quarta-feira, fevereiro 03, 2016

Ainda bem que existe a Margarida

"Você gosta de sair sozinha à noite, vai vestida, recatada, todos os acessórios, mas ao chegar a C., entra no Shopping e, num dos toaletes começa a se preparar. A saia comprida, bem enrolada, é colocada na bolsa, a blusa transforma-se num vestido curto, justo e colado ao corpo. A seguir, a maquiagem na textura exata, um pouco de exagero apenas no batom. Para não chamar a atenção, coloca uma manta, que disfarça a falta de pano do vestidinho. Enfim, você sai à caça."

O trecho acima ouvi de um namorado. Como descobriu?, pensei assustadíssima. Teria de mudar meus planos, meu segredo ia quase água a baixo. Mas suas palavras foram ditas na hora do amor, naquele momento de paroxismo, em que perdemos a cabeça. Dois ou três dias depois, ao escapar para mais uma das minhas investidas noturnas, preocupei-me em observar se alguém me seguia. Mudei de condução, de ruas e avenidas, mas não percebi pessoa alguma no meu encalço. Suspirei aliviada. Minhas amigas vieram-me à cabeça. Apenas uma delas têm necessidade de escapar noite a dentro, escorregar por ruas escuras, correr certo perigo, procurar a aproximação de alguém do sexo masculino. Chama-se Margarida. Até hoje não descobri o que me leva a isso. Ela também não sabe explicar. O que diz é, assim como os homens, as mulheres também têm suas taras, acrescenta: acima de tudo, precisamos viver todo esse prazer.

Gosto, também, de uma boa conversa, de alguém que tenha lido um livro e que saiba falar sobre ele, alguém que entenda de filosofia, rico em ideias e em pensamentos. Parecem polos opostos, não?, de um lado o corpo, de outro o espírito. Sinto, no entanto, que se complementam. E como me arrepiam. O namorado, que pensei ter descoberto meu segredo, é de grande imaginação, às vezes quase chega ao cerne do meu modo de vida, daria um bom escritor. Será que penetra nos meus pensamentos? Certa vez sugeri a ele escrever um livro. Mas disse que o mundo prático lhe é mais importante.

Outro dia trouxe-me mais um presente, uma roupa nova, roupa mínima, que as pessoas chamam de macaquinho. Uma peça inteiriça, que termina como um short, deixando as pernas de fora. Vesti para ele. Ficou excitadíssimo, apenas o tal macaquinho sobre minha pele, lisa que só, e sua mão a deslizar sobre a lividez do meu corpo. Não demorou eu estava nua, a pequenina peça abandonada sobre o estofado da sala. Namoramos até duas da madrugada. Quando saiu, senti ligeiro arrepio, o macaquinho olhava para mim. Tomei-o nas mãos e o vesti. Fui ao espelho e admirei-me dentro do pouco pano. Joguei uma capa sobre o corpo e investi no que restava da madrugada. Não é preciso dizer que a capa, um tecido negro que cobria o macaquinho, deixava certa transparência. Aonde ir depois das duas, faltando pouco para o amanhecer? Entrei num táxi e pedi que me deixasse na porta do hotel mais chique da zona sul. O motorista olhou-me um tanto desconfiado. Na certa se trata de uma acompanhante de luxo, deve ter suspeitado. Não me molestou, deixou-me no local depois de vinte minutos. Na porta do hotel, o funcionário de plantão abriu a porta do táxi para eu sair. Cumprimentou e encaminhou-me ao hall, como se tudo estivesse combinado. Premeu o número 18 num dos elevadores e disse que alguém me esperava logo que a porta se abrisse. Há um engano, pensei, mas fiquei quieta, a situação me favorecia. Sempre preferi locais abertos, onde teoricamente tenho mais espaço de manobra, mas, num hotel famoso como aquele, achei que não me fariam mal.

Como avisara, um homem me esperava à porta do elevador. Tomou-me pela mão, sorriu e me conduziu ao um dos apartamentos. Uma mulher inteiramente nua abriu a porta. “Esta noite, mandaram duas, querem me agradar, uma espécie de cortesia”, o homem disse para ela, ainda sorrindo. A mulher nua despiu-me, levou meu macaquinho e minha capa para uma espécie de armário, ao fundo do quarto. Como não estou acostumada ao sexo coletivo, fiquei meio sem graça. Ela logo notou e perguntou você não é profissional? Nada respondi. O homem foi quem me deixou mais à vontade. Beijou-me um dos seios, abraçou-me e viu que eu fechava os olhos. Ela aproximou-se por trás e abraçou-me. Ficamos os três a sentir o volume de nossos corpos. Podem começar, ele ordenou. Ela virou-me devagar, abraçou-me de frente e deu os primeiros passos, uma espécie de dança. Acompanhei-a. Era um pouco mais baixa que eu, mas bastante hábil. Desceu uma das mãos pelas minhas costas e acariciou-me o bumbum. Depois me virou e pressionou-me por trás. O homem empunhou um pênis de borracha e sinalizou que eu abrisse as pernas. Assustei-me a princípio, mas tive de representar. Minhas pernas portaram-se obedientes, enquanto aos poucos ele o introduzia. Fez que eu agachasse e que minha companheira viesse por baixo. Agora, ela era o meu homem.

Não consigo precisar quanto tempo ficamos naquele jogo. Foram muitas as posições. O homem, sempre nos olhando, admirava nossa performance. Precisamos de muito preparo físico para satisfazermos seus caprichos. Apenas no final, veio trepar com uma de nós. A que sobrava devia acariciar qualquer parte do seu corpo, mesmo com a boca, com beijos e lambidas. Quando estava prestes a gozar, mudava de mulher. Após o prazer, adormeceu. A mulher, então, perguntou quem eu era. Você não é profissional, ela reparou. Como descobriu?, retruquei. Fácil, as amadoras trepam com paixão. Qual o problema de eu não ser profissional?, eu quis saber. O hotel não aceita amadoras, é melhor você ir, caso o chefe descubra aqui uma mulher fora do seu controle, tanto você quanto eu vamos ter problemas, vá embora, não demore. Quando acabou de falar, ouvimos duas pancadas fortes à porta. Minha companheira correu e foi abrir. Não deixou que eu escutasse a conversa. Do lado de fora, ainda nua, entabulou uma conversa rápida. Escutei apenas o rastro de uma voz masculina. Quando voltou, disse que jurou ao homem que no quarto só havia ela, e que nosso parceiro ia ficar bravo caso se sentisse incomodado. Vá embora, mesmo que nua, você corre perigo.  Nua?, assustei-me. Ela foi ao armário e jogou o macaquinho sobre o meu corpo. Vista lá fora, disse, pegue a bolsa e os sapatos, desça pelas escadas. Rápida, saí do apartamento. Vesti a pequena peça entre um andar e outro, ajeitei-me e consegui me ver na rua após descer 18 andares. Só então percebi que me faltava a capa de renda, que servira para disfarçar minhas pernas grossas, agora de fora. Ainda bem, um táxi.

O motorista, ao reparar minha nudez, me cantou o tempo todo. Disse que eu era linda, que nunca vira uma mulher tão assim... assim... charmosa, afirmou que eu não precisava pagar a corrida se o levasse ao meu apartamento. Preferi descer longe de casa, duas quadras. Ele me deixou, não sem demonstrar imensa insatisfação. Para contentá-lo, pedi seu cartão, afirmei que, numa outra hora, ligaria.

Corri para casa. Não encontrei conhecido algum na rua, ainda bem. Ao abrir a porta do apartamento, descobri o namorado que me presenteara com o macaquinho. Ele resolvera voltar e não me achara. Onde você estava?, perguntou preocupado. Na casa da Margarida, respondi. Franziu a testa como se não acreditasse. Ela estava em apuros e me telefonou, afirmei. Em apuros?, repetiu. É uma longa história, deixa eu descansar que depois conto, concluí. Tirei a roupa e deitei, ele veio mais uma vez sobre mim. Ainda bem que há a Margarida, pensei. Vez ou outra, eu contava a ele algumas aventuras de minha amiga.

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