segunda-feira, abril 13, 2015

Posto de vigia

Escrevo sempre com minhas palavras. É inútil querer começar com frases alheias ou pensamentos de outros autores. Caio sempre na minha própria língua, ou no meu modo de narrar. Respiro fundo, quero antever uma solução. A madrugada adianta-se, o bramir das ondas me soa suave, estou só sobre as areias da praia, ainda é escuro o céu. Penso na amiga que me escreveu um dia desses dizendo que foi à praia com o namorado e ele a deixou nua! A exclamação, um tanto desajeitada, é dela. O que haveria demais ficar nua numa praia? Já não vamos todas nuas sobre as areias brancas? Mas ela não podia ouvir-me. Era texto as suas palavras, e eu lia. Ficara nua pelas mãos do namorado, brincaram dentro d’água, e ele lhe escondera o biquíni. Caso permaneça tranquila, as águas hão de lhe servir de cobertor, e o dia nem é tão frio, eu lhe diria sossegada. Mas essa amiga é inquieta, mexe-se muito, e as mãos (incluo por minha conta algo mais) do namorado não a deixam em paz. Paz, quem disse que deseja a paz? Não quer a paz mas, ao mesmo tempo, foge dos olhares que por acaso descubram-na nua por inteiro. Ninguém olha para nós, diz o namorado, vamos aproveitar. E ele sempre de mãos estendidas e quanto oh quanto não recebia de surpresa! Mas depois que tudo acaba e ele sai... Não sei se foi procurar pelo biquíni da moça ou se foi buscá-lo na bolsa. Pois ele saíra no começo, logo que a deixara nua, e correra até o guarda-sol onde ficara a bolsa. Ela diz que um senhor aproxima-se e quer assunto, pensa que a mulher vem sozinha à praia; e o namorado a demorar... Daí em diante calou-se, terminou o texto mandando a mim muitos beijos. Acho que quis experimentar minha imaginação. Enfim, despediu-se. Nada perguntei; nem poderia. Sorri e guardei o papel. Eu, que moro diante da praia, que me é velha conhecida a madrugada, acho que por isso o texto dela ao meu endereço. Desconfia que ando nua pelas areias, sob a luz do luar. Meus namorados jamais tiveram tanta imaginação. Quando muito, tomam-me ao colo e me carregam para a cama. Já vim nua aqui fora sim, uma só vez, e não estava bêbada, apenas desejosa. Certa vez inventei uma historinha a um namorado, historinha pela metade. Falei de um amante que gostava de trepar na praia. Cruzes, mau gosto, respondeu, a areia é pegajosa e, depois, acabamos por estragar as roupas. Importante, ele, roupas caras por sinal. E minha amiga peladinha, na praia, sem recursos diante de um estrangeiro... Ah, sim, a solução sobre o que escrevi lá no começo. Não, não estou nua, acho que até muito vestida, mas o vento salpica-me a pele, talvez também me estrague as roupas. Mas não adianta despir-me. Onde as guardarei? Não trouxe a bolsa, como minha amiga e o namorado, bolsa que, aliás, não lhe deu a solução. Ah, uma proteção, uma guarita abandonada, usada no verão como posto de vigia, agora está quase em ruínas, tão forte os ventos. Entro na vigia, subo dois lances de escada. Surpreendo-me. Roupas. Alguém usa o posto como armário. Roupas de mulher. Levo-as comigo? Não, nunca fui ladra. O que faço? Protejo-me de todos os ventos. Melhor então me guardar na vigia, a vigia como refúgio, a vigia como armário, roupas minhas e roupas de outra, esquecidas, todas misturadas. Sei que ela não virá, não há viva alma na praia. E a noite que termina. Desço da vigia. Salpica-me a pele gotículas de sal, agulhas de areia sangram-me as pernas, o oceano inunda-me até os tornozelos. Volto à vigia, minha amiga pelada sem a bolsa, minha amiga pelada espelho meu... Posto de vigia? Que vigia?

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