quarta-feira, abril 22, 2015
Qual a diferença, afinal.
Você não sabe ser livre, ele falou pelo telefone. Como assim?, embaracei-me nas suas palavras. Você se prende a pequenos compromissos aí em M., poderia estar aqui aproveitando melhor estes dias. Eram duas da tarde quando desliguei o telefone, pensei em me arrumar e viajar imediatamente à cidade dele, mas contive-me. Melhor esperar o dia seguinte. Mas ao levantar pela manhã comecei a deixar de pensar sobre a possível viagem. Eu sempre facilitava demais as coisa pra ele e sempre me prejudicava, saía dos encontros desvalorizada. Naquela mesma manhã, enquanto ia ao caixa eletrônico, encontrei Rubens, um mulherengo de carteirinha. Oi, princesa, como vai? Ele tinha a mania de chamar as mulheres de princesas, eu sabia que não era apenas comigo. Oi, respondi, mas ao contrário das outras vezes, além da voz, deixei o sorriso, foi uma porta aberta. Ele não deixaria de aproveitar. Começou a dizer que o dia estava lindo, combinava perfeito com meu sorriso. Ah, gentileza sua, redargui. Nada disso, ele acrescentou, você é uma princesa que merece todos os favores do reino. Rubens, deixa de história, nem mais existem reinos. Ele apontou um automóvel estacionado, de cor vermelha, conversível. Vou levar minha rainha a um passeio, sugeriu. Rubens, pretendo tirar dinheiro, vou ao caixa eletrônico. Insistiu em me acompanhar. Acabei por aceitá-lo ao meu lado. Quando saímos do banco, caminhamos um pouco a esmo e acabamos parando onde ele estacionara o carro. Vamos? Levo você em casa, convidou. Quem disse que vou pra casa?, emendei a frase com mais um sorriso. Era tudo o que ele queria, e eu sabia que caso entrasse no carro seria o mesmo que dizer sim às suas pretensões. Depois de cinco minutos, rodávamos pela estadual, uma rodovia junto ao mar. Veja que beleza, ele falava e apontava o mar, vamos parar, você toma uma cerveja. Um suco, respondi. Ok, vamos estacionar. O carro ficou num trecho de areia que se misturava à vegetação rasteira. Descemos até perto do mar. Ele explodia com ondas volumosa e irregulares, as espumas deslizavam ligeiras, vinham quase aos nossos pés. Às vezes eu tinha a impressão de que as águas chegariam com força até onde estávamos arrancando-nos dali com toda sua fúria. Rubens segurou uma das minhas mãos e me conduziu a uma cabana, que mal pude dar pela presença naquela paisagem. Ao nos aproximarmos, o vento levantava nossos cabelos e agitava nossas roupas. Entramos naquele local rústico, onde pudemos sentar, ainda ouvindo o som que vinha lá de fora e que parecia o começo de uma tempestade. Uma mulher jovem trouxe uma espécie de cardápio. Rubens perguntou se eles tinham camarões. A mulher assentiu e desapareceu num compartimento posterior ao bar. Rubens ria para mim, disse que eu adoraria o que serviam ali. A mesma mulher voltou, trazia um suco e uma cerveja. Colocou o copo à minha frente, abriu a cerveja e encheu o copo do meu amigo. É deserto, aqui, cheguei a comentar. É um bom lugar para se conversar e namorar, falou e sorriu. À noite, deve ser um lugar tentador, acrescentei. Ele pareceu gostar da minha observação. Você gosta de sucos, não é mesmo? Suas palavras ecoaram na minha mente, lembrei meu admirador do Rio, que telefonara no dia anterior. O que ele dissera mesmo? Era como se sua voz se perdesse ante todo o bramir da natureza. Meu namoradinho do Rio gosta de me convidar para um hotel no centro da cidade, gosta de me deixar nua às duas da tarde, certa vez me perguntou se eu voltava nua pra casa. Respondi que sim, nuazinha nuazinha, só pra provocar. Quanto a Rubens eu sabia que teria de demorar em seus braços, ele desejaria meu corpo durante todo o dia e também durante boa pote da noite. Ninguém poderia dizer que eu não era livre, que vivia presa aos meus pequenos problemas em M. Aliás, preferi deixar que Rubens fizesse sua parte e provasse que M. valia a pena. Nua num hotel no centro do Rio. Nua numa praia, num fim de tarde em M. Qual a diferença, afinal? Acho que o vento, todos os ventos, e as mãos grossas daquele homem da terra crente em princesas, crente em reinos jamais extintos. Saboroso o camarão, ressaltei, e o suco então nem se fala, está boa a cerveja?, emendei gulosa. Ele bebeu um longo gole, seu rosto estampou todo o prazer que a vida lhe podia oferecer. Eu ia nua, dentro do seu copo de cerveja ou, quem sabe, ao lado do seu corpo dourado. E os olhos baços e indiferentes da garçonete estavam acostumados a sonhos que vinham do mar.
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