segunda-feira, abril 19, 2021

Gênero de amor

Acho o maior barato o passeio que meu amigo faz todas as manhãs de sábado. Como ele mora na zona sul, anda por toda a orla de Ipanema e do Leblon. Durante a caminhada, me envia mensagens sobre o dia, sobre como está a praia, conta alguma coisa engraçada e me deseja bom fim de semana. Muitas vezes, tais mensagens vêm acompanhadas de uma foto. Elas alegram o meu dia e me dão energia, torno-me então uma mulher cheia de otimismo e bom humor.

Numa dessas semanas precedentes, marquei come ele um encontro para um café, no centro da cidade, numa confeitaria bonita. Conversamos durante mais de uma hora e meia. Contei-lhe alguns episódios da minha vida. Quando tinha vinte e poucos anos, viajei à Bahia, fiquei hospedada numa pousada, onde conheci um canadense. Apesar de eu ter ido com duas amigas, acabei ficando o tempo todo com o homem. Namoramos. Foi ótimo. Nas minhas férias seguintes, resolvi ir ao Canadá, ao encontro dele. Mas, quando cheguei lá, as coisas não deram muito certo, não saíram como eu esperava. Ele, tão afetuoso aqui, tão desprendido; no seu país, não agiu da mesma forma. Não teve o mesmo afeto, até mesmo me fez pagar tudo o que consumi. Será que, ao estarmos no nosso país, somos mais severos com as pessoas? Não sei, mas foi o que aconteceu. E, olha, caso ele tivesse desejado, eu teria me casado com ele, teria largado tudo e partido ao Canadá, mais precisamente a Montreal. Lembro-me de que, no aeroporto, no momento de eu voltar, ele me cobrou três dólares, que havia me emprestado horas antes para eu tomar um café. Meu amigo ouviu a história e disse foi uma pena, poderia ter dado certo. Não sei por que há homens que são assim, agem de um jeito quando são turistas e de outro quando não, tornam-se autoritários, afirmei. Quando acabamos o café e as torradas, pagamos a conta e saímos, era a rua do Ouvidor. Caminhamos na direção da Uruguaiana, meu amigo me acompanhou durante o trajeto e conversamos mais um pouco. Depois que se foi, fui a uma loja de roupas, onde, mais cedo, algo me interessou. Quando voltei para casa, pensei muito na tarde agradável que tivera. Ele até quis pagar a conta, mas não aceitei. Eu inventei esta história de virmos tomar um café, logo tenho de pagar, ele disse. Aceitei o convite, portanto também preciso contribuir, respondi. Ele riu.

É bom ter amigos; quanto a esse então, nem se fala. Quando ele envia suas mensagens, coloco o fone de ouvido e vou para o meu quarto escutar, sozinha, longe da minha filha adolescente. A seguir, respondo, na maioria das vezes, gravo também a mensagem, e assim vamos vivendo. Sou apaixonada pelas pessoas e por muitas coisas, dei a entender. Ele parece gostar de mulheres assim, como eu.

Quando conheci o tal canadense, eu vivia outra realidade. Minha ousadia foi tanta, que entreguei-me totalmente a ele. Uma das extravagâncias daquelas férias foi ficar nua na praia. O litoral onde a gente estava, naquele tempo, não era tão frequentado, e eu quis agradar o recente namorado aceitando tudo o que pedia. Quando senti a água morna do mar envolver todo o meu corpo, confesso que a experiência me elevou à milésima potência. Depois, ele veio me abraçar, e ficamos os dois dentro d’água, agarrados um ao outro, eu esquecida de que ia nua tanto era o gozo. Ao visitar seu país, minha intenção era a mesma. Quem sabe, ele me tenha achado uma mulher vulgar. Quanto a dinheiro, jamais fui interesseira. Sempre tive o meu trabalho para poder comprar o que desejasse.

Hoje, vivo sozinha. Fico feliz quando tenho amigos, e este que me manda mensagens é de uma alegria e tanto. Os seres humanos são complicados. Melhor assim, o  encontro num café, o prazer de uma boa conversa, a troca de ideias. Uma aproximação saudável. À noite, deitada, ouvindo música, penso nele durante muito tempo. Sinto intenso prazer. Há quem diga que se trata de prazer sexual. Se for, tanto melhor. E vamos vivendo tal gênero de amor.

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