segunda-feira, junho 07, 2021

Só em sonho

O ônibus vinha com poucas pessoas, passava das dez da noite. Parou no ponto e eu subi. Tomara que não me olhem de frente. Não é normal, numa situação dessas, alguém olhar de frente. Além disso, tudo depende de mim, caso eu faça de conta que sou a pessoa mais vestida do mundo, ninguém vai reparar que estou nua. Já vivi a mesma situação outras vezes, e me saí salva, porque sã sempre fui. Uma pessoa que adora namorar é sempre sã. Minha amiga Aldinha é sujeita a escândalos. Você é boba, digo a ela, discrição, as pessoas gostam de discrição, os homens sobretudo, você pode namorar todos eles, basta que não conte segredos seus, segredos de mulheres pertencem a nós, boca fechada, aberta apenas para beijar e para algo mais, e mais uma coisa, mesmo que você saia nua, se não se precipitar ninguém nota, e dá enorme prazer! Entrei no ônibus, como imaginava, as pessoas me olharam, mas nada notaram, continuaram nos seus pensamentos, no meio sono de noite alta, enquanto o coletivo já ia pela rodovia estadual e se preparava para pegar a serra. Uma viagem à meia luz, era o que vivíamos. Num determinado ponto, o motorista deixa apenas poucas lâmpadas, já tarde da noite, melhor sempre o descanso. Cruzo as pernas, procuro na bolsa a chave de casa. Mas ainda estamos tão longe, por que penso numa chave? Talvez, a segurança, é preciso ter uma casa, um lugar onde se abrigar, entrar e sair sem ser percebida, deixar minhas coisas seguras. Às vezes, em meio ao caminho, sinto alguma inquietação. Alguém me perceberá?, alguém desvendará meu segredo. Até agora, não. Tudo corre bem. Houve certa vez o motorista. Seu sorrisinho debochado foi revelador; apenas nós dois no ônibus, parou num local que apelidaram recanto da onça. desceu na frente, sabia quem era a fera. Ainda bem, não contou a ninguém, e não aconteceu de novo. Ficou feliz com uma única vez. Este agora, já o conheço. Nesses distritos das alturas todos se conhecem, e ele  não gostaria de se ver envolto em problemas, pois tem mulher, filhos e vizinhos vigilantes. Todo homem sonha conhecer uma mulher discreta e silenciosa, que lhe dê prazer, que nada comente, sempre pronta ao amor, ou ao sexo, caso ele nunca tenha experimentado algo maior. Desço um ponto antes do final da linha, uma escuridão, a prefeitura não colocou iluminação nos postes de entrada. Melhor para mim, envolta em sombras, mais fácil o disfarce, desço rápida, a porta traseira ajuda, se ninguém notou minhas verdades na entrada, não notará na saída. Junto as pernas, a bolsa a tiracolo, a sandália de fivela. Dou o sinal, ele vai parar, não sei, dou mais uma vez, antes da entrada?, ele grita? Isso, sorrio de longe. Ele para. Eu corro e desço. Ainda bem, ninguém, como das outras vezes. Corro para casa e penso como foi possível a tal experiência, de embarcar nua em M, subir a serra dentro de um coletivo com meia dúzia de pessoas e ninguém nada notar, nem um sussurro, mesmo o chofer... Talvez, seja possível  apenas num sonho. Verdade. Muitas vezes sonhamos que andamos nuas pela cidade e ninguém nos repara, andamos e andamos, sentimos vergonha, mas ninguém olhando. Outras tantas vezes, pensamos que é sonho e está lá a pura realidade, nuinha. Como fui viver esta situação, onde deixei minhas roupas? Não sei.

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