Eu olhava pelo olho mágico da porta principal, aquele
buraquinho que dá pra ver quem está no corredor do prédio. No meu caso, no
sexto andar. O tal novo morador vivia no 601, o meu era o 603. Toda manhã e
toda tarde, eu sabia seus horários. Como chamar sua atenção? Pensei várias
estratégias, mas não achei nenhuma delas convincente. Restou-me apreciá-lo por
trás da porta, por aquele buraquinho mínimo e ridículo. Desconfiei que o homem fosse
gay. Logo, porém, cheguei à conclusão que não era possível. De três em três
dias vinha uma mulher ao seu apartamento. Numa sexta-feira, mais uma
descoberta. Havia outra, que era bem morena, pernas grossas, sempre trajando
calças legging. Conversei com Isabel, uma amiga, especialista em paqueras, em
arranjar os mais diversos tipos de namorados.
“Mara, o principal é você ter paciência. Com paciência tudo
se consegue. O homem, caso você queira, cai de graça nas tuas mãos. Nem precisa
muito esforço.”
“Isabel, ele já tem duas ou três mulheres, será que vai se
interessar por mim?”
“Você precisa definir, Mara, se você quer se relacionar
com um homem desses. Se ele é cheio de mulheres, o que você vai querer com ele.”
“Quem sabe se enamora por mim, Isabel?”
“Difícil, amiga, muito difícil, não queira mudar as pessoas,
elas permanecem quase as mesmas durante toda a vida.”
“Ah, então uma só saidinha, dar uma namoradinha com ele e
pronto, ali mesmo no prédio, no apartamento dele ou no meu.”
“Caso o teu desejo seja esse, Mara, fale com ele. Bata na
porta do homem e diga que quer conversar. Ele vai achar
você uma pessoa interessante, mas não é bom esperar mais que disso. Como você
mora ao lado, é capaz de ficar desconfiado, achar que você vai controlá-lo
o tempo todo, e ele não mais poderá levar a vida como deseja. Mais uma coisa,
Mara, ele é bonito?, ainda não me falou sobre isso.”
“É lindo, Isabel, lindíssimo, o problema é esse. Se fosse
uma pessoa comum, mas é fora do normal.”
“Então, cara amiga, caso a tua percepção esteja correta, vai
ser ainda mais difícil. Caso seja trepar só uma vez com ele, bata na porta do
homem e converse sobre isso. Diga que o achou bonito, que sonhou com ele, que
o deseja, que não leve você a mal. É praticamente certo que vai aceitar. Mas não
espere nada além disso.”
Voltei pra casa e fiquei pensando naquela conversa. Será que
Isabel queria mesmo que eu falasse tão diretamente com o homem? Talvez seu
conselho fosse só pra impressionar.
Passaram-se vários dias. Numa quinta feira, prestei atenção
à hora em que ele chegou. Abriu a porta vagaroso, com ar de quem chega ao paraíso,
depois entrou e fechou também com suavidade. Esperei trinta minutos. Saí
do apartamento e fui até a porta dele. Aguardei um ou dois minutos antes de
bater. Pareceu-me um tempo enorme. Após apertar a campainha, esperei mais vinte
ou trinta segundos. Ele veio abrir. Ao perceber uma mulher à sua porta, abriu
mais largamente e mostrou-se de forma plena. Vestia bermuda e camiseta, não
estava descalço, mas com umas pantufas que normalmente a gente usa dentro de casa.
Sorri e senti vergonha. O que diria a ele?
"Oi, sou sua vizinha daqui ao lado, sei que aqui as pessoas não têm
costume de bater às portas alheias para se apresentar, mas gosto de fazer
amigos."
Ele sorriu. “Renato”, disse o nome, “a seu inteiro dispor.”
Continuei com a fisionomia congelada, talvez também um
sorriso, branca como a neve, estática. O homem perguntou:
“Quer entrar?”
“Ah, sim, obrigada, meu nome é Mara, muito prazer.”
“Vou fazer um café, você me acompanha?”
“Oh, sim, um café, que bom.”
Ele foi. Esperei na pequena sala de estar. Simples, mas
aconchegante. Um sofá de dois lugares, uma poltrona individual, abajur com o
foco voltado para o colo de quem senta na poltrona individual, talvez para
facilitar à leitura, a pequena mesa de centro portando alguns jornais, dois ou
três livros, envelopes. Achei que não seria possível ir diretamente ao assunto,
isto é, que o achei bonito e desejava trepar com ele. Seria melhor seguir pelas
vias normais, ser amiga do homem, cumprimentá-lo no dia a dia, sorrir quando o
encontrasse na rua, falar sobre um livro, um filme, e deixar que a vida tomasse
seu curso.
“Você prefere açúcar ou adoçante?”, ele com uma pequena
bandeja, as duas xícaras. Reparei que era delicado, as xícaras bem pequenas,
brancas, pintadas com linhas que se alternavam. O açucareiro, adoçante, duas
colheres, tudo ajeitado, homem que dá atenção aos detalhes.
“Prefiro açúcar.”
“Você mora no prédio há muito tempo?”, ele quis saber.
“Três anos”, eu disse, “três anos e alguns meses.”
“É bom, aqui?”
“Sim, é silencioso, bom pra ler, pra estudar.”
“Você estuda”, perguntou enquanto levava a xícara aos
lábios.
“Mais ou menos, sou professora.”
“Professora?”, perguntou, mostrando alguma surpresa.
“Sim, ensino médio, língua portuguesa.”
“Então, tenho de tomar cuidado com as palavras”, suspirou.
“Nada disso, cada um fala como quer.”
“Trabalho com cinema”, acrescentou.
“Que lega!”, não deixei de exclamar.
“Muito legal”, mas há trabalho que não acaba mais.
Pedi que falasse mais sobre seu trabalho, pois adoro cinema.
Disse que fazia várias coisas, desde a iluminação, como
auxiliar na direção e até dirigir. Já dirigira dois documentários e vários
curtas, inclusive um premiado no exterior.
“Você, vez ou outra, vai notar que desapareço de repente, é
o trabalho, às vezes fico meses fora.”
‘
Dois dias depois encontrei Isabel na cafeteria da Rainha
Elisabeth.
“Falei com ele”, fui logo dizendo.
“Falou o quê?”
“Me apresentei como a vizinha do lado, caso ele precisasse
de alguma coisa...”
“Começou com uma tentativa de amizade, então?”
“Não era essa a intenção, mas foi o caminho que surgiu.”
“Não deixa de ser boa opção, quem sabe, um investimento
futuro.”
“Pode ser”, afirmei, “foi a solução, agora posso falar com
ele de vez ou outra, de repente acontece o que desejo.”
“Você é esperta, Mara.”
“Nem tanto, poderia já estar frequentando a cama dele.”
“Pra que tanta pressa? Você espera, enquanto isso há outros
homens, muitos paqueram você.”
“Todos casados”, ressaltei.
“O que há de mal nisso? Você quer casar? Pelo que me consta,
não.”
Tomei meu café. Na calçada passou um homem jovial, talvez
trinta, quarenta anos, piscou o olho pra mim.
“Lembra da Berta?”, Isabel me trouxe de volta ao assunto, “ela
teria feito de tudo para transar com o homem na primeira vez.”
“Algumas mulheres são assim, mas não é muito o meu jeito, só
aconteceu uma ou duas vezes, e mesmo assim foi porque o homem abriu caminho. Mas
o vizinho permaneceu parado, até mesmo surpreso, sem ação, eu não poderia agarrá-lo
de primeira.”
“Também venhamos, Mara, há outras coisas boas para se fazer
na vida, não se pode pensar em sexo o tempo todo.”
“Só a Berta pensa nisso o tempo todo, o vestido curtinho, as
pernas cruzadas como estivessem protegendo a nudez, mas se ela pudesse andaria sem
roupa alguma.”
“Outro dia veio-me dizer que está procurando alguém para se apaixonar,
está voltando aos tempos antigos, agora que passou dos 40. Também me contou
que, assim como você, está paquerando um homem interessante. Conheceu-o num trabalho temporário e, por coincidência, ele mora no mesmo bairro que ela. Berta foi à casa dele, o
homem estava lavando o quintal com uma mangueira. Adivinha o que
ela fez?”
“Pediu pra tomar banho de mangueira.”
“Como não tinha levado o biquíni, você já sabe como ela tomou banho. Não preciso contar o resto."
“Agora voltando ao meu vizinho, Isabel, qualquer dia desses
bato à porta dele, nua, viu?”
“Acredito.”
“Estou me preparando.”
“Então, você vai ousar mais que a Berta.”
“Mais? Você acha que ela nunca bateu nua à porta de um
homem?”
Isabel suspirou. Eu, o que iria fazer? Voltei a pensar no meu vizinho.
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