quarta-feira, abril 20, 2016

Virgínia

Vi quando Virgínia atravessou a Galeria do Comércio. Tentei alcançá-la, cheguei a correr, quase tropecei, mas ela entrou pela Gonçalves Dias e desapareceu. Tenho certeza de que também me avistou, mas fingiu não me ver. O que nunca entendi foi o seu desaparecimento.

Estivéramos juntas no último verão e foi ela quem me fez o convite.

“Um ricaço está com um barco ancorado na Marina, quer duas mulheres com ele, você está interessada?”

“Você o conhece?”

“Não, mas a indicação é segura, não há perigo algum.”

“E o que precisamos fazer?”, perguntei antes de levar à boca a xícara de café. Estávamos no salão de chá do CCBB.

“Basta que confirmemos através do telefone; o convite é para estarmos lá por volta das dez da noite.”

“O que você acha, devemos ir?”

“Passar a noite num barco parece ser estimulante, não? E, além disso, o ambiente é suntuoso, teremos uma noite de beleza e prazer.”

O garçom se aproximou e deixou, diante de Virgínia, um bonito pedaço de torta de morango. Eu comia, de garfo e faca, um pão ciabata com mussarela de búfala e tomates secos.

“É para hoje o convite?”, perguntei.

“Amanhã.”

“O que devo vestir?”

“O que quiser; ao chegarmos lá, passaremos antes por uma espécie de vestiário; devemos usar as roupas que ele tiver escolhido.”

“Roupas de que tipo?”

“Não sei, mas devem ser roupas chiques. É um tipo de fantasia que ele tem: gosta de vestir as mulheres."

“E quem as despe?”, sorri eu mesma com a pergunta.

“Ele, também.”

“Ok, combinado.”

No dia seguinte fomos juntas. Peguei um táxi e apanhei Virgínia em Copacabana. Na entrada da Marina, identificamo-nos. De imediato, abriu-se o portão e o táxi nos levou até o local indicado pelo funcionário; este vestia uma espécie de farda azul com botões dourados, muito semelhantes daquelas que vestem os empregados dos hotéis internacionais. Ao sairmos do automóvel, uma recepcionista muito simpática recebeu-nos. Acompanhou-nos até um vestiário. Lá nos entregou roupas boas, muito bem cortadas e costuradas, na verdade roupas de desfile; e, como é comum a esse tipo de roupa, extravagantes, muito curtas e transparentes. Como estou habituada, não me senti desconfortável. Mas Virgínia não reagiu da mesma forma; falou: “Estou nua.”

“Nua, nada, quantas mulheres não gostariam de estar em nosso lugar?”

A recepcionista, que nos acompanhava em tudo, sorriu. Após dizer que estávamos lindas, levou-nos até a embarcação.

Entramos. O leve marulhar proporcionava graça especial. O barco acompanhava os ligeiros movimentos da preamar. Descrevê-lo, por mais preciosas as palavras, seria tentativa vã. Imaginem o que há de melhor arranjado e de mais alto requinte. A mulher deixou-nos. Fomos recebidas por um homem de farta cabeleira grisalha, avantajada para sua idade. Ele era forte, mas um pouco acima do peso; deveria estar por volta dos sessenta anos. Dirigiu-se a nós, apresentou-se educadíssimo.

Virgínia piscou-me os olhos. Entramos na cabine espaçosa. Uma música em inglês soava baixa, voz de mulher, parecia blues nova-iorquino.

“Como estão passando as maravilhosas senhoritas?”, foram as palavras dele.

Apenas sorrimos. Ah, o nome dele era Taylor.

Ofereceu-nos bebida apontando para um bar em que os copos de cristal ficavam encaixados em suportes. Garrafas de todas as bebidas se enfileiravam de modo harmonioso.

“Que tal champanhe para comemorar o gracioso momento?”

“Não é mal”, eu disse.

Abriu uma garrafa especial, segundo ele. Serviu-nos. Tilintamos as taças e bebericamos. Estava uma delícia.

Deslizou uma pequena plataforma que se transformou em mesa. Apareceram vários tipos de salgados. Também havia pastas e pequenos sanduíches. Fez um gesto para que experimentássemos.

Entabulamos conversa sobre os sete mares. Aliás, apenas ele entendia de mares. O máximo que eu e Virgínia podíamos fazer era esticar nossas aventuras litorâneas, enumerar as praias que frequentávamos e aquelas onde, muitas vezes, apenas a água do mar escondera nossa nudez.

Em certo momento, após descansar o copo com uísque sobre o encaixe da mesa – sim, agora ele bebia uísque, eu e minha amiga mantivemo-nos fiéis ao champanhe –, tomou Virgínia pelas mãos, levantou-a e fez que ela desfilasse num ligeiro rodopio, ainda segura por um ou dois dedos dele. Sem demora, soltou-lhe o vestido, que foi ao chão; ela ficou só de calcinha – bem pequena por sinal – mas manteve-se altiva e risonha, fazendo de conta que esperava por aquele gesto. Não houve demora para que chegasse a minha vez. Tomou-me pelas mãos e, em vez de girar-me, conduziu-me até a pequena escada que levava ao passadiço; fez que eu a subisse. Do lado de fora, tirou minha roupa. Deixou que o vento a levasse.

Namorou ambas, quase ao mesmo tempo. Jamais vi homem com tamanho vigor. A noite e a madrugada transcorreram maravilhosas.

Mas lá pela tantas houve um incidente. Virgínia atirou-se ao mar. Ele mergulhou ao perceber que ela não voltava. Veio à tona duas ou três vezes antes de encontrá-la. Quando a trouxe nos braços, gritou para mim:

“Me ajude a tirá-la de dentro d’água.”

Acho que o episódio excitou-o ainda mais. Amou, uma vez mais, cada uma de nós.

Partimos apenas ao amanhecer.

Ele em momento algum mencionou o incidente, e Virgínia também não tocou no assunto.

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