Sensível, sensível, é o que ele diz. E tem razão. Basta o leve suspiro de um homem a passar junto a mim, o arfar mais forte de sua respiração, ou um ligeiro golpe de olhos, para eu me arrepiar. Percorre-me o corpo uma mão invisível que deixa meus pelos eriçados. Se a mão é real, nem pensar. Sensível, sensível, o vestido a me roçar a pele nua, eu eriçada de novo. Tenho amigas que se entregam ao primeiro toque; outras dissimulam, fingem que nada acontece; há ainda aquelas que desistiram dos homens, sugerem-me ler um livro. Qual deles?, pergunto. Literatura, verdadeira literatura, a que propõe questões, não respostas. Assim minha sensibilidade irá em outra direção. Sério. Exemplo, uma mulher aluga uma suíte de hotel, uma tarde inteira, para ler um livro. Às vezes chora; outras, sorri. Os escritores não pensam nos leitores quando escrevem. Chego a acreditar que a boa literatura é a crueldade. Os seres humano é que são cruéis, dizem-me. Mas a leitora ama tanto, que chega a se ver muito bem amarrada a uma cadeira. Por mais que queira soltar-se, impossível. Queres de mim alguma coisa?, pergunta, embora se veja só. Sim! A voz emana do livro, não a amarro apenas por luxo, quero algo, sim. Estou pronta, corajosa anuncia. Amordaça-a, a tal voz não quer perguntas. Silencioso, o quarto. Ela nua, amarrada, amordaçada. A porta bate, alguém se vai. O livro ao lado da mulher, aberto numa página estrangeira. Passam-se minutos intermináveis, verdadeiras horas. Ninguém volta. A mulher, a corda, a mordaça; ela na cadeira.
Sensível, sensível, desejo a sorte da mulher? Um livro dentro de outro livro. E sorte é destino. Vou à rua, vestido solto, tecido leve, esvoaçante. Qual dos homens são sensíveis mas não a ponto de trazer-me uma corda? Prescruto-os por trás dos óculos. O namorado, mas à moda antiga. Na verdade, enamorado. Ao contrário de vestidos soltos, vou travada.
Sensível, sensível, é o que fala, e me oferece ouro, uma pulseira larga. Tomo-a nas mãos, examino-a como um ourives. Enquanto a sinto nos dedos finos e provocantes, sussurra-me ao ouvido. Quero algo em troca. O quê?, afoita, chego a arfar. Quero-te nua!, arremata. Respiro fundo, quase sem saída. Ele leva-me a um hotel, desses que ficam no centro da cidade, aluga a suíte mais alta. Deixa o quarto escuro, peço-lhe quase em silêncio. Apenas isso, a sombra e eu nua. Algo a mais, acrescento, espera, quem sabe amanhã. Ele é paciente, dorme ao lado de uma mulher nua sob lençóis. Tem certeza de que virá o amanhã. Então, outra pulseira. Visto as duas. Apenas. E, em pé, meio sem graça, sorrio, um dos joelhos dobra-se involuntário, de leve. Quero esconder o impossível. Agora deita, vem, insinua. Primeiro me abraça, suspiro, depois o sexo. Abro devagar as pernas. Compras a mulher com duas pulseiras, choro-lhe ao ouvido. Vales três ou quatro, talvez cinco, ele devolve. O enamorado sobe sobre meu corpo. Latejo, suo. Sou travada, chego a dizer. Trouxe todas as ferramentas, retruca.
Beatriz, uma amiga tão atirada (as aparências e os nomes enganam), diz que não faz por interesse, mas pelo gozo. Gozar, a melhor coisa do mundo, afirma. Travada?, ele repete e ri da palavra. Deixa ver, acrescenta Beatriz, já viste a cor e o peso do ouro, ou a flor da orquídea? Demoro a entender. O namorado ressona, foi tanto o sexo. Levanto-me e ando pelo quarto, apenas as duas pulseiras sobre a pele. Caminho de um lado a outro, vou à janela e olho a rua, o sol se põe no Rio de Janeiro, muitos os edifîcios, altos, não vejo ninguém às janelas dos outros prédios, não me arrisco olhar mais detalhes, escondo-me, escapa-me apenas os olhos no vão da cortina, um pano pesado, de cor azul, deixo cair o tecido, a cortina ou minhas roupas a voarem do décimo segundo andar?, o apartamento escurece de todo, volto-me, dois ou três passos e dou no extremo oposto, a porta, penso abri-la, espiar o silêncio exterior, tenho coragem?, giro a chave, abro uma pequena fresta, está escuro também lá fora, quem sabe aventuro-me nua ao corredor?, loucura, a porta bate e não abre por fora, e então?, temo tocar a campainha, vou despertar a todos, e eu nua, no centro do Rio às cinco e trinta da tarde, o que houve, senhorita, uma voz masculina, olhos desconhecidos, eu colada à parede. Pensamentos? O quarto vasto, o homem ressona. Leva-me nua em seus sonhos? Já sei, sonha em trazer mais presentes, um cordão de ouro, delicado, e uma medalhinha, o sol, às cinco e trinta da tarde. Ei, vem aqui, deita ao meu lado, a voz dele, temos todo o tempo do mundo. O que queres de mim? pergunto transtornada. Quero você deitada ao meu lado, ele responde. Deitada?, como?, conheço-te apenas de vista. Lúcia, venha cá. Não sou Lúcia, a voz escapa-me, incontrolável, Sou Beatriz, ouviu?, Beatriz. Ah, entendi, ele fala, Beatriz, a amiga de Lúcia, Beatriz, você reluz a ouro, está quase transparente, há uma palavra pra isso, diáfana, você está diáfana, vem aqui, Beatriz, quero umedecer meus lábios nos teus, estou louco de sede, ele continua, venha me salvar. Sento na única cadeira que há no quarto, junto as pernas, cruzo as mãos por trás do encosto, lanço-lhe um olhar feroz e digo amarre-me, amarre-me bem forte. Como um bom ator, finge não se surpreender. Levanta-se e vem até a mim, como se já esperasse pelo pedido.
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