sábado, abril 18, 2015

A pelada sou eu

Digamos que seja tudo verdade. E a verdade às vezes dói. Mas faço de conta que ainda tenho alguma chance. Não foi isso que combinamos. Ele me pediu para descer do carro, dar uma voltinha, depois de cumprir a tarefa que precisava cumprir voltaria para me levar para casa. Ah, esses homens, deve ter surgido outro programa. E eu esperando. Deixa estar. Deixa estar que resolvo à minha maneira. Caso ele ainda apareça, não mais me encontrará. Estarei longe. E nos braços de outro. Mas que estou furiosa, estou.

"Rosalvo, você vem me buscar? Eu sei, está tarde, não combinei nada com você. Mas surgiu um imprevisto, por isso telefono, e você vai ter uma surpresa. Isso mesmo, Rosalvo, uma surpresa. Não, pode deixar que não vou fazer como da outra vez, deixei você chupando o dedo, lembro sim. Nada disso, não vai acontecer de novo, prometo. Anote onde estou? Depois da 41. Isso. Há um restaurante perto, mas não quero ir até lá, ou melhor, não posso. Por quê? Você vai logo saber. Se apresse, Rosalvo. preciso que esteja aqui no máximo em vinte minutos. Por que tanta pressa, Rosalvo? É fácil adivinhar, você me conhece. Não, não brigamos, muito pelo contrário, estamos muito bem. Mas ele, ou eu, não sei bem, acho que nós dois, sabe, namoramos com o perigo. Essas coisas nos excitam. Que coisas? Ora, Rosalvo, não faça perguntas óbvias. Se estivéssemos numa Dinamarca, numa Noruega, acho que não seria nada de mais. Mas no Brasil, e nesta cidadezinha... tudo se torna muito perigoso. O que, Rosalvo? Ah, sim, você diz que eu e ele gostamos do perigo. Isso, Rosalvo, isso mesmo. Fui eu quem disse há pouco, você está repetindo. Vamos deixar a conversa pra outra hora. Se apresse. O quê?, você acha que eu devo escrever um livro com minhas histórias?, com as situações que me acontecem? Rosalvo, escrever livros é fácil, tanto mais para mim, o problema é publicar, e isso não é assunto para o momento. Venha me buscar que eu conto. A surpresa? Se eu falar perde a graça. Quando você estiver aqui, vai perceber, e como. Vai amar. Uma armadilha? Rosalvo, você acha que eu vou te atrair para uma armadilha? Sou sua amiga, jamais faria isso. Se fosse obrigada? As tais pessoas que me obrigariam não conheceriam você, eu não ligaria para você, procuraria outra pessoa, talvez uma que me tivesse feito algum mal. Uma pessoa assim não me viria buscar, Rosalvo? Deixa, Rosalvo, não precisa mais, não, não venha, vou me virar sozinha, me arrependi de ter ligado a você. Vem o ônibus, vou dar sinal. Não sabia que aqui passava ônibus. Melhor se tiver só o motorista. Sabe, Rosalvo, há um deles que me paquera. Quem sabe seja hoje o dia de sorte do homem. Não precisa, não, Rosalvo. Já dei sinal, está quase parando, vou entrar. A surpresa, Rosalvo? Vai ficar para o motorista. É ele que me vai levar. Pode me olhar de frente, moço, sou eu sim, e sou sem vergonha, não é você que sempre passa às quatro e meia em frente à escolinha? Então, é o seu dia de sorte. Não acredita? É verdade. A verdade às vezes dói, mas a de hoje é só prazer Não precisa ficar com vergonha, não, moço. A pelada sou eu!"

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