terça-feira, outubro 11, 2016

Vou como a cadela

Não sei como o conheci. Rondo sua casa e espero que ele me veja. Talvez pense obra do acaso, não conta que planejo tudo de modo meticuloso. Como, no entanto, demora a aparecer, começo a ficar preocupada. Já faz três semanas. Todos os dias levo a cadela a passear. Contorno a quadra, dobro à primeira rua, mais alguns passos e desfilo diante da casa dele, uma construção de dois andares, janelas de madeira, uma árvore frondosa no terreno de frente. No bairro, de um tempo para cá começaram a subir os muros. Segurança, medo de roubos, não sei. O que posso dizer é que tiram a beleza original das casas, algumas de mais de meio século. A sua não é tão antiga, talvez vinte ou trinta anos. Espero que a porta se abra, que ele surja, de preferência só, saindo para as  compras ou para o trabalho. Não sei se trabalha, pelo aspecto parece uma pessoa de certa cultura, talvez escritor, ou quem sabe diretor de cinema. A cadela puxa a guia, cheira a terra junto a uma pequena árvore, procura indícios de outro cão; eu, atrás. O que é capaz de fazer uma mulher quando está apaixonada? A pergunta martela minha cabeça. A cadela não quer esperar, puxa, deseja outros sítios. Começo a pensar em espionar a casa, sozinha. Deixo que ela me conduza, segue dando a volta na quadra, depois para, me olha, espera minha decisão, já não tem capacidade de cuidar da própria vida.

Penso voltar à noitinha, à hora que ele provavelmente entra. Mas como ter certeza de que ele voltará ao entardecer? Caso alguém me veja rondando a casa por muito tempo, suspeitará, quase ninguém circula na rua, a exceção são os próprios moradores. Melhor será o amanhecer, quando as pessoas saem para o trabalho, poderei trazer de novo a cadela. Caso dê com ele, como chamar sua atenção? Não ficará bem correr até o homem e fazer uma declaração de amor. Essas coisas não estam na moda e, na verdade, são coisas de cinema. Na verdade, ele é que precisa olhar pra mim e sentir alguma atração. Por isso, visto uma short bem pequeno e uma camiseta. Minhas pernas, sempre admiradas pela maioria dos homens, funcionarão como instrumento de sedução também para ele.

Sigo o que programei durante cinco dias, mas nem vestígio do homem. Na semana seguinte, abandono as investidas. Saio com a cadela, mas ando nas proximidades de onde moro, o pequeno animal parece satisfeito, cansa-se menos.

No sábado, aceito o convite de uma amiga. Encontro-a num bistrô, ao entardecer. Quando estamos conversando, colocando as novidades em dia, eis que ele se aproxima. Entra no bistrô e senta a uma das mesas, bem ao centro. Acompanho seus movimentos. Também tento prestar atenção na história que me conta Sara. Mas confesso, sua voz se perde no vazio. Ao mesmo tempo, faço de tudo para que ela não note que estou transtornada. Minha amiga fala sobre um namorado, sua voz traz algum entusiasmo, mas, pouco a pouco, perde a entonação inicial. Fico a pensar qual a causa, quem sabe minha desatenção. Se esse o motivo, nada comenta. No final, diz que depois de sair duas ou três vezes com o homem, perdeu-o pra outra mulher. Mas por que ele não ficou com vocês duas, digo sem muito refletir. Faz cara de espanto, depois cai na gargalhada. Ele, da mesa onde bebe uma pequena garrafa de cerveja, olha para nós duas, mas depois volta às páginas do livro que tem sobre a mesa. Você fala como a Gisele, intervém, ela bateu à porta de um homem e disse que queria ir a um restaurante com ele, nem notou que ele morava com uma mulher; dias depois o encontrou de novo, então trepou com ele na garagem do prédio onde moram, dentro do automóvel. Por que ela não levou o homem ao apartamento dela?, quero saber. Não sei, não falou sobre isso, ela pensa como você, não se incomoda em dividir o homem com outra, minha amiga termina e espera minha reação. Quero dizer que não penso assim, que minha concepção de relacionamento é outra, mas acho inútil a explicação.

Ficamos mais um quarto de hora no bistrô, às 6h30min minha amiga diz que precisa partir, tem um compromisso. Após ir embora, penso em voltar e tentar seduzir o homem, mas ele está tão concentrado na leitura, que acho inútil qualquer iniciativa minha. Volto pra casa.

Entro. A cadela vem fazer festa. Depois se coloca junto à porta. Quer passear. Pego a guia e vamos para fora. Qual caminho seguir? O tal quarteirão, talvez, quem sabe. Não posso ir tão vestida, penso. Já sei, vou como a cadela!

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