Certa vez fui visitar um escritor amigo meu. Era sábado de
Carnaval. Como ele escreve contos e romances profundos, que tocam os limites da
alma humana, queria perguntar como devia fazer para escrever algo semelhante. Mas
ao chegar nem tive tempo de fazer a pergunta. Ele foi logo me pedindo emprestado
o vestido que eu trazia sobre o corpo, queria se divertir fantasiado de mulher
no bloco das piranhas, que sairia numa rua próxima, naquela mesma tarde. Meu
vestido?, repeti, surpresa. Ele acrescentou o que tem de mais?, é carnaval. Fui
ao banheiro e tirei a roupa. Quando reparou que eu vestia biquíni, pediu também
as duas peças. Mas vou ficar nua... O que há de mal nisso? Você não quer explorar
as entranhas da alma humana?, respondeu adivinhando o porquê da minha visita.
Além disso, pode ir ao meu quarto e vestir uma camisa de malha à sua escolha,
estão todas no armário, completou. Feliz, desceu para o seu Carnaval. E eu
fiquei a esperá-lo. Que chá de cadeira ele me deu... Passaram-se duas, três
horas e nada de ele voltar. Lembrei-me de uma amiga que teve de ficar sentada
nua num escritório durante três horas; o namorado, um advogado, foi a uma
audiência e de brincadeirinha levou as roupas dela na pasta. Acabei fazendo o
que meu amigo sugerira. Fui ao quarto, abri o armário e vesti uma camiseta.
Caiu como um vestidinho. Desci. Lá na rua passava um bloco, e não era o do meu
amigo. Logo um rapaz veio ao meu encontro. Me abraçou, me beijou e me puxou pelo
braço. Quando dei por mim, brincava com ele. Ai, se descobrem que estou nua,
pensei. Carnaval. Aliás, foi assim que passei a
gostar de Carnaval. E nunca me diverti tanto como naquele dia. Foi assim que também passei a entender as profundezas da
alma humana. E que profundezas, diria meu amigo escritor, diria horas depois o folião apaixonado.
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