domingo, abril 12, 2020

Toda arrepiada

Você me diz não fique tão nervosa, Anete, não se deixe levar pelas opiniões dos outros, não se deve temer o que as pessoas vão pensar da gente. Mas, Theó, moramos numa cidade onde muita gente se conhece. Sei que a situação mudou um pouco de uns anos para cá, mas as famílias que são daqui se conhecem, sim, fazem comentários. Depois, o comentário se espalha e somos vistas como piranhas. Se eu vivesse em Niterói ou no Rio, tenho certeza de que não seria assim, lá muitas pessoas moram sozinhas, predomina um individualismo que não se tem tempo para reparar o que o outro faz ou aonde vai. Aqui, não é assim. Outro dia comprei um maiô novo, sei que você vai achar ridículo eu usando um maiô, mas é o meu costume. Só que este é um tanto cavado, parecido com o que esteve na moda no carnaval passado, entrando atrás, a bunda um pouco de fora. Imagine, duas horas depois já tinha gente me olhando com aquele sorrisinho de deboche. E não foi na praia, não, mas no centro, não sei como já sabiam da novidade. Às vezes tenho vontade de mudar daqui, de ir embora mesmo. Não sei como você consegue, Théo, sai por aí, vai à praia, usa o menor biquíni da cidade e não liga pra que os outros dizem. Você mesma reconhece que não é tão bonita, nem tem um corpão assim de parar o trânsito, mas sempre está com namorado, ou de caso com alguém, quase toda semana tem um convite pra ir a algum lugar, uma festa, um restaurante, passeios e coisas assim. Você diz pra mim, Anete, basta não ligar pra essa gente, são pessoas frustradas. Eu sei, são frustradas, sim, com certeza, mas me incomodam, e muito. Queria ser assim como você, anda nua por aí, as pessoas olham, falam e você não liga, acha até engraçado. Caso te chamem de piranha, desdenha ainda mais de todas elas ou de todos eles. Uma vez você me convidou pra ir àquela praia, lembra?, fui com você. Foi a única vez que usei biquíni, e usei o teu! Você vestiu o meu maiô. Até que ficou bem em você o maiô; o biquíni, em mim, não sei. Serelepe do jeito que você é, logo apareceu um homem para conversar com a gente. Essa conversa vai longe, pensei, vai parar lá na cidade. Porque de Arraial até aqui não é muito longe, você há de concordar. Sei que naquele dia, até me soltei um pouquinho. Mas, depois, quando cheguei, comecei a achar um olhar estranho em todas as fisionomias, como se todos soubessem do meu segredo, do que aconteceu naquela ida à praia. Fiquei morrendo de vergonha de ir lá de novo, de encontrar o tal homem. E olha que ele me telefonou várias vezes. Isso mesmo, Théo, sei como é, você age assim, uma curtição, mas quanto a mim não sei. Adoro quando você me conta como os caras se aproximam, como falam com você, o modo como você os recebe, acho também engraçadas as situações em que você se mete. Lembra aquela vez, dois homens no mesmo dia, você sem saber o que fazer, o primeiro já tinha ido embora, mas, de repente, resolveu voltar, você já nas mãos do outro, ou nos lábios, ou dependurada, não sei. Muito divertido. O primeiro fez uma cara, mas não teve mais chance. Ainda bem que o segundo não percebeu o tal, e nem soube que você tinha dado uma namoradinha com ele uma hora antes! Você está me convidando para ir a Búzios, Théo, numa praia em que ninguém me conhece? Onde não há possibilidade de encontrar ninguém daqui? Será que existe mesmo esse lugar? Lembra a Júlia? A que mudou pra Icaraí. Era totalmente louca, adorava Búzios, dizia a mesma coisa, ia a uma praia onde ninguém a conhecia. Mas arranjava mil namorados aqui também. Dizem as más línguas que ela saiu uma vez nua, de carro, ao lado do namorado, foi pra um motel, desses da estrada. Corajosa, ela. Mas pode ser invenção, esse povo fala muito. Vou pensar no teu convite, Théo, um passeio a Búzios. A gente vai sexta e volta no domingo? Sério mesmo? Deve ser muito legal. O biquíni? Ah, tudo bem, você me empresta, ou chegando lá eu compro um, quem sabe. Espere um ou dois dias pra eu dar a resposta. Escuta, agora eu tenho de desligar, amanhã ou depois te telefono, a gente marca. Dessa vez a tentação é muito grande. Um final de semana em Búzios, uma pousada, a praia deserta. Quem sabe, a praia nem tão deserta assim! Você está rindo, não é?, engraçadinha. Sabe, fiquei toda arrepiada. Tchauzinho, amor, beijinho.

Nenhum comentário: