No fundo mesmo, ela se julgava uma deusa. E as deusas
apareciam nuas. Ao menos nas estátuas. Se haviam sido reais em épocas remotas,
ninguém podia afirmar. Mas Lívia era real até demais, às duas tarde, numa
praia do litoral norte. E ganhava quando comparada a uma deusa grega ou romana.
Lógico que não tirava a roupa sob o sol. Ao entrar na água do mar chamava
Clara, uma adolescente que a acompanhava no último verão. Não sei o que provoca
em você tanto arrepio, observava a menina, deve ser porque a água está gelada,
completava. E a deusa mostrava apenas a cabeça da estátua, até que um dia...
Até que um dia surgiu um bonitão. A praia sempre tão vazia; algumas mulheres ao
banho de sol; um ou outro garoto a jogar bola num pedaço de areia distante dali. A menina
que ia com Lívia a pressionar um tablet. Mas onde estava naquele momento? Ah,
um garoto estava ao lado dela e levava uma revista. Minha tia se acha uma
deusa, e quer tomar banho de mar nua. Será que a menina contara? O bonitão a
explorar a maresia, a descobrir a estátua de deusa que ao contrário do que se
poderia imaginar flutuava. O jogador, ao perceber a bolinha prestes a se fixar
numa das casas da roleta, durante uma fração de segundo vai ao paroxismo porque
sente que está prestes a tudo perder. Lívia sentiu o mesmo quando viu o bonitão
aproximar-se. Ele vinha como quem não quer nada. O jogador apostara na cor,
assim maior a chance. Lívia apostou no negro, só que colocou tudo que tinha.
Respirou fundo, arrepiou-se, o friozinho no estômago e a nuvem que, de repente,
turvou o sol. A roleta ia ao seu favor, ao menos temporariamente, uma nuvem
efêmera e única fez sombra. Lívia tinha a capa, uma máscara que lhe alimentava
o mistério.
Está fria a água, disse o bonitão.
Ela sentiu-a mais gelada. Não frisou o rosto nem sorriu.
Pena que tão pouca as pessoas; o bonitão economizava nos
verbos.
Onde a menina? Por que não olhava na direção dela?
Por que não vinha em socorro?, pensou Lívia, que precisava tanto de mais
fichas. Ah, ela enamorara-se do garoto e da revista dele. Via-se, apesar da
distância.
A nuvem corria no céu, a roleta girava, a incerteza dos
instantes seguintes tornava a máscara impossível. A face é efêmera, assim como
a rosa, assim como a nuvem que logo se desfaz sob o sol revelador. O bonitão
também sabia jogar. E apostava no vermelho. Nos lábios de Lívia. Mergulhou ele,
não demorou a voltar à tona, trazia os louros da vitória. A revelação. As
fichas amontavam-se ao favor dele. Lívia entregava-se, entregava o jogo. Nem
sempre é possível vencer. Sua sorte, agora, mostrava-se no sorriso do bonitão,
um sorriso calado, assim como a expressão neutra do rosto de Lívia. Ela teria de saber perder, ou pelo menos fingir que sabia. Mas, pensou melhor, não saía a perder. Talvez até estivesse a ganhar. A
menina, lá longe, enamorara-se do garoto, da revista dele, e ele do tablet dela.
Lívia girava a roleta no sentido inverso, queria, e podia, transformar o jogo
em amor.
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