segunda-feira, julho 20, 2020

Vorazes, muito vorazes

Nesta cidade acontecem coisas engraçadas e mesmo ridículas. Uma das histórias que circula em M é sobre as supostas façanhas de uma dentista bonita e famosa. Durante o dia, ela atenderia num consultório suntuoso, no centro da cidade; já à noite, no entanto, circularia pelos bares da orla marítima à procura de aventuras nos braços de homens de ocasião. 

Outra fábula é a respeito de uma mulher muito conhecida, ex-moradora de Glicério, que de um tempinho para cá vive no Visconde. Ela é entrada nos cinquenta anos, mas é bonita que só. Segundo as más línguas, ela andava com um namorado novo lá pela orla da lagoa, quando, sem mais nem menos, viu-se sem ter o que vestir. Calma, pessoal, eis o que teria acontecido. Uma jovem encontrou um vestido à margem da mesma lagoa. Pensando que a colorida e festiva roupa, um tanto úmida, tivesse escapado dos varais vizinhos sob o sopro saliente do vento, foi bater à porta de uma das casas circundantes crendo praticar uma boa ação. Diante da negativa daquela que a atendeu, levou o vestido ao local onde o encontrara. Mas, ao observar com mais atenção, descobriu que cairia muito bem no próprio corpo. Ficou com ele. Não sabia, porém, que deixava em apuros a tal mulher atirada e arteira. Tendo-se molhado nas águas do lago, esta tirou a roupa, não só para estendê-la a sol aberto, mas sim para aproveitar a tarde, mais confortável, nos braços do namorado! 

O povo gosta de narrativas, depois dizem que a literatura está morta. Essas histórias me trouxeram outra à mente. Mas fui eu que a protagonizei. Faz uns dez anos, eu ia muito ao Rio. Tinha lá um namorado. Aprontávamos façanhas inacreditáveis. Certa vez, decidi sair nua do apartamento onde ele morava. Era no centro da cidade o tal prédio de dez andares. Iria lá fora, ficaria alguns segundos no corredor e bateria para ele abrir. Encenaríamos um sketch. Saí mesmo do tal apartamento. Era um corredor comprido, acho que no sexto andar, um tanto escuro, com várias portas dos outros apartamentos nas proximidades. Fui nua mesmo, apenas a sandália de meio salto e a bolsa a tiracolo. Ele demorou a abrir. E as coisas não saíram conforme combinamos. Bati levemente com o nó de um dos dedos. Esperei. Como se passavam os segundos, ou os minutos, não lembro bem, bati de novo. De repente, ouvi abrir uma porta e aparecer uma mulher. Ela, ao me ver nua, deu um grito, voltou para dentro do seu apartamento e bateu a porta. Minha sorte foi que, logo depois, meu namorado abriu. Entrei e caímos na gargalhada. Como eu não era conhecida no local, nem me preocupei. Acho que você vai ter problemas, cheguei a dizer, a vizinha aí do lado me viu nua. Trepamos, vorazes, muito vorazes. Dias depois, ele veio me contar que foi chamado pela síndica do condomínio, queria saber que história era aquela. Ele esclareceu, de maneira convicta: sabe, Dona Manoela, é verdade isto que estão falando, aconteceu mesmo, mas não tenho culpa nenhuma. Como, não tem culpa, isto aqui é um prédio familiar, disse a responsável pela administração. Espere, vou acabar de contar, continuou ele, foi o seguinte: uma mulher nua bateu à minha porta e me pediu ajuda. Foi isso, eu não podia negar, podia? Seria desumano despachar a mulher por aí, sem o que vestir; acabei por lhe ajudar, concluiu. A síndica partiu, ameaçadora, desconfiada da tal história. Mas, ao mesmo tempo, nada pôde fazer. Rimos, rimos muito. E, mais uma vez, trepamos. Vorazes, muito vorazes.

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