Se eu levasse em conta o meu código de conduta e minhas
tentativas de leis, o mundo seria totalmente diferente. Quando querem o
vermelho, prefiro o verde; quando me desejam de verde, vou... isso mesmo, vocês já sabem, saio pra passear nuinha. E ainda arranjo um homem, sempre com propostas
ousadas, excitantes, como meu recente namorado. Ele tem um casaco de meia
estação, desses que se amoldam ao corpo, parece aquele papel prateado com que
envolvemos uma fruta. Só que a fruta sou eu. E que fruta! Querem mordiscá-la,
sentir o sabor, experimentar o sumo? Esperem, o dia de cada um há de chegar. E
ele trouxe a peça, pediu que a vestisse. Não demorei a moldá-la sobre os meus
ombros. Não, nada disso, não se deve vestir o agasalho desse modo, afirmou.
Tirei-o e lho devolvi. Como se veste um casaco de meia estação?, ingênua eu,
que sei apenas andar nua, nua e sorrindo. Vista-o sobre a pele, ordenou. Apenas,
ressaltei. Meus dentes felizes e brancos. Fácil, não?, compreender os desejos
de um homem. Um casaquinho sobre a pele, apenas, repeti. Não o fiz sob a vista
dele. Fui ao quarto, a porta fechada. Voltei à sala. Não me toque, asseverei,
caso contrário desmancho. Assim como a glacê de um bolo fugaz, acrescentou. E põe
fugaz nisso, completei. Ele, o namorado, regozijou-se. Não temo a palavra. Foi
exatamente assim que aconteceu. Um regozijo; a princípio eufórico, depois
contido. E me pegou pelo braço, e me puxou porta afora, e me levou a passeio. O
sol se punha, as pessoas iam e vinham. Não posso dizer que não gostei. Se falo lá em cima do meu código de conduta e de minhas leis às avessas, que mal há em passear nua à noite, ou quem sabe, até durante boa parte da madrugada? E as
pessoas, acaso se surpreenderão? As pessoas não se surpreendem numa cidade
como a minha. Não olham para o lado. Estão ensimesmadas. Essa mesma a palavra,
bonita, não? Ensimesmada. Talvez pensem no namorado, no marido displicente, num
filho que não vai bem na escola, ou mesmo não sabem no que pensam. Ninguém nota
a mulher nua sob um casaquinho de meia estação. Vocês já sonharam que vão nuas
ou nus pela rua? É tão engraçado. Ninguém nota a gente, não é mesmo? No sonho é
assim; se acreditamos, as pessoas nada sabem. Então, o passeio com esse meu
namorado foi parecido. Ninguém notou. E eu podia ir nua. Mas à vontade, impossível.
Disse a ele que não queria o automóvel. Vamos caminhar pela orla de Ipanema,
sugeri. Paramos num quiosque. Quero água de coco, sussurrei. Lá veio o
empregado do quiosque com o coco e um canudo. Sorvi o mundo inteiro pelo
canudo. Caso eu queira fazer xixi, afirmei, que bom, já estou pelada. Continuamos
a andar de braços, sobre a calçada larga e bem iluminada. O vento que vinha do
mar soprava por baixo da barra do agasalho, e eu, como podia me estar sentindo?
Arrepiadíssima. Mas não esmoreci. Pelada ao vento, pelada à brisa marítima,
pelada à beira-mar. Descemos à praia. Foi minha a sugestão. Ei, aonde você
vai?, perguntou ele enquanto eu corria abandonando a sandália. Não imagina,
lancei-lhe ao vento. Oh, sim, arremessei-lhe as palavras e o casaquinho. Depois, num salto, mergulhei. Só me resta a bronca da cabeleireira. O
que fazes de teu cabelo, mulher?, ela sempre se assusta quando apareço no salão.
Minha resposta silenciosa é um sorriso amarelo. Meu homem, preocupado,
procura-me com os olhos baços. Não mais me tem à mão, apenas segura o
casaquinho de meia estação. Lembro-me de minha amiga Elizabeth, enquanto movo
braços e pernas tentando acostumar à temperatura fria da água. Quando me
contou, eu já praticara a tal aventura, só que com desfecho diferente.
Elizabeth saiu do carro peladinha, às três da manhã. O namorado partiu e ela
ficou. Ficou a ver navios. Sério, o cenário ao fundo era de navios ancorados próximos
à costa, aquela noite. Mas ela não queria saber deles e sim do banho de mar.
Sua fantasia: mergulhar como viera ao mundo. E ninguém por perto.
Nem o namorado. Que se fosse, que voltasse meia hora ou uma hora depois. Ela
ficou escondida, ou melhor, sob as rendas desfiadas das poucas ondas que,
suaves, iam e vinham. Se ele não volta, vejo o que faço, falou a si mesma. Era o jogo; assim
ficavam excitados. O problema não foi ele não ter voltado, mas os olhos apurados
de um pescador. Isso mesmo, um pescador experiente, que sabia discernir entre
rendas desfiadas. Este a fisgou. Não usou rede nem molinete. Até disse que ela não
era a primeira. Como eu deveria me comportar, então?, minha amiga chegou a me
perguntar. Não esperou, no entanto, resposta. Saí com ele, isso mesmo, ali na
beirinha d’água, e você sabe o significado do verbo sair, nessa situação; o problema não foi a saidinha, mas eu estava temerosa de que meu
homem voltasse, acrescentou. E ele voltou?, eu, curiosa. Nem te conto... E se
foi Elizabeth. Quanto ao meu homem, com o casaquinho nas mãos, esperava-me lá
nas areias. Nadei ainda mais vinte minutinhos. Quando corri a ele, meu
casaquinho, por favor, pedi. Casaquinho?, você entrou n’água com ele. Será?, fingi não me
surpreender. Bandido, pensei, tal qual o namorado de Elizabeth, que, escondido,
deve ter apreciado a mulher trepar com o pescador. Você viu o homem?, insinuei,
meio afoita. Homem?, que homem?, franziu o cenho. O que levou o meu casaquinho,
acrescentei, fez até uma cosquinha!
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