quarta-feira, fevereiro 15, 2017

Vizinho

Eu olhava pelo olho mágico da porta principal, aquele buraquinho que dá pra ver quem está no corredor do prédio. No meu caso, no sexto andar. O tal novo morador vivia no 601, o meu era o 603. Toda manhã e toda tarde, eu sabia seus horários. Como chamar sua atenção? Pensei várias estratégias, mas não achei nenhuma delas convincente. Restou-me apreciá-lo por trás da porta, por aquele buraquinho mínimo e ridículo. Desconfiei que o homem fosse gay. Logo, porém, cheguei à conclusão que não era possível. De três em três dias vinha uma mulher ao seu apartamento. Numa sexta-feira, mais uma descoberta. Havia outra, que era bem morena, pernas grossas, sempre trajando calças legging. Conversei com Isabel, uma amiga, especialista em paqueras, em arranjar os mais diversos tipos de namorados.

“Mara, o principal é você ter paciência. Com paciência tudo se consegue. O homem, caso você queira, cai de graça nas tuas mãos. Nem precisa muito esforço.”

“Isabel, ele já tem duas ou três mulheres, será que vai se interessar por mim?”

“Você precisa definir, Mara, se você quer se relacionar com um homem desses. Se ele é cheio de mulheres, o que você vai querer com ele.”

“Quem sabe se enamora por mim, Isabel?”

“Difícil, amiga, muito difícil, não queira mudar as pessoas, elas permanecem quase as mesmas durante toda a vida.”

“Ah, então uma só saidinha, dar uma namoradinha com ele e pronto, ali mesmo no prédio, no apartamento dele ou no meu.”

“Caso o teu desejo seja esse, Mara, fale com ele. Bata na porta do homem e diga que quer conversar. Ele vai achar você uma pessoa interessante, mas não é bom esperar mais que disso. Como você mora ao lado, é capaz de ficar desconfiado, achar que você vai controlá-lo o tempo todo, e ele não mais poderá levar a vida como deseja. Mais uma coisa, Mara, ele é bonito?, ainda não me falou sobre isso.”

“É lindo, Isabel, lindíssimo, o problema é esse. Se fosse uma pessoa comum, mas é fora do normal.”

“Então, cara amiga, caso a tua percepção esteja correta, vai ser ainda mais difícil. Caso seja trepar só uma vez com ele, bata na porta do homem e converse sobre isso. Diga que o achou bonito, que sonhou com ele, que o deseja, que não leve você a mal. É praticamente certo que vai aceitar. Mas não espere nada além disso.”

Voltei pra casa e fiquei pensando naquela conversa. Será que Isabel queria mesmo que eu falasse tão diretamente com o homem? Talvez seu conselho fosse só pra impressionar.

Passaram-se vários dias. Numa quinta feira, prestei atenção à hora em que ele chegou. Abriu a porta vagaroso, com ar de quem chega ao paraíso, depois entrou e fechou também com suavidade. Esperei trinta minutos. Saí do apartamento e fui até a porta dele. Aguardei um ou dois minutos antes de bater. Pareceu-me um tempo enorme. Após apertar a campainha, esperei mais vinte ou trinta segundos. Ele veio abrir. Ao perceber uma mulher à sua porta, abriu mais largamente e mostrou-se de forma plena. Vestia bermuda e camiseta, não estava descalço, mas com umas pantufas que normalmente a gente usa dentro de casa. Sorri e senti vergonha. O que diria a ele?

"Oi, sou sua vizinha daqui ao lado, sei que aqui as pessoas não têm costume de bater às portas alheias para se apresentar, mas gosto de fazer amigos."

Ele sorriu. “Renato”, disse o nome, “a seu inteiro dispor.”

Continuei com a fisionomia congelada, talvez também um sorriso, branca como a neve, estática. O homem perguntou:

“Quer entrar?”

“Ah, sim, obrigada, meu nome é Mara, muito prazer.”

“Vou fazer um café, você me acompanha?”

“Oh, sim, um café, que bom.”

Ele foi. Esperei na pequena sala de estar. Simples, mas aconchegante. Um sofá de dois lugares, uma poltrona individual, abajur com o foco voltado para o colo de quem senta na poltrona individual, talvez para facilitar à leitura, a pequena mesa de centro portando alguns jornais, dois ou três livros, envelopes. Achei que não seria possível ir diretamente ao assunto, isto é, que o achei bonito e desejava trepar com ele. Seria melhor seguir pelas vias normais, ser amiga do homem, cumprimentá-lo no dia a dia, sorrir quando o encontrasse na rua, falar sobre um livro, um filme, e deixar que a vida tomasse seu curso.

“Você prefere açúcar ou adoçante?”, ele com uma pequena bandeja, as duas xícaras. Reparei que era delicado, as xícaras bem pequenas, brancas, pintadas com linhas que se alternavam. O açucareiro, adoçante, duas colheres, tudo ajeitado, homem que dá atenção aos detalhes.

“Prefiro açúcar.”

“Você mora no prédio há muito tempo?”, ele quis saber.

“Três anos”, eu disse, “três anos e alguns meses.”

“É bom, aqui?”

“Sim, é silencioso, bom pra ler, pra estudar.”

“Você estuda”, perguntou enquanto levava a xícara aos lábios.

“Mais ou menos, sou professora.”

“Professora?”, perguntou, mostrando alguma surpresa.

“Sim, ensino médio, língua portuguesa.”

“Então, tenho de tomar cuidado com as palavras”, suspirou.

“Nada disso, cada um fala como quer.”

“Trabalho com cinema”, acrescentou.

“Que lega!”, não deixei de exclamar.

“Muito legal”, mas há trabalho que não acaba mais.

Pedi que falasse mais sobre seu trabalho, pois adoro cinema.

Disse que fazia várias coisas, desde a iluminação, como auxiliar na direção e até dirigir. Já dirigira dois documentários e vários curtas, inclusive um premiado no exterior.

“Você, vez ou outra, vai notar que desapareço de repente, é o trabalho, às vezes fico meses fora.”

Dois dias depois encontrei Isabel na cafeteria da Rainha Elisabeth.

“Falei com ele”, fui logo dizendo.

“Falou o quê?”

“Me apresentei como a vizinha do lado, caso ele precisasse de alguma coisa...”

“Começou com uma tentativa de amizade, então?”

“Não era essa a intenção, mas foi o caminho que surgiu.”

“Não deixa de ser boa opção, quem sabe, um investimento futuro.”

“Pode ser”, afirmei, “foi a solução, agora posso falar com ele de vez ou outra, de repente acontece o que desejo.”

“Você é esperta, Mara.”

“Nem tanto, poderia já estar frequentando a cama dele.”

“Pra que tanta pressa? Você espera, enquanto isso há outros homens, muitos paqueram você.”

“Todos casados”, ressaltei.

“O que há de mal nisso? Você quer casar? Pelo que me consta, não.”

Tomei meu café. Na calçada passou um homem jovial, talvez trinta, quarenta anos, piscou o olho pra mim.

“Lembra da Berta?”, Isabel me trouxe de volta ao assunto, “ela teria feito de tudo para transar com o homem na primeira vez.”

“Algumas mulheres são assim, mas não é muito o meu jeito, só aconteceu uma ou duas vezes, e mesmo assim foi porque o homem abriu caminho. Mas o vizinho permaneceu parado, até mesmo surpreso, sem ação, eu não poderia agarrá-lo de primeira.”

“Também venhamos, Mara, há outras coisas boas para se fazer na vida, não se pode pensar em sexo o tempo todo.”

“Só a Berta pensa nisso o tempo todo, o vestido curtinho, as pernas cruzadas como estivessem protegendo a nudez, mas se ela pudesse andaria sem roupa alguma.”

“Outro dia veio-me dizer que está procurando alguém para se apaixonar, está voltando aos tempos antigos, agora que passou dos 40. Também me contou que, assim como você, está paquerando um homem interessante. Conheceu-o num trabalho temporário e, por coincidência, ele mora no mesmo bairro que ela. Berta foi à casa dele, o homem estava lavando o quintal com uma mangueira. Adivinha o que ela fez?”

“Pediu pra tomar banho de mangueira.”

“Como não tinha levado o biquíni, você já sabe como ela tomou banho. Não preciso contar o resto."

“Agora voltando ao meu vizinho, Isabel, qualquer dia desses bato à porta dele, nua, viu?”

“Acredito.”

“Estou me preparando.”

“Então, você vai ousar mais que a Berta.”

“Mais? Você acha que ela nunca bateu nua à porta de um homem?”

Isabel suspirou. Eu, o que iria fazer? Voltei a pensar no meu vizinho.

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