segunda-feira, fevereiro 08, 2021

Por isso não se arrependem

Não adiantou, não tive escapatória, tive de dar pra ele. Não que se tratasse de estupro. Longe disso. A responsável por tudo fui eu. Dei muita confiança, aceitei vários presentes. Quando chegou a hora agá, não havia mais saída. Uma amiga diz que sempre há como sair de um relacionamento indesejado. Mas não é tão fácil. E o relacionamento com ele não é indesejado, mas agradável, bom, ou muito bom. O que eu queria é que as coisas acontecessem de outro modo. Toda mulher gosta de dirigir o relacionamento. Pensei que tudo ia sob o meu comando. Quando dei conta da situação, estava sendo conduzida. Foi isso o que mais me aborreceu. Certa vez uma amiga contou que chorou muito após transar com um homem. Na época não entendi, mas agora sei o que ela passou. O tal homem a convidava para restaurantes, passeios pela cidade, presenteou-a com pulseiras e cordões. Ela aceitava. Sorria e agradecia. Pensou que ia ficar só nisso. Um dia ele insistiu no convite para um passeio de barco. O homem tinha um iate ancorado na Marina da Glória. Ela aceitou. Uma tarde linda, sol de outono. Saíram os dois às três da tarde a navegar pelas cercanias do litoral carioca. No meio do passeio, ele serviu doses de uísque com castanha do caju. Ela disse não costumo beber uísque, mas hoje abro uma exceção. Acabou não abrindo apenas a exceção. Quando tudo terminou e me vi nua no camarote, às seis da tarde de uma quarta-feira, morri de arrependimento, sou casada, você sabe, tenho filhos ainda adolescentes, completou. Tratando-se do meu caso não foi muito diferente. Quando o homem me tirou a calcinha, senti a mesma coisa, mas disse a mim mesma quero aproveitar a vida. Ele não era o meu tipo, muito mais velho, veste roupas antiquadas, mas também me presenteia. Toda mulher gosta de ganhar presentes. Toda mulher gosta de atenção, de saber que ainda seduz. Fui com ele. Um restaurante à luz de velas, um jantar requintado, uma garrafa de vinho, outra de espumante. Quando saímos pelas ruas do centro, ele de braço comigo, estava soltinha. Reparei então que ia nua. Isso mesmo, nua. Porque é assim que a gente se sente ao ver vencidas todas as resistências. As mulheres são assim, disse a mim mesma numa tentativa de comunhão com o resto da humanidade, principalmente com as mulheres. Um modo de me confortar. Deixei-me ser conduzida por ruelas do centro. Entramos por aqui, por ali e ele falou vamos subir aqui um instantinho, é um escritório de um amigo. Tomamos o elevador. Corredor comprido, sem uma viva alma. Ele tinha a chave. Abriu a porta. Havia um sofazinho, uma estante com livros, um mesa, duas ou três cadeiras, dois quadros na parede em frente. Acionou um pequeno aparelho e começou a tocar um tango argentino. Isso mesmo, era o que faltava. Ele me abraçou. E eu me desmanchei nos braços dele. O que há de mais nisso?, você pergunta. Não sei. Talvez não haja nada de mais. Mas me arrependi depois. Não me relaciono com homens faz tempo. Não tinha necessidades sexuais. Mas ele até me fez gozar. Isso foi o principal. Ao invés de me sentir feliz, me vi como uma prostituta. É porque gosto de pureza. Me sentia pura, uma mulher em paz com o mundo. Mas veio esse homem, que me pôs em conflito. Agora não sei mais o que faço. Tenho vontade de sair mais vezes com ele, trepar com ele, mas ao mesmo tempo me sinto imunda. Talvez seja a religião. Minha família foi sempre muito religiosa. Você dirá mas você não é casada, nem tem filhos, mora sozinha, o que há de mal ter um namorado, que seja uma amante? Não sei. O que sinto é um conflito terrível. E ao mesmo tempo morro de vontade de trepar com o homem. Quando bebo então nem se fala. Me entrego totalmente. Mas, depois, ao me dar conta que tudo passou, me sinto mal, uma espécie de nojo de mim mesma. Tomo banho, me esfrego intensamente, mas a sujeira não sai. O quê? Você também acha que não é sujeira? Você acha que o importante é termos bom coração? Pode ser. Mas ainda não acostumei a pensar assim. E ainda tem mais uma coisa. Na hora da transa nem me lembro de perguntar se ele trouxe camisinha. Trepamos três vezes, todas elas pele com pele. Sabe, acho que só vou me sentir bem no dia em que eu me casar. Então não vou mais me arrepender. Mas não gosto deste homem a ponto de querer casar! Você diz que casamento estraga a relação, que o bom é ficar desse jeito? Ah, é o que todo mundo fala, mas não quero pensar assim. Acho que esse é o jeito de viver das prostitutas. O quê, as prostitutas não gozam? Deve ser por isso então que não se arrependem...

Nenhum comentário: