terça-feira, maio 17, 2016

Nem vou espichar o vestidinho

Estou numa festa, sentadinha na sala, pernas cruzadas, vestido curtinho. Todo cuidado é pouco. Há pessoas conversando, umas riem, outras falam alto, vários assuntos alçam ao espaço, enredam-se. Ao meu lado uma mulher quase grita o sexo é ótimo, outra diz que os homens têm mais fogo do que as mulheres. Não chegam a um acordo. Os desejos são os mesmos, a da ponta alerta olha o preconceito. Nada falo, apenas sorrio discreta. Um garçom com as bebidas, de que o coquetel? Cereja. Delicioso. As mulheres não sabem sobre o meu desejo de sexo. Não adianta afirmarem que somos menos fogosas do que os homens porque o sexo deles é pra fora e o nosso pra dentro. Que absurdo! Os homens, tão poucos na festa, conto nos dedos, olham pra mim. Também, pudera, tão curto o vestidinho. As travestis, uma intervém, têm o maior dos fogos, o fogo dos homens e o das mulheres ao mesmo tempo. Uma gargalhada confortável, o arrepio. Um rapaz aproxima-se, junta-se a nós. Nossa conversa é indecente, acrescenta a terceira do sofá. A música convida, diz a dona da festa. Muita gente quer ver debaixo da minha roupa coladinha ao corpo, o tecido encolhendo, subindo, incluo na conta algumas das mulheres. Dançamos soltas, passos fingidos, movimentos medidos. O namorado quer a menina nua, não aqui nem agora, uma lembrança enquanto sinto as coxas bem arejadas, ele quer levá-la a passear sem peça alguma, ela vai sentada no banco do carona. A dona da festa vem dançar comigo, me toma pela cintura, desce um pouquinho uma das mãos. Já sei, quer saber se estou sem calcinha. Acho que se decepciona. Sabe a Karen, diz ao meu ouvido, olha pra ela, a saia fofa, também muito curta, é um tal de ir ao toalete, completa enquanto dá um passo atrás e faz que vai ao outro canto da sala. Lembra a Dina?, uma das moças vem junto a mim. Dina?, pergunto. Vai dizer que não lembra?, a travesti, afirma peremptória. Ah, finjo surpresa, o que houve? Vem à festa, diz. Que bom, afirmo fria. Dá ultima vez trouxe o namorado, um homão, sorriu, como se concentrasse nele todas as esperanças, ele adora a Dina de vestidinho como o teu, sabia?, ela insiste. Vai ver que compra na mesma loja, chego a dizer. É ousada, pra uma travesti, não sei como consegue, é outra que toda hora vai ao toalete, dá uma risadinha após a última palavra. Gira, continua a dançar, quase me toca com os seios. Reparo os bicos rijos. O garçom traz outro coquetel. Aceito. Sento no sofá, olho as amigas dançando. Duas também aceitam a bebida, vem pra junto de mim. Fogo?, ouço a voz de uma. Fogo, sim, mas nada de metáforas, fogo do isqueiro, ou de um palito de fósforo. Jura?, a primeira faz de conta que não acredita. Ouviu o que ela está dizendo? Não, quero dizer, ouvi fogo, será um incêndio?, brinco. Um incêndio monstruoso, repete a primeira, na verdade um novo método para o amor, ou velho método, não sei, dizem que as mulheres são frias, daí uma chama verdadeira pra aquecer. Ri. Finjo que entendo. Olha quem está chegando, uma aponta, a louca da Ângela. Por que louca?, quero saber. Ela mesma gosta de contar, diz a que está à minha direita, adora trepar em público. Levo o coquetel à boca e penso na Dina. Ela é que está certa, é travesti e tem o homem mais bonito, mais desejado de todas as mulheres, corresponde a todos os desejos dele. Uma fofoca, diz Ângela depois dos cumprimentos, na semana passada fui a uma festa na Teresa, adivinha quem estava lá?, a Dina, ela e o namorado, o vestido tão curtinho que quase pedi pra entrar no toalete com ela, qual o teu segredo?, eu quis perguntar. Todas as quatro mulheres, no cantinho da sala, ficam curiosas e arrepiadas! Uma diz será que a Dina topa a brincadeira? Qual brincadeira, responde a mais atirada. Vamos lhe pedir emprestada a calcinha! Peça também à Ângela, você vai se surpreender, de novo a mais atirada. Riso geral. Essas mulheres não tem outro assunto?, pergunto-me, será que ninguém lê um livro nesta roda?, ou frequenta alguma galeria de arte? Quem sabe... Rio. Posso eu criticá-las? Não vou ao toalete nem vou espichar o vestidinho.

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