domingo, abril 19, 2020

Tripa

Tenho ido à praia, no Pecado, um lugar e tanto. Por aqui, o inverno também não se anunciou. Visto o biquíni e vou envolta numa toalha felpuda, atravesso a rua, ando um pouco sobre as areias brancas e pouso, anônima, o vento a me acarinhar a pele, levinho e amoroso, o sol morno, sem maiores pretensões. Ouço o rugir do mar, o explodir contínuo da arrebentação, notas graves intermináveis, como ecos sobrepostos a uma mão esquerda de pianista. Numa das tardes, porque as prefiro às manhãs de vozes infantis e hábitos brancos das babás, surgiu um homem, devia ir lá pelos cinquenta anos. Não demorou a se aproximar. Eu, que sentia o arrepio de estar só e também de ser um ente da natureza, assustei-me. Não é boa a palavra, rompe o precário equilíbrio entre o humano e o que não é o artificioso. Mas, vá lá, surgiu o homem. Bermuda azul, sem camisa, meio sem jeito, veio conversar. Como as palavras destoam da linguagem universal, sal e sol, vento e mar, aceitei a breve companhia. Veio-me à mente as dificuldades em se arranjar namorado. Justo o pensamento? Não sei, mas as mulheres sempre estão na desvantagem. Acendi primeiro um cigarro e conversamos. A princípio, apenas eu falava. Será o homem de pouca conversa? Apontei a beleza do mar, a tranquilidade da tarde etc. e tal. Ele, nada. Olhei, discreta, queria reparar se apontava o pênis por baixo da bermuda. Não que quisesse tê-lo ali, mas talvez o silêncio tivesse como motivação a minha nudez. De uns tempos para cá, passei a vestir um biquíni mínimo, a bunda de fora, e eu estava de costas. Nada achei sob o tecido masculino. Você nada comenta, alertei. Sorriu, foi então que perguntou você não é do Visconde, uma casa de dois andares? Pronto, o homem me tinha nas mãos, além de nua. Sim, resposta econômica. Admiro muito quando passa no campinho. É mesmo?, não me lembro de você. As mulheres não olham para os lados, emendou. Quem te disse?, deixei o argumento. Melhor permitir ao homem vir, o assunto crescer, até chegar onde já sabemos, a cama. Isso mesmo, os homens querem deitar com as mulheres, fazem tudo para que isso aconteça logo. Você frequenta o Arnaldo, do forró?, perguntei. O paquera arregalou os olhos, sorriu, na certa imaginou um copo grande de cerveja a sua frente, disse sim, frequentava. Então, vamos nos encontrar lá, depois de amanhã, pode me esperar, não vou faltar, assegurei. Continuou a me olhar, agachou-se, percebi que esperar dois dias lhe pesaria. Eu não poderia ir com ele naquele momento, nem estava com vontade, o importante para mim era o sol, o mar, o vento brando e o prazer do envolvimento com a natureza, sexo seria num outro momento. Abriu a carteira, tirou a caneta e escreveu um número de telefone. Recebi o pequeno papel e guardei dentro da bolsa. Pode deixar, não vou dar bolo, falei e achei engraçada a expressão. Foi-se o admirador. Lembrei um amigo que amava as possibilidades, dizia que era bom investir, assim poderia escolher mais. O admirador da praia não sabia investir, daí a pobreza de suas palavras. Meu amigo não é rico, mas sempre tem algo a receber. Investiu na semana retrasada, na passada, investe na atual, sempre o lucro, tanto mais quando se trata de mulheres!, gosta de exclamar. Em outro tempo, pode ser que eu me ralaria pelo homem ali mesmo na praia, arranjaria um jeitinho de deixá-lo escalar-me o corpo, ou eu mesma tomaria de repente suas mãos para percorrer minha pele escorregadia, depois afastaria um pouquinho as pernas, ele me roubaria o biquíni, tudo resolvido. Mas já sou escolada, não quero falatório, melhor o forró do Arnaldo. Tinha a praia, depois a dança, e o homem. Gosto de deixar o sol me aquecer o corpo até eu não poder mais, sinto, então, aquele repuxo no ventre, o calor, quase um orgasmo. Quando levantei, nem ajeitei o biquíni, nua a caminho do mar. Mergulhei. Olhei de dentro d’água na direção onde estavam os meus pertences, a praia toda para mim, ao longe uma mulher, depois dois garotos, areia e mais areia, cordões de restinga. Voltei ao guarda-sol, sentei-me sobre a canga, tive vontade de trepar, sim, mas com um amante imaginário, que me fizesse gozar duas horas seguidas, algo impossível a um homem de carne e osso. Uma amiga, certa vez, tocou neste ponto. Os homens gozam rápido, deixam-nos a desejar. Disse que gozava com o próprio corpo. Com o próprio corpo?, perguntei, você se masturba? Não, nada de masturbação, preparo-me, como se fosse deitar com alguém, passo uns cremes sobre a pele, deito-me e ponho-me a imaginar, abro as pernas, com suavidade, estou molhada, minhas mãos deslizam sobre o ventre, minhas coxas, imagino um história excitante, um fato que me deixa a mil, remexo-me um pouquinho, o gozo vem chegando... Isso dá muito trabalho, interrompi. Dá trabalho mas vale a pena, basta ter calma, toda a paciência do mundo, e muita imaginação.


O bar do Arnaldo fica na Riviera. Não é um setor vulgar da cidade. Em dois quarteirões está a praia. Há casas bonitas na vizinhança, prédios altos, carros e mais carros na beira da rua, estacionados. O Arnaldo teve de preparar o isolamento acústico do local, caso contrário teria de fechar. Conseguiu. Do lado de fora, não se escuta a música, não se acredita que se trata de um local barulhento e dançante. Forró é dança quente, animada, o homem segura a mulher pela cintura, pressiona-a na direção do seu corpo. Dança-se encostado um ao outro, sente-se calor, deseja-se sexo, é quase uma antecipação do prazer que está por vir. Não há homem ou mulher que, ao dançar forró, não se imagine numa intensa relação carnal. Como era de se esperar, mantive-me nos braços e nos passos de meu par, o homem surgido nas areias da praia, queria senti-lo mais e mais, acabar a noite numa espécie de comunhão de corpos, bem presa a ele, seu sexo dentro de mim. Num salão de forró, o bom é ficar o tempo todo com o namorado, não se deve parar de dançar, caso isso aconteça acaba-se nos braços de outro. Eu queria meu admirador da praia, até mesmo não me importaria de partir mais cedo para senti-lo frequentar minhas entranhas.

Após toda a loucura proporcionada pela dança, acabamos na minha casa, na minha cama. Nem havíamos bebido muito, melhor a embriaguez de nossas altas temperaturas. Muitas coisas na vida não acontecem como a gente imagina. Queria eu estar nua, o homem a me invadir, sem piedade. Ao sair do Arnaldo avistei Marion e Arlete sentadas a uma das mesas próximas à porta, vestidos curtinhos, uma porção de homens a olhar para elas. Dizem que Marion, depois de duas ou três horas de dança, vai ao banheiro e despe a calcinha, os homens adoram, ficam beirando a mesa, querem se certificar.

Tirei a roupa, quase enlouquecida, fiquei apenas de biquíni. Esperei por ele. Veio vagaroso. Despiu-se de costas para mim, quando apresentou-se nu, de frente, demonstrou uma ponta de vexo. Um homem vexado!, quase caí na gargalhada. Mas ele tinha seus motivos. Só então percebi. Seu pênis não enrijecera, uma tripa comprida escorrendo sobre o saco. Num primeiro momento, achei que vinha nervoso, há homens que reagem assim. Mas por que nervosismos? Aproximei-me, segurei seu pinto, acariciei, todo o cuidado do mundo. Nenhuma reação. Abracei o namorado, abrir as pernas, deixei que se aconchegasse. Nada. O peru na mesma posição. Afastei-me um pouquinho, toquei seus testículos, enfie o pênis inteiro na minha boca. Chupei o homem, tentei todas as maneiras. Nada. A tripa permaneceu imóvel.


Dias depois estive com um amigo, aliás, um ex-namorado que me acha gostosa e não deixa de me vir visitar. Fiquei nua pra ele; ele, nu pra mim. Seu peru durinho. Você já passa dos sessenta, está muito bem, falei, outro dia tentei trepar com um homem de cinquenta e poucos, o peru não ficou duro de jeito nenhum, chupei e tudo mais, nada conseguiu. O sexo do meu amigo endureceu mais com minha história. Comeu-me, com muito gosto. Uma delícia. Bom pra esquecer o dia em que fiquei na saudade. O importante foi também que gozei. Que história!, o homem e a tal tripa. O importante, naquele momento, era o pênis durinho do meu amigo!

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