Ela tem olhos redondos, e gosta de andar pela praia, apesar de já entrado o outono. Veste o mesmo biquíni do último verão, mas não o top, cobre seu tronco uma blusa de mangas compridas, blusa quase de homem. Passeia os quatro quilômetros, toda a extensão da praia. São cinco da tarde, o tímido sol ainda possui raios para aquecer-lhe as pernas nuas. Às vezes, ela arrepia-se. Sente-se bem por resistir ao avanço da estação. As casas dos veranistas estão vazias, praticamente todos já se foram. Ela certamente não irá, porque mora naquele lugar. As ondas explodem a alguma distância, ela admira o mar.
Lembra a noite em que o filho de dona Oliva esteve na praia. Um rapaz que partiu para estudar no exterior. Chama-se Marcelo, mas costuma pensar nele como filho de dona Oliva. O rapaz, na verdade já homem feito, a olhou com ar de admiração. Surpreendeu-se ao vê-la de biquíni àquela hora da noite. Quando conversaram, disse que pensou que ela estava nua. Sorri, o que eu podia dizer?, falou no dia seguinte a uma amiga. O que aconteceu?, a amiga demonstrou curiosidade. Nada de mais, retrucou. No entanto, não era verdade. Marcelo a conhecia desde garota, vira-a crescer, correr pela praia, lambuzar-se na areia com o corpo salgado e molhado, agora vendo-a mulher feita, o corpo esguio, transpirando certa sensualidade e de biquíni ao anoitecer, percebeu que poderia haver qualquer coisa entre os dois. Ela riu a ele quando cruzaram-se, eram os únicos entre a paisagem semi-selvagem. Ela, a princípio, seguiu em frente; o rapaz não quis mostrar-se indelicado, retribuiu o sorriso e deu mais alguns passos; mais adiante, porém, estacou e fez de conta que olhava o mar; em seguida voltou-se para onde a moça caminhava, enfim, pôde apreciá-la por trás. Como que adivinhando alguma imanência entre os dois, ela deu meia volta e descobriu-se no campo de visão dele. Ambos sorriram mais uma vez, embora a distância e o cedo entardecer da estação borrasse a ela uma clara visão da expressão facial de Marcelo. Ele titubeou; iria até ela ou esperaria a aproximação da mulher? Sua indecisão provocou uma expansão do sorriso na face feminina. Ou significava uma expressão de quase júbilo? Ele não poderia ficar a vida toda ali parado. Você não sente frio?, perguntou sem olhar às pernas dela. Estou acostumada, devolveu simpática. Ele encontrou o caminhou mais fácil, talvez o caminho óbvio, de todo homem que se depara com uma mulher e quer iniciar um diálogo. Já nos conhecemos, não é mesmo? Naquele caso era verdade, tinham crescido na mesma cidade, andaram, ela ainda andava, por aquelas praias e areais durante a infância e adolescência, mas também era verdade que jamais aproximaram-se, o círculo de amizade de cada um era distinto. Marcelo abriu um tímido sorriso com um dos cantos da boca, sentiu o ar nos pulmões, ar fresco que também lhe chegava ao estômago provocando-lhe intensa excitação. Ela estirou os braços e enlaçou vagarosa as mãos, um pouco acima do biquíni, chegou a espreguiçar-se, estalou alguns ossos, talvez uma indelicadeza com o rapaz que vinha de fora. Ele, porém, sentiu vontade de abraçá-la. Como ela reagiria? Gritaria ou diria que ele a interpretara mal? Melhor não arriscar, pensou Marcelo. Ela moveu as duas pernas, uma após outra, mais um sorriso. Você esteve fora muito tempo, disse e esperou pela reação dele. Ele talvez pensasse que sua oportunidade passara, ela agora era de outro. Mas onde estaria esse outro em meio à solidão do lugar, à vastidão da praia? Sentiu a respiração pesada, o ar ainda mais frio, olhou a ela ameaçador. Os homens que estudam fora não são os brutamontes que vivem por aqui, falou ela. Marcelo sentiu-se desarmado. Talvez ela quisesse conversar, saber dos assuntos de fora. Foi então que ela deu um passo à frente e lançou-lhe o mais sedutor de todos os sorrisos. Ele a abraçou, e ela aceitou de bom grado o abraço. Ela ainda lembra de uma frase sussurrada ao seu ouvido, não tem certeza se antes ou depois do amor. Você não teme que possa surgir um desconhecido? Apenas manteve o sorriso e suspirou um quem sabe.
Anoitece e ela está só. Marcelo já se foi, ao exterior, um lugar distante daquela praia, um lugar difícil de imaginar. Ele nada prometeu a ela. E nem ela viveria de promessas. O vento vem forte, um chicotinho de areia lacera-lhe as pernas. Mas ela gosta, aproxima-se mais da praia, quer tirar a blusa, lembra no entanto que está sem o top por baixo do pano. Talvez um homem vendo-a nua pensará duas vezes antes de acreditar nos próprios olhos. Caso um dos brutamontes da cidade apareça ela terá de se lançar ao mar, ou, quem sabe, entregar-se a ele e pedir tenha cuidado, sou frágil e gosto de homens que sabem amar.
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