domingo, abril 05, 2020

As pessoas têm mais o que fazer!

Chego ao apartamento do namorado, são 12h30m , abro a porta e entro. Que bom, tenho a chave, ele me cedeu logo no início do relacionamento, pode vir quando quiser, mesmo eu não estando em casa. Bom, esse namorado. Descanso a bolsa e sento no canapé. Está escuro, a temperatura é agradável. No trabalho o homem, só chega lá pelas sete da noite. Já não estarei, dou aula à noite. Vida de professora. Depois vou a minha casa, vejo-o na sexta e ficamos juntos até a segunda de manhã. Às vezes, num intervalo de meio de semana, também nos encontramos. Tiro a roupa. A primeira coisa que desejo quando entro na casa dele, mesmo sozinha, é ficar nua. Corro ao quarto e estendo meu vestido sobre a cama, onde ele costuma dormir. Volto à sala, de calcinha. Será que alguém do prédio de frente me espiona, entre as cortinas? Não acredito, as pessoas têm mais o que fazer.

Lembro uma amiga distante, de outra cidade, onde trabalhei. Ela trepava com o namorado às onze da manhã, morava num terceiro andar. Ele mostrava que era possível serem vistos de outras casas, dos terraços vizinhos. As pessoas têm mais o que fazer, ela dizia, cheia de tesão.

Na sala, de novo, o canapé. Arrepio. Bom andar nua. Bom também o namorado, ótimo quando senta no canto da cama, com o peru duro que só,  e pede vem cavalgar, vem. Aproximo-me, vamos devagar, será que vai doer?, brinco. Ele passa a mão nos meus grandes lábios, ainda estão secos, repara. Calma, dois minutos e tudo será goiabada com catupiry. Ele ri. Ri e me come. Uma vara que não esmorece. O homem me ama, sou morena, ou negra, não sei, sei que me ama.

Sozinha, no canapé, lembranças me deixam no arrepio. Não preciso me tocar, pego um livro, abro e começo a leitura. Vou nua dentro das páginas. Uma mulher é sequestrada por três homens. No começo, um apenas. Quer ser tatuado. Ela sabe marcar, e marca bem. Ele a quer na sua casa, ela recusa. Marcaram encontro num bar, ela não o conhece. No final, ele acaba convencendo-a. Ela precisa de dinheiro, ele paga o dobro. Chegam os outros dois. Violência pura. Mas o narrador dá indício de que há algo por trás. A história vai acabar mal para os três capangas.

Em cidade pequena, quando se tem namorado, dá até pra sair nua, ou apenas um paninho leve sobre o corpo. Ele para num canto escuro da estrada, me come, voluptuoso. Vou adorando a incerteza. Uma vez saí nua do carro, fiquei molhadinha, antes mesmo que me tocasse. Noutra levou, de lembrança, minha calcinha. Mas o namorado do apartamento é sério, trepa bem, como gente normal, e não vou dar ideia.

Cruzo as pernas, sobre o canapé, dentro da leitura. Por que gosto de ler nua? Deve haver uma explicação. Treze e trinta. Largo o livro, ainda sem saber o fim da tatuadora, vou à cozinha. A fome, fome nua. Comida na geladeira. Há o micro-ondas. Tudo muito fácil. Ui, a campainha. Susto. Olho no olho mágico. É a vizinha. Acho que a diarista da vizinha. Já estive com ela uma vez, fazia a faxina e me pediu um saco plástico, estava de biquíni! Agora vem vestidinha. Abro a porta. Oi, como vai. Bem. Desculpe incomodar, é que vi a luz acesa, aí nunca tem ninguém. Sorrio. Ela continua é você, a gente já conversou, tudo bem? Tudo bem, digo. Dessa vez não quero nada, só vim dar um oi. Oi. Sorrio. Não deixo que me veja nua. Mas a mulher tem bom faro. É bom esperar o namorado, preparada. Acaba a frase e dá uma grande gargalhada. Não tenho resposta. O jeito é rir junto com ela. O namorado hoje é o apartamento. Homem, só à noite, e não vou estar. Ela ri também. Sempre se dá um jeito, há muitos homens por aí, completa e se vai. Tchauzinho. Volto ao apartamento. Que mulher enxerida, e logo em Copacabana, onde as pessoas são discretas, na Bulhões de Carvalho.

Sento no sofá, o prato e o garfo nas mãos. Minha amiga trepando no terraço. As pessoas têm mais o que fazer! Meia hora depois, ainda minha amiga.  Perco, como ela, a vergonha.

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