde numa rua do centro da cidade. Ok, confirmei.
Acho que a incerteza era o que me movia. Não sei dizer, mas o risco, sempre o
risco. Coloque a dois metros um barril de pólvora e sempre haverá admiradores,
ou mesmo quem se proponha a saltá-lo segurando um cigarro aceso. Naquele
homem fugaz, escorregadio, enganador, havia um tipo de magia difícil de transformar
em palavras, um filete de gasolina capaz de provocar um grande incêndio. A
verdade é que ele atraía, e como.
Às duas em ponto eu esperava por ele na rua do Ouvidor
esquina com rua do Carmo. A mesma rua do Ouvidor das histórias contadas por
Joaquim Macedo, o autor de A moreninha. Não sou tão morena, mas mais atrevida,
já que gosto de andar nua na noite escura. Caminhamos por outras ruas do Centro entramos num hotel, na Senador
Dantas, um prédio antigo reformado e ambientado para casais em estado de
paixão. Havia uma mulher discreta na recepção, não olhava frontalmente as
mulheres que acompanham os homens. Subimos num elevador ruidoso, deixou-nos no
sexto andar. Assim que entramos no apartamento, comecei a me despir. Não tirei
a calcinha. Ele me abraçou quando eu virei para ele com os seios empinados, me
deu um intenso aperto e me beijou os lábios. Nada de muitas palavras, ele
sempre foi um homem silencioso. Permanecemos em pé, agarrados, num intenso
apertar e roçar de corpos. Ele ainda não tirara toda a roupa, estava de calças
compridas, mas mesmo assim pude sentir seu sexo rijo a me pressionar o ventre.
Namoramos durante duas horas e meia. No final, tomei uma garrafinha de água, que
havia no freezer. Estirei-me na cama e me pus a pensar sobre o fato de estar
tão longe de casa, em outra cidade, viera apenas para encontrar um homem que
dizia gostar de mim e que me procurava ocasionalmente. Você ainda gosta de
andar nua por aí?, perguntou curioso. Ora, claro que sim, você que me despertou
pra isso, não?, beijei-lhe o rosto com os lábios úmidos de água mineral. Então,
proporcionei algo de bom a você, o que mereço em troca?, ele queria algo mais.
Tudo, respondi e subi sobre o seu corpo. Seu sexo, que estava em repouso deu
mostras de que despertava de novo. Abri as pernas e o agasalhei, o prazer foi intenso.
Tenho um novo segredo pra você, acrescentou. Segredo? Achei que já me tinha
ensinado tudo. Nada disso, voltou ele à palavra, trata-se de uma fantasia.
De sua bolsa, tirou uma fantasia de carnaval. Quer
experimentar?, é de uma personagem de escola de samba. Como você conseguiu?, eu
quis saber. Conheço muitas pessoas, e trabalho com atores e atrizes. Verdade?,
mostrei surpresa, não sabia que seu trabalho era tão interessante.
Entrei na tal fantasia. Caiu com perfeição no meu corpo.
Agora vou levar você pra passear fantasiada, ele riu no final da
frase. Verdade?, Acho que morro. Nada disso, as pessoas vão adorar, e você está
muito sexy com ela. Depois a gente volta para o hotel. Estou muito sexy?, estou
nua, não brinca que você vai me levar nua lá fora? Vou sim, e você não vai querer outra vida, nua
às cinco da tarde.
Acho que por isso sempre volto a esse homem, a ele e a suas
invenções. É lógico que tudo foi apenas um jogo. Passear lá fora significava
apenas sair nua do apartamento e tocar a campainha para que ele me recebesse.
Mas pra quem é de longe, imagine o frisson que senti enquanto batia à porta. E
havia a possibilidade de ele não abrir. Por isso volto sempre a esse homem. Ele
é um arrepio.