quarta-feira, abril 28, 2021

Ganhei mas não fui buscar o prêmio

Uma coisa, Tatiana, é ficar de biquíni na areia; outra, no calçadão; ainda outra, nas ruas internas de Copacabana. Você é louca, eu não tenho coragem. As pessoas dizem que as mulheres que andam de biquíni fora da praia não são daqui da cidade, são de fora, pensam que aqui é sempre férias, que tudo é praia. E você, com esse biquíni mínimo, de lacinhos, todo entrado atrás, a andar pelas ruas movimentadas, pessoas indo ao trabalho, ônibus circulando, vendedores, lojistas, etc. Uma loucura. Tenho uma amiga que é igual a você. Se quiser, te apresento. Ela anda quase nua. Mora sozinha, não tem parente nenhum, a única amiga sou eu. Ela conheceu um cara na praia, assim como você costuma fazer. Ficou com ele, namorou, passou a confiar nele. Um dia o cara deixou ela peladinha, sem ter o que vestir, em plena luz do dia. Diz ela que namoravam aqui na praia e ficavam juntos o dia inteiro, depois costumavam ir a um apartamento que ele dizia ser dele, ela sempre de biquíni. Como era gostoso o homem, segundo ela. Um dia a história foi parecida com a que você acabou de me contar. Ficou namorando o cara dentro d’água, ele tirou o biquíni dela, treparam. Aliás, não sei como se pode trepar dentro d’água, é um estorvo. Você diz que gosta, ela adora; e com o tal namorado, melhor. A água fria a envolver as partes, como você também diz. Ela não sabe o que aconteceu naquele dia. O cara sumiu, e deixou ela nua dentro d´água. Se ele morreu? Não, ela disse que viu o cara uns dias depois. Não estou inventando pra criar terror em você, não, ela mesma me contou. Como foi? Você é curiosa. Imagina, Tatiana, imagina. Não, ela não saiu correndo de dentro d’água, esperou pra ver se ele voltava.  Eu já estava com ele há um mês, tudo tão bom, não sei como um homem como ele pôde fazer isso comigo, ela disse. Vá lá saber. Quando viu o cara algum tempo depois, ele nem se aproximou. Como ela se virou? Disse que teve sorte, encontrou um senhor e ele resolveu a situação. O mesmo que ganhar na loteria. Já pensou? Também não sei se é verdade, pode ser invenção, você sabe como são as pessoas, ninguém gosta de contar seus fracassos. Uma mulher sozinha, sem poder recorrer a ninguém... Ainda bem que apareceu o tal senhor, repetiu. E ele deu um jeito. Acha que ninguém notou ela nua o tempo que ficou a ver navios (e a expressão cai tão bem!) dentro d’água. Depois, foi com o seu salvador, ainda ficou com ele naquele dia. Veja que piranha, em vez de agradecer e ir embora, pedir o telefone para um possível futuro contato, trepou com ele ainda naquele dia, e no apartamento dela. Júlia, ela narrava, eu não podia ir embora, o cara me salvou, tinha de transar com ele, mas eu não quis namorá-lo depois, não seria boa uma relação com um homem que conheci naquelas circunstâncias; já pensou quando a gente brigasse, ele podia me dizer “te conheci nua, se não fosse eu você estava perdida, piranha”.  Conclusão, ele é bonito, tem dinheiro, mas ela não ficou com o homem, apesar de ele ter procurado por ela várias vezes. Ganhaste na loteria, não?, insinuei. Ganhei, mas não fui buscar o prêmio, afirmou categórica. Você, Tatiana, tome cuidado, não é sempre que aparece alguém pra ajudar. Andas a cada dia ou a cada dois dias com um homem diferente, vai que um deles seja louco; você sentiu um friozinho na barriga, Tatiana?, então tá, goza, goza bastante, goza com o friozinho na barriga.

segunda-feira, abril 19, 2021

Gênero de amor

Acho o maior barato o passeio que meu amigo faz todas as manhãs de sábado. Como ele mora na zona sul, anda por toda a orla de Ipanema e do Leblon. Durante a caminhada, me envia mensagens sobre o dia, sobre como está a praia, conta alguma coisa engraçada e me deseja bom fim de semana. Muitas vezes, tais mensagens vêm acompanhadas de uma foto. Elas alegram o meu dia e me dão energia, torno-me então uma mulher cheia de otimismo e bom humor.

Numa dessas semanas precedentes, marquei come ele um encontro para um café, no centro da cidade, numa confeitaria bonita. Conversamos durante mais de uma hora e meia. Contei-lhe alguns episódios da minha vida. Quando tinha vinte e poucos anos, viajei à Bahia, fiquei hospedada numa pousada, onde conheci um canadense. Apesar de eu ter ido com duas amigas, acabei ficando o tempo todo com o homem. Namoramos. Foi ótimo. Nas minhas férias seguintes, resolvi ir ao Canadá, ao encontro dele. Mas, quando cheguei lá, as coisas não deram muito certo, não saíram como eu esperava. Ele, tão afetuoso aqui, tão desprendido; no seu país, não agiu da mesma forma. Não teve o mesmo afeto, até mesmo me fez pagar tudo o que consumi. Será que, ao estarmos no nosso país, somos mais severos com as pessoas? Não sei, mas foi o que aconteceu. E, olha, caso ele tivesse desejado, eu teria me casado com ele, teria largado tudo e partido ao Canadá, mais precisamente a Montreal. Lembro-me de que, no aeroporto, no momento de eu voltar, ele me cobrou três dólares, que havia me emprestado horas antes para eu tomar um café. Meu amigo ouviu a história e disse foi uma pena, poderia ter dado certo. Não sei por que há homens que são assim, agem de um jeito quando são turistas e de outro quando não, tornam-se autoritários, afirmei. Quando acabamos o café e as torradas, pagamos a conta e saímos, era a rua do Ouvidor. Caminhamos na direção da Uruguaiana, meu amigo me acompanhou durante o trajeto e conversamos mais um pouco. Depois que se foi, fui a uma loja de roupas, onde, mais cedo, algo me interessou. Quando voltei para casa, pensei muito na tarde agradável que tivera. Ele até quis pagar a conta, mas não aceitei. Eu inventei esta história de virmos tomar um café, logo tenho de pagar, ele disse. Aceitei o convite, portanto também preciso contribuir, respondi. Ele riu.

É bom ter amigos; quanto a esse então, nem se fala. Quando ele envia suas mensagens, coloco o fone de ouvido e vou para o meu quarto escutar, sozinha, longe da minha filha adolescente. A seguir, respondo, na maioria das vezes, gravo também a mensagem, e assim vamos vivendo. Sou apaixonada pelas pessoas e por muitas coisas, dei a entender. Ele parece gostar de mulheres assim, como eu.

Quando conheci o tal canadense, eu vivia outra realidade. Minha ousadia foi tanta, que entreguei-me totalmente a ele. Uma das extravagâncias daquelas férias foi ficar nua na praia. O litoral onde a gente estava, naquele tempo, não era tão frequentado, e eu quis agradar o recente namorado aceitando tudo o que pedia. Quando senti a água morna do mar envolver todo o meu corpo, confesso que a experiência me elevou à milésima potência. Depois, ele veio me abraçar, e ficamos os dois dentro d’água, agarrados um ao outro, eu esquecida de que ia nua tanto era o gozo. Ao visitar seu país, minha intenção era a mesma. Quem sabe, ele me tenha achado uma mulher vulgar. Quanto a dinheiro, jamais fui interesseira. Sempre tive o meu trabalho para poder comprar o que desejasse.

Hoje, vivo sozinha. Fico feliz quando tenho amigos, e este que me manda mensagens é de uma alegria e tanto. Os seres humanos são complicados. Melhor assim, o  encontro num café, o prazer de uma boa conversa, a troca de ideias. Uma aproximação saudável. À noite, deitada, ouvindo música, penso nele durante muito tempo. Sinto intenso prazer. Há quem diga que se trata de prazer sexual. Se for, tanto melhor. E vamos vivendo tal gênero de amor.

terça-feira, abril 13, 2021

Trepadeira

Deixe guardar no meu bolso, ele disse, notando meu desconforto. Não gosto dessas coisas, falei sem alternativa, foi você que teve a ideia. Estávamos no seu carro, um veículo largo, bonito, ele ao volante, tinha parado junto ao último poste da orla, de onde se podia descer à beira do mar ou caminhar à direita, para um local da praia que se mostrava quase selvagem. Nós temos minha casa, a tua, não entendo por que você quer aqui, no meio do nada, um desconforto. É a oportunidade, você não acha um tanto excitante?, ele. Nada disso, sou conservadora, você me conhece. Então, voltou ele à iniciativa, por que você tirou a calcinha? Ah, fiz uma fisionomia de vítima, foi você quem pediu, você sempre a me desafiar, a dizer que eu gosto de situações extravagantes, mas não é verdade.

Arrastou-me para perto de si, o vestido subiu mais um pouco deixando minhas coxas de fora. Espera, espera, por favor, assim vai estragar minha roupa, custou caro. Pronto, está satisfeito?, eu disse depois de tirar o vestido e colocá-lo no banco traseiro. Deslizou as mãos sobre o meu ventre, tentou beijar o bico dos meus seios, um após o outro. Assim, está bom, falou. Já pensou se surge alguém?, expressei meu temor olhando para um lado e para o outro. Está escuro,  já é tarde, pareceu entender minha preocupação. O homem era forte, levantou-me, como se eu fosse uma pena, e posou-me atravessada, sobre seu colo, ele ainda vestido. Você não tem coragem de ficar pelado, ri depois da última palavra. Homem nu é muito feio, rebateu. Não acho, adoro homens nus. Ah, sabia, você gosta de todos os homens nus, não apenas eu. Claro, gosto de me divertir, você é mais um deles. Riu, beijou-me. Vá entender as mulheres, acabou sussurrando no meu ouvido enquanto deslizava uma das mãos descendo as minhas costas. Põe o peru para fora, vai, você está me deixando a mil. Meu peru desapareceu, ele disse, e apertou minhas nádegas, fez que meus seios roçassem sua blusa. Oh, desapareceu, como isso é possível, fiz ar de surpreendida, então vou sair correndo pela praia, quero um homem que tenha um peru, e um peru bem grande. Desci a mão direita para o fecho da sua calça e o abri, afastei-me de seu colo e mergulhei a boca sobre seu seu pênis, que cresceu mais ao sentir minha língua. Lembrei Olga, uma amiga que já não morava na cidade. Certa vez, para criar surpresa, enquanto chupava o sexo do namorado, numa situação muito parecida com a que eu estava, abriu de repente a porta do automóvel e pulou fora. O homem quase morreu do coração. Venha me pegar, ela gritou. E desceu à areia da praia. Ele demorou a pegá-la. É o que dá namorar mulher quinze anos mais nova. Eu ali, no entanto, não agiria destemperada. O que desejava mesmo era aquele peru imenso dentro de mim. Amor, vamos para casa, você tem razão, vamos trepar numa cama, alertou. Nada disso, agora quero aqui, você inventou isso, tem de assumir. Abri as pernas, um tanto desajeitada sobre ele, o volante a roçar minha bunda. Deve ser bom dirigir com o traseiro, deixei escapar, enquanto tentava fazê-lo penetrar minha xereca. Às vezes tenho vontade de algumas ações perigosas, como fez Olga ao correr nua. Você já saiu nua da garagem com um namoradinho de ocasião, ele disse, enquanto eu saltava sobe seu peru. Garagem?, fiz que não entendia. Manobra direitinho, vai, manobra e estaciona o teu Mercedes dentro da minha buceta; já viu garagem mais confortável? Não demorou, o homem gozou. Que mela mela! Saltei pela porta do passageiro e fiquei agachada, ao lado do carro, esperando a porra do namorado escorrer para o chão terroso da parte alta da praia. Depois de alguns segundos, falei: me dá, amor, está no teu bolso, vai ajudar resolver a situação. O que está no meu bolso? Não lembra? Minha calcinha.

terça-feira, abril 06, 2021

Traição, um conceito, apenas

Outro dia um amigo apareceu e me convidou para tomar um café. Aliás, não era bem amigo, mas colega de trabalho. Conversei com ele várias vezes sobre um projeto, ele achou muito interessante, depois me convidou para tomarmos um café numa cafeteria próxima. Disse a ele que seria melhor convidarmos outras pessoas, irmos juntos e conversarmos sobre o próprio projeto. Ele concordou, mas a ida ao café acabou não acontecendo.

Faz uma semana, o mesmo amigo estava no metrô, voltava para casa. Encontrei-o na plataforma. Conversamos um pouquinho e embarcamos na mesma composição. Quando estávamos quase chegando à estação onde devia saltar, quase esqueci, foi ele quem me lembrou e, por fim, saltou junto comigo. O que você vai fazer aqui, perguntei. Vou andar um pouco com você, convidar você a um café, há um lugar ótimo aqui perto. Ele me convenceu a acompanhá-lo a uma cafeteria. Entramos numa que fica na Santa Clara. Que lugar bonito, eu tinha apenas passado pela rua e observado. Depois de sentarmos e fazermos nossos pedidos a uma garçonete de gravatinha borboleta, olhei meu amigo e senti uma ponta de prazer. Fazia muito tempo que eu não tinha um amigo homem, com quem pudesse conversar e trocar ideias. Ele parecia estar gostando muito da minha companhia. Depois que vieram nossos cafés e dois sanduíches, pensei jamais saí sozinha com um homem depois que me casei, acho que estou traindo meu marido.

Mudemos de parágrafo, para eu falar dele. Meu marido é uma pessoa importante, gerente de uma agência do banco do Brasil. É lógico que não é santo, conhece muita gente, inclusive muitas mulheres. Mas é a profissão dele, precisa encontrar quem compre os produtos do banco, como ele mesmo fala. Às vezes viaja, fica vários dias fora, e não sei o que ele esta fazendo. Mas, quanto a mim, não sei agir da mesma forma. Sou uma mulher fiel, jamais o traí. Sei que toda mulher acha alguns homens atraentes. Mas o que meu marido me proporciona, tenho certeza de que nenhum deles é capaz.

Meu amigo diante de mim, no café, sorria, sorria e bebia seu expresso. Falava alguma coisa, poesia e romances, sei que as pessoas dizem ah isso é literatura, não é verdade, mas o que é a verdade, ele perguntava. O que é a verdade?, e eu não tinha pensado nisso. A verdade precisa das palavras, ele continuava e ninguém melhor do que os escritores para manipulá-las, sobre tudo os ficcionistas. A ficção não tem compromisso com a verdade, por isso os romancistas se sentem bastantes confortáveis com suas histórias, já os historiadores, os memorialistas, os escritores da área do direito sentem vontade de inventar alguma coisa para acertar suas ideias, no momento em que escrevem, porque nenhuma formulação linguística é capaz de dar um sentido completo, apenas a do romancista, porque a formulação deste não tem essa intenção. Comecei a lembrar das histórias contadas por meu marido, histórias oriundas de suas viagens, muitas lacunas, etc. e tal e o que aconteceu depois? Estamos esperando resposta dos superiores, ele diz. Mas jamais ouvi o complemento. Meu amigo falava da incerteza da linguagem, de que somos seres incompletos porque a linguagem é incompleta. Nossa, vou enlouquecer, disse a ele, isso me apavora. Ele segurou minha mão, tome mais um gole de café, o café é a realidade fora da linguagem. Fiz o que me pediu. Ficamos a pensar, eu a querer voltar para a minha realidade com todas as explicações e enunciados. Mas seria possível? Toquei uma das mãos de meu amigo. Elas, tão suaves. Eu, meu marido, meu amigo, somos todos construções linguísticas, porque nos tratamos com as palavras. Impossível sair deste círculo. Talvez a saída seja quando nos tocamos. Aí, a traição pode se tornar também uma construção linguística. Aliás, pode nem ser mais traição, depende de como se conceitue o ato. Ah, meu amigo veio para me embaralhar. Agora, já não sei onde a porta que dá para a rua.