Não sei como o conheci. Rondo sua casa e espero que ele me veja.
Talvez pense obra do acaso, não conta que planejo tudo de modo meticuloso.
Como, no entanto, demora a aparecer, começo a ficar preocupada. Já faz três
semanas. Todos os dias levo a cadela a passear. Contorno a quadra, dobro à
primeira rua, mais alguns passos e desfilo diante da casa dele, uma construção
de dois andares, janelas de madeira, uma árvore frondosa no terreno de frente.
No bairro, de um tempo para cá começaram a subir os muros. Segurança, medo de
roubos, não sei. O que posso dizer é que tiram a beleza original das casas,
algumas de mais de meio século. A sua não é tão antiga, talvez vinte ou trinta
anos. Espero que a porta se abra, que ele surja, de preferência só, saindo para as
compras ou para o trabalho. Não sei se
trabalha, pelo aspecto parece uma pessoa de certa cultura, talvez escritor, ou
quem sabe diretor de cinema. A cadela puxa a guia, cheira a terra junto a uma
pequena árvore, procura indícios de outro cão; eu, atrás. O que é capaz de
fazer uma mulher quando está apaixonada? A pergunta martela minha cabeça. A
cadela não quer esperar, puxa, deseja outros sítios. Começo a pensar em
espionar a casa, sozinha. Deixo que ela me conduza, segue dando a volta na
quadra, depois para, me olha, espera minha decisão, já não tem capacidade de
cuidar da própria vida.
Penso voltar à noitinha, à hora que ele provavelmente entra. Mas como ter certeza de que ele voltará ao entardecer? Caso alguém me veja rondando a casa por muito tempo, suspeitará, quase ninguém circula na rua, a exceção são os próprios moradores. Melhor será o amanhecer, quando as pessoas saem para o trabalho, poderei trazer de novo a cadela. Caso dê com ele, como chamar sua atenção? Não ficará bem correr até o homem e fazer uma declaração de amor. Essas coisas não estam na moda e, na verdade, são coisas de cinema. Na verdade, ele é que precisa olhar pra mim e sentir alguma atração. Por isso, visto uma short bem pequeno e uma camiseta. Minhas pernas, sempre admiradas pela maioria dos homens, funcionarão como instrumento de sedução também para ele.
Sigo o que programei durante cinco dias, mas nem vestígio do homem. Na semana seguinte, abandono as investidas. Saio com a cadela, mas ando nas proximidades de onde moro, o pequeno animal parece satisfeito, cansa-se menos.
No sábado, aceito o convite de uma amiga. Encontro-a num
bistrô, ao entardecer. Quando estamos conversando, colocando as novidades em
dia, eis que ele se aproxima. Entra no bistrô e senta a uma das mesas, bem ao centro.
Acompanho seus movimentos. Também tento prestar atenção na história que me
conta Sara. Mas confesso, sua voz se perde no vazio. Ao mesmo tempo, faço de
tudo para que ela não note que estou transtornada. Minha amiga fala sobre um
namorado, sua voz traz algum entusiasmo, mas, pouco a pouco, perde a entonação
inicial. Fico a pensar qual a causa, quem sabe minha desatenção. Se esse o
motivo, nada comenta. No final, diz que depois de sair duas ou três vezes com o
homem, perdeu-o pra outra mulher. Mas por que ele não ficou com vocês duas, digo
sem muito refletir. Faz cara de espanto, depois cai na gargalhada. Ele, da mesa
onde bebe uma pequena garrafa de cerveja, olha para nós duas, mas depois volta
às páginas do livro que tem sobre a mesa. Você fala como a Gisele, intervém,
ela bateu à porta de um homem e disse que queria ir a um restaurante com ele,
nem notou que ele morava com uma mulher; dias depois o encontrou de novo, então
trepou com ele na garagem do prédio onde moram, dentro do automóvel. Por que ela
não levou o homem ao apartamento dela?, quero saber. Não sei, não falou sobre
isso, ela pensa como você, não se incomoda em dividir o homem com outra, minha
amiga termina e espera minha reação. Quero dizer que não penso assim, que minha
concepção de relacionamento é outra, mas acho inútil a explicação.
Ficamos mais um quarto de hora no bistrô, às 6h30min minha
amiga diz que precisa partir, tem um compromisso. Após ir embora, penso em
voltar e tentar seduzir o homem, mas ele está tão concentrado na leitura, que
acho inútil qualquer iniciativa minha. Volto pra casa.
Entro. A cadela vem fazer festa. Depois se coloca junto à
porta. Quer passear. Pego a guia e vamos para fora. Qual caminho
seguir? O tal quarteirão, talvez, quem sabe. Não posso ir tão vestida, penso.
Já sei, vou como a cadela!
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