quinta-feira, julho 16, 2015

Até o fim

Esperei duas semanas, até que não mais suportei, telefonei então pra ele. Ao ouvir sua voz, gelei. Sempre sentimos ligeiro arrependimento ao perceber que estamos numa posição inferior. Por que não deixei o homem de lado? Bastaria esquecê-lo e sair por aí a bater pernas, não demoraria a aparece outro, e talvez mais galante. Mas ele já estava na linha, e pareceu gostar de ouvir minha voz. Deu um risinho. Achei que estava de deboche. Ameacei colocar o fone no gancho. Mas logo ouvi hei, onde você está? Eu quis ficar em silêncio, deixar que ele imaginasse, porém o silêncio contínuo poderia fazê-lo pensar que a ligação caiu. Ligar duas vezes já seria demais. Oi, devolvi. E você como, está?, ele. Bem. Que bom, retomou o diálogo. Eu ia dizer uma bobagem, mas preferi silenciar, quem sabe ele continuava. Respirei fundo, tapei o telefone para que ele não ouvisse o arfar de meus pulmões. Que tal um encontro?, sugeriu. Eu não poderia aceitar de primeira, principalmente depois do que aconteceu. Nada falei, apenas repeti em tom de interrogação, um encontro? É melhor não, falei. Foi uma tentativa de reconquistar o terreno perdido, já que fora eu a autora da ligação. Ele retrucou por que então o telefonema? E agora, o que eu diria. Esperei um pouquinho. Não sei, apenas senti vontade de conversar, afirmei. Que bom!, pelo menos isso, ele aceitou minha réplica com alegria. Você é bonita, acrescentou, caso queira vir, não falemos no que passou, vamos conversar outros assuntos, tudo fora de nós dois, completou. Como vamos agir assim?, perguntei a mim mesma, em silêncio, enquanto esperava que ele acrescentasse algo. Ele, no entanto, permaneceu à minha espera. Esperei também. E tudo se tornou muito demorado, o tempo não passava, ou se arrastava, eram duas pessoas segurando dois telefones pesadíssimos. Hoje quase não se telefona, quebrou o gelo, manda-se mensagem, pelo zap. Ah, o zap, repeti, é mesmo, talvez haja mais silêncio daqui pra frente, ousei continuar. Não vamos estragar tudo, ele interferiu, estava também com saudades, ia ligar. Por que não ligou?, eu quis saber. Estava esperando as coisas esfriarem, respondeu. As coisas esfriarem, expressão interessante, pensei comigo, então quer dizer que alguma coisa estava queimando as mãos dele, e fora eu a vítima, talvez estivesse sentindo-se arrependido. Sei que não foi nada demais, acrescentou, mas você ficou uma fera. Não foi nada demais, não consegui ficar em silêncio, você acha que não foi nada demais? Não sei, foi uma brincadeira, ele. Brincadeira?, tive mil problemas depois do que você me causou, tive de dizer. Mil problemas, não exagere, ele chegou a rir depois das palavras, e achei que estava de novo a achar engraçado a situação em que ele me colocara. Nada repliquei, apenas esperei que continuasse. Você quer que eu peça desculpas?, perguntou numa pretensa gentileza. Não, não precisa, tudo o que aconteceu teve minha concordância, retruquei, sou tão culpada quanto você. Afinal de contas ninguém morreu, ele queria concluir a questão. Como não morreu?, cheguei a repetir suas palavras, quero dizer, ninguém morreu fisicamente, mas algo se perdeu, além de tudo, dizíamos que não conversaríamos sobre o passado, viu, por isso não dá pra encontrar você. É, acho justo, você tem razão, ele acrescentou. Ok, vamos então desligar. Ok, ele concordou, vamos, talvez num dia melhor, quem sabe. Isso mesmo, num dia melhor, ainda estou muito ferida, nem eu mesma sabia disso. Ok, então um beijo, ligo daqui a um tempo, falou. Tchau, desliguei. Sentei na poltrona e me pus a imaginar a noite em que brigamos. Uma brincadeira besta, uma brincadeira que eu concordara, e depois a confusão toda. Passaram-se cinco minutos, me levantei e peguei o livro que repousava sobre a mesinha lateral, um livro em francês. Tentei continuar a leitura que começara antes de dar o telefonema. Mas não consegui me concentrar. O diálogo recém-encerrado deixara rastros de sobressalto em meu espírito. Então fui ao quarto, abri a porta do armário e me olhei no espelho. Sorri, um sorriso de início acolhedor, a seguir mais envolvente, depois com uma ponta de volúpia. Naquele momento, me tornei a mulher mais feliz do mundo. Enfim, voltei ao livro. Dali em diante consegui ir até o fim.

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