segunda-feira, julho 27, 2020

Coquetel azul

Meu biquíni estava sobre a cama, lá fora o sol brilhava. Engraçado a minúscula roupa de banho sobre a cama, tão pequenina, bem menor do que vestida no meu corpo. Tomei na mão a peça de baixo, levantei a perna direita, coloquei o pé, depois a esquerda, o outro pé, puxei-a coxas acima. Ajeitei-a olhando-me no espelho. Primeiro de frente, depois de costas. Puxei o elástico, esse tipo de biquíni precisa ficar bem entrado no bumbum. Vesti o top, tarefa mais fácil. A camiseta por cima. Onde o telefone?, ah, sim, na cadeira da sala, próximo à tomada. A bolsa com a carteira de dinheiro, o maço de cigarros, uma toalha de tamanho médio, óculos escuros. Pronta. Ah, sim, o livro, coisa leve, policial, Agatha Christie. Embora não tenha carro, saio pela porta da garagem.

Certa vez, um livro atraiu um namorado, quero dizer, um futuro namorado. Adoro mulheres que leem bastante, disse o até então desconhecido. Como sabes que leio bastante?, quis eu interferir. Antes tivesse ficado quieta. Ele queria conversa, tudo servia de motivo para avançar, não só na narrativa, mas na direção do meu corpo. Não é sempre que uma mulher com um biquíni mínimo desses dá papo a marmanjo. Não fui advertida por ninguém, só pelo meu alter ego. Narrou uma história longa, enredo do último livro lido por ele. Gosto de romance cerebral, compreendes?, nada de muito sangue. No máximo um morto. Um culpado. Pessoa importante, não pode ser a camareira nem o porteiro do hotel. O tal homem entendia de polar, como dizem os franceses, quem sabe o criminoso seria o assessor do ministro da economia, que estava hospedado no hotel. Um escândalo governamental. Olhei pela primeira vez o homem nos olhos, cabelos pretos, bronzeado, muito mesmo, não se deu ao desprazer de me convidar para tomar uma cerveja. Homens de luxo não bebem cerveja. Pelo menos na frente de mulheres que valham a pena. Também não convidam a mulher para deixar a praia, com segundas intenções, vamos a um restaurante, ou passear por aí, uma praia mais selvagem na cidade vizinha. Quem se garante, sabe que a presa cairá, mesmo que passem dois dias ou duas semanas. Precisa-se de poder de atração. E ele o tinha. Uma mulher veio falar-lhe, loura, de biquíni claro, também pequeno, mas acho que um pouquinho mais coberta do que eu. Deu um beijinho nele. Falou-lhe algo que não ouvi e partiu. Parou junto a duas amigas, vinte ou trinta metros adiante. Minha prima, chegou a dizer, um particular, namoradeira, não dispensa ninguém, mas não namoro parente. Pediu licença, disse que voltaria, caso a presença não fosse enfadonha. É lógico que não usou a palavra. Nada falei, peguei meu livro e continuei. Não se passaram muitos minutos, talvez vinte, ele veio com uma bebida de cor azul. Um coquetel, aceite, por favor, trata-se de uma surpresa. Coquetéis, cor azul, sabor de euforia que a praia proporciona. Estava indo bem. Onde se fazia o tal coquetel naquela praia. Logo acima, no restaurante, sempre atendem aos meus pedidos, sou um cliente antigo. Bebemos os dois. Ele o seu, eu, o presenteado por ele. Tem uma ponta de curaçau aqui, adivinhei. Isso, um pouquinho de cada coisa, tequila, curaçau, uma pontinha de limão, mínimo em mel e duas pedrinhas de gelo. Mas, segundo o barman, há ainda um segredo, que não diz a ninguém. Rimos e bebemos, devagar. Tão gostoso o coquetel, não queria que acabasse. Ficamos em silêncio durante alguns minutos. Gosto desses momentos, admiro os homens que sabem fazer o silêncio parte da conversa. Não é um silêncio que nos deixa de mãos abanando nem sem jeito por falta de conversa, mas o silêncio que nos permite sentir melhor o calor do sol sobre a pele, a beleza do mar com todo o brilho vigor que transparece, o vento brando que nos acaricia o ventre. A explosão das ondas sempre selvagem, indomável; por outro lado, nossos desejos, a vontade de ser civilizada, a vida em sociedade envolvendo as pessoas que frequentavam a praia. Quando me voltei a ele, sem ter o que dizer acabei rindo. Enfim, boa a tua bebida, soprei. Minha nada, do barman. Ele bebeu o tantinho que restava do seu copo comprido. Eu, comprida, minhas nádegas de fora, separadas pela tira elástica do biquíni, movi-me na cadeira, queria entrar n’água, arrefecer o princípio de incêndio que me tomava. O namorado (já posso chamá-lo assim)tomou os copos nas mãos, fez menção de devolvê-los ao restaurante. Espera, temos tempo, cheguei a dizer. Percebeu que eu o queria por perto, não se perdesse quem sabe em sabe outras mãos, outras mulheres nuas, mais e mais coquetéis. Vamos entrar n’água, levantei-me e o puxei com as duas mãos. Dentro d'água, abraçou-me por trás, cobriu-me, eu nua, nua, querendo mais.

segunda-feira, julho 20, 2020

Vorazes, muito vorazes

Nesta cidade acontecem coisas engraçadas e mesmo ridículas. Uma das histórias que circula em M é sobre as supostas façanhas de uma dentista bonita e famosa. Durante o dia, ela atenderia num consultório suntuoso, no centro da cidade; já à noite, no entanto, circularia pelos bares da orla marítima à procura de aventuras nos braços de homens de ocasião. 

Outra fábula é a respeito de uma mulher muito conhecida, ex-moradora de Glicério, que de um tempinho para cá vive no Visconde. Ela é entrada nos cinquenta anos, mas é bonita que só. Segundo as más línguas, ela andava com um namorado novo lá pela orla da lagoa, quando, sem mais nem menos, viu-se sem ter o que vestir. Calma, pessoal, eis o que teria acontecido. Uma jovem encontrou um vestido à margem da mesma lagoa. Pensando que a colorida e festiva roupa, um tanto úmida, tivesse escapado dos varais vizinhos sob o sopro saliente do vento, foi bater à porta de uma das casas circundantes crendo praticar uma boa ação. Diante da negativa daquela que a atendeu, levou o vestido ao local onde o encontrara. Mas, ao observar com mais atenção, descobriu que cairia muito bem no próprio corpo. Ficou com ele. Não sabia, porém, que deixava em apuros a tal mulher atirada e arteira. Tendo-se molhado nas águas do lago, esta tirou a roupa, não só para estendê-la a sol aberto, mas sim para aproveitar a tarde, mais confortável, nos braços do namorado! 

O povo gosta de narrativas, depois dizem que a literatura está morta. Essas histórias me trouxeram outra à mente. Mas fui eu que a protagonizei. Faz uns dez anos, eu ia muito ao Rio. Tinha lá um namorado. Aprontávamos façanhas inacreditáveis. Certa vez, decidi sair nua do apartamento onde ele morava. Era no centro da cidade o tal prédio de dez andares. Iria lá fora, ficaria alguns segundos no corredor e bateria para ele abrir. Encenaríamos um sketch. Saí mesmo do tal apartamento. Era um corredor comprido, acho que no sexto andar, um tanto escuro, com várias portas dos outros apartamentos nas proximidades. Fui nua mesmo, apenas a sandália de meio salto e a bolsa a tiracolo. Ele demorou a abrir. E as coisas não saíram conforme combinamos. Bati levemente com o nó de um dos dedos. Esperei. Como se passavam os segundos, ou os minutos, não lembro bem, bati de novo. De repente, ouvi abrir uma porta e aparecer uma mulher. Ela, ao me ver nua, deu um grito, voltou para dentro do seu apartamento e bateu a porta. Minha sorte foi que, logo depois, meu namorado abriu. Entrei e caímos na gargalhada. Como eu não era conhecida no local, nem me preocupei. Acho que você vai ter problemas, cheguei a dizer, a vizinha aí do lado me viu nua. Trepamos, vorazes, muito vorazes. Dias depois, ele veio me contar que foi chamado pela síndica do condomínio, queria saber que história era aquela. Ele esclareceu, de maneira convicta: sabe, Dona Manoela, é verdade isto que estão falando, aconteceu mesmo, mas não tenho culpa nenhuma. Como, não tem culpa, isto aqui é um prédio familiar, disse a responsável pela administração. Espere, vou acabar de contar, continuou ele, foi o seguinte: uma mulher nua bateu à minha porta e me pediu ajuda. Foi isso, eu não podia negar, podia? Seria desumano despachar a mulher por aí, sem o que vestir; acabei por lhe ajudar, concluiu. A síndica partiu, ameaçadora, desconfiada da tal história. Mas, ao mesmo tempo, nada pôde fazer. Rimos, rimos muito. E, mais uma vez, trepamos. Vorazes, muito vorazes.

segunda-feira, julho 13, 2020

A noite do Mustang

Já era tarde, quase uma da madrugada. Havíamos conversado muito, eu e minha amiga. Sua casa fica numa espécie de bosque, a três quadras da praia. Surpreendo-me quando penso como foi possível à natureza produzir um lugar tão arborizado próximo à praia. O tal bosque fica em R, cidade a vinte e seis quilômetros de onde moro, litoral norte. Às vezes marcamos de passar à noite juntas, bebendo um bom vinho, comendo queijos e conversando. Assunto não falta. A vida muitas vezes é um tédio, diz, o que salva são as amizades, as conversas e alguns namoros. Tem razão, principalmente quando fala em alguns namoros, apenas alguns mesmo. Preciso descansar, falei, amanhã é domingo, a gente pode passear, ou ir à praia. Ela sorriu. Bebemos o que restava da garrafa, minha amiga ainda se aventurou a mais um pequeno pedaço de camembert. Permanecemos alguns minutos em silêncio. Levantei vagarosa e comecei a recolher taças e louça para levá-las à cozinha. Não se preocupe, amanhã a gente arruma, vamos descansar. Sorri, abracei minha amiga, um abraço fraterno, pude sentir o calor do seu corpo, um calor perfumado, quase doce, caso seja possível defini-lo assim. Vou tomar uma ducha e vou me deitar, eu disse. Corri ao banheiro, tirei a roupa, um vestidinho que me vinha até os joelhos, estampado, justo ao corpo até a cintura com a parte inferior abrindo-se solto, nada extravagante. Entrei na ducha, aproveitei e lavei minha calcinha. Saí do quarto enrolada na toalha e entrei no quarto sempre reservado a mim durante as estadas naquela casa confortável. Ia fresco o tempo. Vesti uma camiseta, emprestada por ela, sempre me esqueço de levar roupas quando vou à sua casa, coloquei a calcinha para secar no parapeito da janela. Olhei o céu estrelado e respirei fundo.

Ao acordar, o sol já levantara e inundava nossas vidas. O terreno exterior da parte construída da casa recebia a visita de muitos pássaros, piados e cantos alegravam a manhã. Abri a janela e recebi em cheio o ventinho colorido e cheiroso da manhã. Minha amiga tinha jardim e horta, perfumes e aromas não nos abandonavam. Fui ao toalete, lavei o rosto, voltava ao quarto quando resolvi ir à sala. Jaziam sobre a mesa as sobras do nosso jantar. Recolhi pratos e talheres, fui à copa e coloquei tudo dentro da pia. Depois liguei a cafeteira. Todos ainda dormiam.  Sem que eu esperasse, apareceu um homem jovem, mais ou menos dez anos a menos que eu. Oi, você por aqui, não se lembra de mim?, perguntou. Franzi o cenho numa tentativa de mergulhar no passado recente. Como já namorara tanta gente, confesso que não conseguia me lembrar dele. O cara do Mustang? Mustang?, repeti. Sim, da exposição de colecionadores, completou. Lembrei e sorri para não perder a graça. A tal exposição fora ótima, mas a noite não me aconteceu como uma das melhores, bebi demais e não recordava o que fiz. Ao amanhecer, estava nua, num quarto, nos braços do homem que ia ali à minha frente naquele instante. Você conhece a Adélia?, perguntei. Sou filho dela, permaneceu estático, admirando-me. Como podia acontecer aquilo, a Adélia tinha um filho e eu já trepara com ele. Nem sei se só com ele, porque na noite do Mustang estava ele acompanhado de mais dois amigos. Daqui a pouco vai chegar o Marcos, disse gratuitamente. Marcos?, não sei quem é. Sabe sim, voltou à tona, é aquele meu amigo que veio no carro com a gente. Automóveis fascinantes, bebidas e mais bebidas, amigos, quarto de hotel, eu nua pela manhã, tudo muito confuso. Fingi que não me constrangia. Você contou alguma coisa sobre mim para sua mãe?, perguntei assustada. Nada, não conto pra minha mãe sobre a minha vida particular, afirmou peremptório. Ah, que bom, sorri, deixa eu te dar um beijo. Aproximei-me, abracei-o e beijei-lhe o rosto, nas duas faces. Correspondeu o abraço, cruzou as mãos sobre minhas costas e ficamos durante algum tempo no abraço, como se repousássemos. Depois deslizou as mãos sobre a camiseta até as minhas coxas e disse conheço esta camiseta, já foi minha, sabia? Você quer de volta?, perguntei provocadora. Quem sabe, riu. Ele era mais alto do que eu, a tal camiseta se transformara numa camisola sobre o meu corpo. Tomamos café juntos, comemos os pedaços de pão que restavam no cesto sobre a mesa. Depois, pediu licença, tinha um passeio para aquele dia, iria para o carro esperar o Marcos. Escreveu o número do telefone num pequeno pedaço de papel e fechou-o dentro da minha mão direita. Beijou-me, gosto de café, acariciou-me a cabeça, não esqueci a noite do Mustang, citou de novo o evento. Havia carros bonitos, quis eu completar. Não são os carros que me fazem lembrar a noite, sorriu e me abraçou mais uma vez. Despediu-se e se foi. Após sua partida, sentei-me no sofá, de onde estava era possível apreciar as árvores do jardim, vários pássaros continuava a festa. E eu não lembrava o que acontecera na tal noite. Ah, não vai ficar assim, reparei que, inconsciente, apertava numa das mãos o número do seu telefone.

segunda-feira, julho 06, 2020

Sisuda

Reparei a mulher de azul, piscou-me de novo. O que seria aquele sinal?, aparentemente eu não a conhecia. Levantou-se e deu a entender que iria ao toalete. Fez outro sinal. Preciso ir ao toalete, falei. Ele olhava a varanda. Levantei e segui a mulher.


Ele disse que sou sisuda. Sei o significado da palavra, mas fui ao dicionário procurar seu sentido perfeito. Sisudo (os dicionários são machistas, sempre o masculino) quem é muito sério, circunspecto. Depois, acrescentou o homem, você precisa ser pelo menos um tantinho transgressora. Ainda o dicionário. Transgredir: 1. ir além de, atravessar; 2. Não seguir determinação de ordem, lei etc. Tinha de me comportar de modo transgressor, isto é, extravagante, romper regras. O namoradinho de ocasião me queria nua, só podia ser.

Conheci-o na praia, vestia eu o menor biquíni. Mas ele não olhou meu bumbum, mas aos meus óculos grandes, redondo, a face, naquele momento, sem sorriso. Veio conversar. No primeiro contato, principalmente quando se trata de um estranho, não dou conversa, finjo mesmo que a pessoa não existe. Mas insistiu o homem. Um, dois, três dias, sempre comprimentos, uma semana, semana e meia e minhas resistências vencidas. Por isso, sisuda. Pagou-me um sorvete. Que ridículo, eu precisava que me pagasse algo? Quase não aceitei, mas, para ser polida, engoli a casquinha com duas bolas.

Semana seguinte. Se você tem interesse em mim, sou sisuda, não tenho como mudar. Pouco a pouco, acostumou-se. Vamos esta noite, sugeriu um dia na praia. Nesta não posso. Fiz mistério, amanhã, taça de ouro para a conquista.

Na noite seguinte, às vinte e uma horas, a sisuda, minissaia preta, blusa branca de mangas compridas com adereços em renda e botas que subiam aos joelhos, esperava o namorado na varanda. Enquanto isso, lembrava Adélia, amiga a quem contara o caso. Eu é que devia ter conhecido esse homem, não ia me chamar de sisuda nem transgressora, você conhece minhas peripécias. Ah, sim, Adélia tinha vasta fama, nem sempre positiva, entre tantas aventuras constava que, certa vez na praia, deixara o biquíni embaraçado nas mãos ágeis de um recente conhecido!

Quando o homem chegou, desci e fui a ele. Beijou-me e, muito gentil, abriu a porta do carro para que eu entrasse. Sobre minhas roupas, nada comentou, pelo menos naquele momento. Guiou até a orla e estacionou numa transversal. Caminhamos lado a lado, e entramos no Ilhote. Às 21h30 o restaurante já estava fervilhando, o vozerio alegre se espalhava pela varanda. Quando entramos, várias pessoas olharam minha saia curta, as botas negras também causavam frisson. Estava pagando para ver como seria a noite. Sentamos quase no meio do restaurante, no lado de dentro. Ele, pelo que pude perceber, adora chamar atenção, nada de cantos, quis o lugar mais chamativo. Tinha uma mulher bonita ao seu lado, era para ser visto, admirado, invejado. Eu me metamorfoseara em sorrisos. Quando o garçom veio perguntar o que iríamos beber, o namorado deu-me o privilégio da escolha. Sabia eu beber vinho? Já tomara algumas taças, as pessoas diziam que os melhores são os franceses. Quem sabe. O homem recebeu com interesse o meu desejo. E o garçom não demorou a aparecer com a garrafa e duas taças.

O que se pode conversar num tal momento, eu me perguntava, não queria tomar a iniciativa, já o fizera quanto ao pedido da bebida. Ele olhava o restaurante, queria mesmo ser observado, viera bem vestido, considerava-se bem acompanhado. Geralmente os engenheiros não têm muitos assuntos quando estão em companhia de mulheres, talvez refletisse, qual seriam as minhas preferências? Resolveu perguntar.

Preferências, repetiu a palavra, deixe-me ver, meu português cuidadoso. Tomei a taça com a mão direita e bebi um gole do vinho antes de responder.

Gosto de passear, de viajar.

Pensei que você gostasse de ler.

Gosto, sim, mas é um gosto particular. Ri pelo efeito que a frase causou. Não gosto da opinião de alguns homens de que a maioria das mulheres nada tem na cabeça, atitude machista e indelicada. Cheguei a mover-me na cadeira, mas não comentei o pensamento com o namorado.

Certa vez passei uma temporada em São Paulo, pesquisa sobre o solo, petróleo no litoral, como aqui. Ia aos bares, só havia homens. Aqui, pelo menos, há mulheres, e muito bonitas. Pareceu sem jeito, apontou a mim mas não deixou de mover os braços como se mostrasse as outras que frequentavam o local.

Uma gafe, as palavras dele, mas quem não as comete? Adélia e suas peripécias, suas gafes, a amiga era puro corpo, esses homens vem com muitas histórias para terminar a noite em cima da gente, por isso nada de muitas delongas. Será que eu deveria pensar do mesmo modo?, melhor os detalhes, as delongas, as pequenas histórias, como um livro bem elaborado, diálogos e descrições, expressões faciais, sustos e deslumbramentos. Por isso talvez chamasse-me sisuda, pouco ou nada transgressora. A voz do homem despertou-me.

Existem pessoas de todos os tipos, a gente conhece durante as viagens. Falava dos amigos, dos conhecidos, mas não se referia às mulheres. Lógico que não falaria de mulheres, nada mais deselegante do que trazer outra mulher para junto da que o acompanha, tanto mais no momento de conquista, não o faria, os homens podem não ter muita cultura, mas não cometem esse tipo de gafe. Saíra com outras mulheres, é claro, eu podia constatar. No restaurante, olhava a varanda, reparava a mesa só de mulheres, bem junto à mureta da calçada. Dali, podiam ser mais paqueradas, mesmo por aqueles que iam do lado de fora, que vinham nos carros; os homens às vezes paravam para vir falar com elas. Ele não era santo. Sozinho, também não as dispensaria, imagine em outras cidades, hospedado em hotéis, sozinho nos bares durante à noite, quantas e quantas na sua cama de hotel. Contar-me-ia mil vantagens, mas nada sobre mulheres, é claro. Sairíamos inúmeras vezes, um dia, de repente, iria embora, alguém o chamava em Curitiba, Santos, ou Vitória. Há petróleo por toda a parte. Não voltaria, quanto a isso tinha certeza. E não duvidava que tivesse mulher e filhos em outra cidade.

Você tem filhos, perguntei solene.

Seu olhar pareceu traí-lo. Filhos. Como ela descobrira?

Não, nem casado sou. Aliás, sou casado com o trabalho, riu depois de fazer uma fisionomia de que parecia alguém a carregar pesado fardo. Vamos pedir o jantar, sugeriu ao ver o garçom. Saiu-se bem do embaraço. Não ia perguntar se era casado, não se faz tal pergunta, estraga a noite. A gente aprende isso rápido.

Vamos de salmão ao molho de abacaxi?

Deve ser uma delícia, acompanhei.

Foi-se o garçom, em meio às outras mesas, uma mulher de vestido azul olhou-me e piscou.

O vinho ia descendo na garrafa, descendo através de nossos lábios, boca, garganta, circulava por nosso sangue tornando-nos soltinhos. Eu e ele.

Sabe que me enganei quando disse que você era sisuda. Senti que não gostou.

Nada, não precisa se preocupar. Acho que é por causa dos óculos, deviam ser mais discretos.

Nada. Foi a primeira impressão, depois passa. Tenho um amigo que não sai do hotel, nessas viagens, disse ele gratuitamente. Acho tão interessante conhecer a cidade, ter contato com outras pessoas. Caso fosse como ele, não teria conhecido você.

Não perdeu grande coisa, falei e caí na gargalhada.

Não fale assim, você é uma joia, e muito reluzente.

Cuidado, podem me sequestrar.

Não, não vou deixar.

Reparei a mulher de azul, piscou-me de novo. O que seria aquele sinal?, aparentemente eu não a conhecia. Levantou-se e deu a entender que iria ao toalete. Fez outro sinal. Preciso ir ao toalete, falei. Ele olhava a varanda. Levantei e segui a mulher.

Você é a Vânia, não?, ela falou.

Sim. Mas não estou me lembrando de você.

Acho que faz muito tempo, trabalhei numa escola com você, faz mais de dez anos, muita confusão naquele tempo.

Hum, já sabia de quem se tratava. Helena, o seu nome. Abraçou-me.

Por que você não foi até a mesa onde estou?, perguntei, curiosa.

Achei que não seria bom. Senti saudades da Vânia daquela época, aproveitamos bem uma ou duas vezes.

Sim, aproveitamos, retruquei, mas já não tenho relações com mulheres, você foi a única. E o homem está me chamando de sisuda. Disse e ri.

Sisuda? Helena caiu na gargalhada. Abraçou ainda uma vez. Tá bom, vá então para os braços do namorado.

É a primeira vez que saímos, andou me azarando na praia, vários dias.

Antes que saísse, puxou-me para junto de si e beijou-me a boca. Não tive como impedir. Seu beijo era doce e, antes que eu partisse, puxou um dos botões de minha blusa e enfiou um pequeno papel dentro do meu sutiã. Era um número de telefone.

Depois que se foi, olhei-me no espelho, ajeitei-me, retoquei o batom. Meu coração ia aos saltos.

Voltei à mesa, creio ter conseguido manter as aparências, nada acontecera, era eu a mulher mais calma do mundo.

Comemos com vontade o salmão. A garrafa de vinho chegou ao final. Que tal uma dose de licor?, ainda sugeriu. Dali em diante, perdemo-nos em conversas banais. Ainda falava sobre o trabalho.

Você não sente falta de livrarias em M?, perguntei.

Pareceu não entender, a enxurrada de casos que vivera pelo Brasil e pelo mundo soterrava-lhe a visão.

Vocês, que trabalham com petróleo, são pessoas importantes, não?, meu lugar comum, toquei sua mão por sobre a mesa.

Não trabalhamos com petróleo apenas, mas com energia. E é ela que move o mundo.

Quando saímos, ele estava eufórico. Todo homem quando está a ponto de levar uma mulher para cama pela primeira vez vem nas nuvens.

Ao chegar ao passeio, ainda olhei para dentro do restaurante, Helena piscou-me mais uma vez. Senti o papel com o seu número me fazer cosquinha na ponta de um dos seios.