Escrevo sempre com minhas palavras. É inútil querer começar
com frases alheias ou pensamentos de outros autores. Caio sempre na minha
própria língua, ou no meu modo de narrar. Respiro fundo, quero antever uma
solução. A madrugada adianta-se, o bramir das ondas me soa suave, estou só
sobre as areias da praia, ainda é escuro o céu. Penso na amiga que me escreveu
um dia desses dizendo que foi à praia com o namorado e ele a deixou nua! A
exclamação, um tanto desajeitada, é dela. O que haveria demais ficar nua numa
praia? Já não vamos todas nuas sobre as areias brancas? Mas ela não podia
ouvir-me. Era texto as suas palavras, e eu lia. Ficara nua pelas mãos do
namorado, brincaram dentro d’água, e ele lhe escondera o biquíni. Caso
permaneça tranquila, as águas hão de lhe servir de cobertor, e o dia nem é tão
frio, eu lhe diria sossegada. Mas essa amiga é inquieta, mexe-se muito, e as
mãos (incluo por minha conta algo mais) do namorado não a deixam em paz. Paz,
quem disse que deseja a paz? Não quer a paz mas, ao mesmo tempo, foge dos
olhares que por acaso descubram-na nua por inteiro. Ninguém olha para nós, diz
o namorado, vamos aproveitar. E ele sempre de mãos estendidas e quanto oh quanto
não recebia de surpresa! Mas depois que tudo acaba e ele sai... Não sei se foi
procurar pelo biquíni da moça ou se foi buscá-lo na bolsa. Pois ele saíra no
começo, logo que a deixara nua, e correra até o guarda-sol onde ficara a bolsa.
Ela diz que um senhor aproxima-se e quer assunto, pensa que a mulher vem sozinha
à praia; e o namorado a demorar... Daí em diante calou-se, terminou o texto
mandando a mim muitos beijos. Acho que quis experimentar minha imaginação.
Enfim, despediu-se. Nada perguntei; nem poderia. Sorri e guardei o papel. Eu,
que moro diante da praia, que me é velha conhecida a madrugada, acho que por
isso o texto dela ao meu endereço. Desconfia que ando nua pelas areias, sob a
luz do luar. Meus namorados jamais tiveram tanta imaginação. Quando muito, tomam-me
ao colo e me carregam para a cama. Já vim nua aqui fora sim, uma só vez, e não
estava bêbada, apenas desejosa. Certa vez inventei uma historinha a um
namorado, historinha pela metade. Falei de um amante que gostava de trepar na
praia. Cruzes, mau gosto, respondeu, a areia é pegajosa e, depois, acabamos por
estragar as roupas. Importante, ele, roupas caras por sinal. E minha amiga
peladinha, na praia, sem recursos diante de um estrangeiro... Ah, sim, a
solução sobre o que escrevi lá no começo. Não, não estou nua, acho que até
muito vestida, mas o vento salpica-me a pele, talvez também me estrague as
roupas. Mas não adianta despir-me. Onde as guardarei? Não trouxe a bolsa, como
minha amiga e o namorado, bolsa que, aliás, não lhe deu a solução. Ah, uma
proteção, uma guarita abandonada, usada no verão como posto de vigia, agora
está quase em ruínas, tão forte os ventos. Entro na vigia, subo dois lances de
escada. Surpreendo-me. Roupas. Alguém usa o posto como armário. Roupas de
mulher. Levo-as comigo? Não, nunca fui ladra. O que faço? Protejo-me de todos
os ventos. Melhor então me guardar na vigia, a vigia como refúgio, a vigia como
armário, roupas minhas e roupas de outra, esquecidas, todas misturadas. Sei que
ela não virá, não há viva alma na praia. E a noite que termina. Desço da vigia.
Salpica-me a pele gotículas de sal, agulhas de areia sangram-me as pernas, o
oceano inunda-me até os tornozelos. Volto à vigia, minha amiga pelada sem a
bolsa, minha amiga pelada espelho meu... Posto de vigia? Que vigia?
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