quinta-feira, julho 30, 2015

Conto de carnaval

Eu era uma deusa consagrada pelas duas da tarde. Uma deusa de máscara.

Ele, surpreso, olhou para mim. Tentava entender o jogo.

“Nunca viu uma mulher de rosto coberto?”, minha voz soou distorcida através do pequeno orifício.

“Já, mas não de máscara e nua por inteiro.”

“Aí é que está a graça”, sorri para ele, que não podia adivinhar o meu sorriso.

“Você gosta de fantasia”, afirmou.

“Claro, não sou prostituta nem estou apaixonada.”

Percebi que minha resposta chegou a ele um tanto enigmática.


A brincadeira começou quando uma amiga pediu para tomar conta da pequena casa. Era por volta do mês de novembro. Toda vez que eu descia à cidade, verificava se tudo andava bem. Aproveitava para descansar, principalmente quando o dia estava quente. Como sempre gostei de me fantasiar, imaginei a tal brincadeira. Arranjaria vários namorados e os levaria àquela casa. Mas para que tudo desse certo, havia dois pontos: que não fossem homens violentos, e que não vissem o meu rosto. Assim, caso dessem comigo na rua não me reconheceriam nem sairiam comentando aos amigos. Contatei uma amiga. Perguntei se gostava de máscaras e de Carnaval.

“Adoro”, foi sua breve resposta.

Ela agenciaria os encontros para mim. Eles, assim, não conheceriam o meu rosto.

“E se um deles lhe arrancar a máscara?”, pareceu preocupada.

“Pode acontecer”, respondi, “mas é o risco que a gente corre para sentir prazer. Talvez isso faça o prazer maior.”

Saímos as duas a campo. Ela também queria experimentar.

“Ninguém pode saber”, adverti, caso contrário estaremos em maus lençóis; quero dizer, sem lençol algum; e nuas! Além disso, a casa não é minha, a proprietária confia em mim.”

“Por que não arranjamos namorado como duas pessoas normais?”

“Você consegue?”, repliquei. “Caso diga que sim, seja feliz.”

Minha amiga riu e entendeu.


Ela começou a andar lá pelos lados da rodoviária, sempre ao amanhecer. Sentava num banco e fingia esperar o ônibus. Quase sempre um homem se aproximava e vinha puxar conversa. Esperava também o seu ônibus. A conversa começava com alguns entraves. Ela não abriria logo o jogo. O primeiro trabalhava como mergulhador nas plataformas de petróleo. Ela se assustou.

“Nossa, que profissão perigosa!”

“Nem tanto”, ele retrucou. “É só o começo, depois não há o que temer.”

Contou também que vinha de longe. Ficava quinze dias no mar. Depois voltava para casa. Naquela manhã estava voltando. Deixou o telefone. Dali a quinze dias esperaria por ela.

Ela me trouxe o número dele.

“Quem sabe, talvez ele seja teu.”

“Como vou fazer?”

“Faça de conta que foi você que conversou com ele na rodoviária. E depois, há a máscara, ele não vai ver o teu rosto.”

“Certo, vou ligar então.”

Ele veio. Aproveitei. E muito. Não era tão dotado nem tão hábil, mas foi uma boa aventura. Além de me comer, chupou a minha buceta.

Minha amiga continuou suas ações. Como acordava cedo, andava pela rodoviária fingindo estar prestes a embarcar. Marcava com os homens. Eles vinham para mim, sem que percebessem o ardil. Depois do mergulhador, veio um operador de guindaste. E que guindaste o homem tinha. Gozei várias vezes. Depois dele, veio um domador de cavalos. Vixe, suspirei, vai que o homem queira me domar. Enganei-me. o homem sabia trepar. E que delicadeza.

Nessas idas e vindas de namorados, chegou o Carnaval.

Será que no carnaval eu precisaria de máscara? Fiz três fantasias. Uma odalisca, uma colombina e, por último, uma baianinha. Todas um amor. Pintei bem o rosto, modifiquei o cabelo e saí me misturando na folia. Não é preciso dizer que as sainhas de todas as fantasias eram minis. Os homens vinham atrás, me seguiam, me queriam abraçar. Mas polidamente eu desconversava. Meu negócio era dançar. Pela manhã, eu ia à praia. Para me enfeitar, arranjei uma rendinha, tipo um vestido de noiva, mas sem forro; por baixo, o biquíni. Toda vez que surgia um bloco na orla, eu acompanhava o ritmo. Num desses momentos de euforia, encontrei a amiga que arranjava os namorados.

“Oi”, ela falou, estava mascarada.

“Por que a máscara?”, perguntei.

“Porque é carnaval.”

“Mas você não tira?”

“Não quero ser reconhecida”, respondeu, “e, além disso, resolvi fazer como você.”

“Hoje, não faço não”, disse convicta, “quero dançar, quero o carnaval.”

Ela escapou em meio ao bloco, um homem a levou pelo braço.

À noite me vesti de baianinha. Entrei num enorme cordão, no centro da cidade. Duas horas depois corri para orla. Outro bloco. Batucada, samba, vozes a cantar, corpos a transpirar sensualidade.

No domingo, passei o dia vestida de odalisca. As pernas de fora. Homens querendo-me beliscar. Ai, nada de manchas vermelhas sobre a pele, eu fingia dizer. Lá pelas tantas, acho que passava das três da tarde, um jovem se pôs a me seguir. Como ele dançava bem, conhecia todos os passos. Eu era a estrela principal de uma escola de samba. Pelo menos era assim que eu me sentia. Houve até um turista americano que, de câmera na mão, não nos abandonou. À noite, enquanto tomava um refresco, ainda na orla da praia, encontrei minha amiga mascarada.

“Oi”, falou, “já aproveitei com três.”

“Aproveitou?”, fingi não entender.

“Fiz o que você faz mascarada durante o ano.”

Respondi “oh, parabéns”, enquanto ela escapava nos braços de dois negros fortes. Está dando tudo que não deu há anos, pensei.

Senti um toque nas costas. Era o jovem dançarino. Deslizamos de novo pela avenida principal. Um bloco se aproximava, com todos os tambores.

Na segunda, saí às duas da tarde, vestida de baianinha. A roupa branca, branquinha mesmo, e eu cheia de colares. Logo um soprou no meu ouvido.

“Fofinha, quero levar você pra casa, deixar só os colares sobre essa pele branquinha.”

Tive de rir. E ele dançou comigo. Mas na hora principal, escapei. O homem estava doido para me comer. E lá vinha o dançarino do dia anterior. Gostei dele porque sua vontade era apenas dançar, e demonstrava um enorme entusiasmo. Mais uma vez encantamos corações, arrebanhamos aplausos, e uma legião de fotógrafos atrás de nós.

Não é preciso dizer que, naquela noite, enquanto eu me refrescava com um suco, num quiosque, encontrei a amiga mascarada.

“Você não tira a máscara?”, perguntei.

“Não posso ser reconhecida”, respondeu solene.

“Por quê?”

“Ora, porque já trepei com cinco foliões. E olha que lhe conto um segredo”, acrescentou, “o último tem um pau enorme, quero ficar com ele até o fim do carnaval, nunca vi homem tão bem dotado. Repare de perfil, é aquele ali de copo de cerveja na mão, está com um amigo. Não é bem avantajado?”

Reparei o homem. Era verdade. Parecia que tinha um peru dos grandes. Pela primeira vez naqueles dias e noites de carnaval senti uma fisgada bem no fundo do útero. Era vontade de trepar. Até ali o meu negócio fora apenas a festa. Mas nada falei à minha amiga.

“E onde vocês transam?”, eu, curiosa que só.

“Numa barraca no Pecado. Foi ideia minha. Quando arranjo um, levo pra lá, mas agora só quero com ele.”

Surgiu o rufar de alguns tambores. Alguém me tomou um dos braços e mergulhamos na folia. Minha amiga se perdeu na multidão.

Foi uma noite encantadora. Como não gosto de bebidas alcoólicas, brinquei lúcida e com toda a energia até quatro da manhã. Dancei com muitas pessoas, entrei também num cordão só de mulheres. Bem no meio, uma jovem dançava inteiramente nua!

No último dia, aproveitei para sair num bloco que estava marcado para as dez da manhã. Uma festa muito animada, com bebidas para os integrantes que vestiam o abadá. Fiz da minha um vestidinho muito sexy. Dancei sensualíssima, beijei na boca dois ou três homens. Mas nada de sexo com eles. Às três da tarde, fui procurar a barraca da minha amiga mascarada. Não foi difícil de chegar até lá. Ela estava deitada, descansando. Estava só, sem a máscara e inteiramente nua.

“O que houve com você?”, perguntei. “Não está na folia?”

“Vou daqui a pouco, estou descansando.”

“E a máscara? Você está nua...”

“Lembra o meu paquera avantajado? Emprestei a ele. Disse que ia brincar num bloco onde os homens saem vestidos de mulher. Ele volta daqui a pouco. Quanto à máscara, acabei não resistindo e mostrei o rosto. Agora estou nua duas vezes!”, parecia feliz por ter se revelado.

“Quer dizer que ele foi brincar num bloco vestido de mulher?”, repeti o que ela dissera logo após ter uma brilhante ideia. Lógico que nada comentei a ela. “Isa, e se ele não volta?”, acrescentei.

“Claro que volta. O homem está apaixonado.”

Despedi-me, deixei o Pecado para trás e me enfiei de novo na avenida. Não foi difícil encontrar o bloco de homens desfilando vestidos de mulher. Iam pela altura da Glória. Iam desengonçados dentro de vestidos e roupas de banho femininas. Quando chegavam à Cancela, avistei o namorado de minha amiga. Era um dos mais animados. A roupa de mulher até que lhe caíra bem. Ele batucava um tamborim. Engracei-me ao seu lado, fazendo volteios e sorrindo. Ele se aproximou e passou a batucar cada vez com mais vigor o seu instrumento. Eu dançava como uma passista. Rebolava, descia, subia, mexia o bumbum novamente. O homem ia ao delírio, enlouquecia. Quando a bateria encerrou o desfile, ele me ofereceu uma cerveja. Bebi com ele um ou dois copos. Seus amigos se dispersaram dizendo que voltariam à orla, havia mais dois blocos e a bebida seria grátis. Puxei-o então pelo braço e falei.

“Tenho uma surpresa pra você.”

Ele me acompanhou. Não queria levá-lo para a tal casa que eu tinha a chave, mas não havia outro lugar. Ao chegarmos, tirei toda a roupa e me entreguei a ele. Minha amiga tinha razão, mostrou-se ótimo amante. Ele tinha um peru imenso, parecia um cavalo. E como demorava a gozar. Jamais um homem me proporcionou tamanha satisfação.

“Não vá embora”, falei. “Vamos trepar mais uma vez.”

E assim fizemos. Durante toda a noite. Pela manhã ele se foi. Como o carnaval já terminara, saiu apenas de bermuda. As roupas de Isa, que ele vestira para o tal  bloco, acabaram ficando comigo, mas eu não podia levá-las a ela. Descobriria que eu estivera com seu homem.

Duas semanas depois, a dona da casa veio morar em M. Devolvi-lhe então a chave. A brincadeira das máscaras terminava. Quando encontrei minha amiga, totalmente ao acaso e mais ou menos um mês depois do carnaval, eu disse:

“Que carnaval inesquecível, hein?”

“Nem fala, riu um  tanto envergonhada.”

“E o namorado?”, perguntei fazendo de conta que nada sabia.

“Voltou assim que você se foi. Trepamos a noite inteira. O problema foi que o bandido não me devolveu a fantasia!”, finalizou.

Ainda bem, pensei, Isa sabe mentir. E que bom humor!

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