terça-feira, setembro 08, 2015

O mesmo vestidinho

Não suportei, acabei ligando pra ele. Fazia tanto tempo, e a saudade era mais forte. Oi, que bom você ter ligado, falou. Sorri do meu lado, mas sem ele notar, é claro. Vamos marcar um passeio, completou. Um passeio?, demonstrei todo meu desejo na entonação. Isso, um chope, uma taça de vinho, ou uma bebida qualquer. Voltei no tempo, eu agarrada a ele, um beijo, um forte abraço, eu a acariciá-lo. Por que tudo acabou, qual o motivo da distância agora?, pensei. Perdemos as coisas como a água que escorre entre os dedos de nossas mãos. Vamos marcar então, afirmei. Ele disse a data, a hora, a noite. Após desligar, refleti se o telefonema fora boa ação.

Trabalhara para ele durante dois anos. Sempre com um jeitinho ingênuo, sedutor, acabou me conquistando. Nossa relação foi crescendo, ele invadindo o meu corpo e o meu espírito. Até que aconteceu algo inesperado. O sexo entre nós começou a me preocupar. Ele me fez gostar de coisas impensáveis, impublicáveis. E o pior, ou o melhor, não sei, comecei a me apaixonar cada vez mais por ele. Amarra-me, por favor, e bem forte, quero sentir a corda e o gozo, suspirava alucinada. O homem quase ia à loucura. Depois de me deixar em casa, eu sempre pensava, por que não trepamos como duas pessoas normais? O tempo foi passando, e cada noite com ele era caminhar à beira do abismo. E gostávamos do abismo, e eu nua à beira do abismo. O fio da navalha. O ponto culminante do nosso relacionamento aconteceu numa noite em que pedi, isso mesmo, pedi, é preciso ressaltar, leva-me amarrada e nua no banco do carona. Depois reconsiderei, no banco do carona, não, na mala do carro; na estrada escura você para e vou ao teu lado. Na primeira vez, foi um atropelo. Estávamos os dois excitadíssimos. Saí sem me preparar, não me preocupei com a fisionomia, com o cabelo nem com qualquer adorno. Na segunda, já mais experimentada, sugeri ir calçada, uma sandália de meio salto e uma bolsa pequena numa das mãos. O que ia dentro? O maço cigarros, um dinheiro, um pequeno rímel. Saímos da garagem de casa, eu nua na mala. Ele a guiar pelas ruas durante vinte minutos, até que atingiu a rodovia escura, noturna, o mundo era todo nosso. Ele parou, abriu o tampo da mala e me ajudou a sair. Caminhei à porta do carona. Passeávamos, eu saltava, ele fingia partir, acenava um adeusinho pra mim, mas logo voltava, não queria me perder para alguém que viesse a perscrutar a estrada deserta. Que sonho, encontrar uma mulher bonita e nua, roubá-la do namorado. Duas, três, quatro, cinco vezes, e eu nua ao lado dele. Até que falei não preciso gastar mais dinheiro com roupas, basta perfume e tratamento para o cabelo. Na sexta vez ele voltou à cidade e eu nua ao seu lado. Não teme a polícia?, perguntou. Então, tremi; nunca havia pensado em algum obstáculo. Mas não demonstrei, apenas sorri, acendi um cigarro, após dar um longo trago disse não, não temo. Certa vez em sua casa, experimentei outra sensação forte. Ele fez um exercício de relaxamento, e eu o segui; quando estava totalmente inerte, sem sentir o corpo, ele disse espere, volto logo. Voltou, veio com uma pinça e uma pedra de gelo. Vou deslizar a pedra sobre seu corpo e você não vai sentir nenhuma ponta de frio. No começo, a brincadeira deu certo. Ele passou a pedra sobre o meu ventre, sobre os meus seios, desceu até os poucos pelos púbicos de minha vagina. Nada sentia, estava em total estado de alheamento. Mas ao tocar meu clitóris, forte repuxo me veio lá de dentro. Ele desceu mais um pouquinho e beirou-me os grande lábios com o gelo frio, depois empurrou um pouquinho. Senti tremor e gozo inomináveis. Você engoliu a pedra inteira, ele disse. Venha me aquecer, pedi. Subiu sobre mim e me enfiou o longo pênis. Acho que procurava com o sexo o gelo perdido. O calor da penetração esfriou a pedra, e dela sobrou apenas o líquido insosso. Gozamos juntos. Noites depois, fui à sua casa vestindo um vestido de malha, colante e curto, muito curto mesmo. Ao chegar, ele exclamou como você veio assim pela rua? É noite, lembra?, devolvi, e vim de carro. Ele logo me roubou a roupa, e eu nada vestia sob. Outra noite ardorosa. Mas tudo acabou. Por quê? Não sei. Desaparecemos. Cada um foi cuidar da sua vida. E passou o tempo. Agora ligo, ele diz que vem, ou sou eu que vou, não sei.

Há mais uma coisa, e muito engraçada. Certa vez na sua casa, ao acordar, não encontrei meu vestidinho curto, o mesmo que vesti para surpreendê-lo na primeira vez. Você escondeu minha roupa?, perguntei. Ele jurou que não. Então, como pode ter desaparecido?, eu, surpresa. Tenho uma faxineira, sabe, ela deve ter vindo antes de acordarmos, e manda toda a roupa à lavanderia. E como fazemos agora?, assustei-me. Espera, vou dar um jeito. Tomamos café, e ele foi dar o seu jeito. Enquanto o esperava, fui à estante e tirei um livro. Dentro dele encontrei uma folha dobrada, escrita com letra de mulher, uma caligrafia um tanto tremida.

Fiquei morta de vergonha, ele telefonou bem no momento em que o Rui tinha acabado de me deixar nua. Vi o telefone piscando, pensei em não atender, mas não me contive. Quando escutei a voz dele, devo ter enrubescido. Lembrei o que sempre me diz: você dá pra todo mundo, hein? Assim que atendi, me convidou pra tomar um café, naquela mesma tarde. Hoje não posso, depois telefono. Desliguei e continuei nas mãos do Rui. Esse não perguntou nada, já me conhece; o negócio dele é trepar comigo. Às vezes bebemos umas taças de vinho, o que me acende. Quando o efeito começa a passar, morro de vergonha. Tento disfarçar, mas não consigo. E se gozo, nem se fala... Outro dia pedi que me despisse com violência, que arrancasse minha calcinha de modo que não servisse mais. Ele assim o fez. Mas depois que gozei, morri de vergonha. Mesmo sem ter falado nada ele notou. Disse baixinho, junto ao meu ouvido: não fica assim não, a gente dá um jeito. Que jeito?, retorqui, você por acaso tem em casa roupa de mulher? Imaginei abrir o armário e encontrar uma gaveta cheia de roupas íntimas, peças minúsculas. Assim, não me sentiria pelada. Como você tem tudo isso aqui? Rui: elas esquecem, e não ficam nem um pingo avermelhadas. Mas logo caí na real, a tal gaveta não existia. Teria mesmo de voltar nua, ou quase. Foi um desconforto: a saia curtinha, um top à-toa, uma jaquetinha que descia até o umbigo, a sandália de saltos e nada mais. O Rui sugeriu: da próxima vez, você traz outra na bolsa. Respondi: na hora do fogo nem penso nisso, o problema é depois... Eu estava de pé, pronta para ir embora, as mãos escapando de controle, a saia curta insuficiente para cobrir minha nudez.

A mulher morria de vergonha por lhe faltar a calcinha, e eu que estava ali a esperar por um duvidoso vestido?

O namorado voltou duas horas depois, o dia já perdido pra mim. Trouxe um vestido mais curto do que o meu. Pronto, vista, vai ficar uma beleza, falou. Vesti. Ficou uma beleza. Como volto?, é um vestido de noite. Não faz mal, levo você, afirmou. Entrei no carro nua, nua e de vestido. À porta da minha casa, ele quis entrar pela garagem, mas um carro impedia. Tive de saltar ali mesmo e entrar pelada em casa. Mas até que foi divertido. Agora ele vem, ou sou eu que vou, não importa, e visto o mesmo vestidinho, quem sabe.

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