quarta-feira, março 30, 2022

Fugidinha

Domingo de sol com o namorado. Bebemos refrescos com pedras de gelo. Ao longe, a praia. Olho o celular, uma mensagem. De um admirador. Não posso ler à vontade. O namorado aproxima-se, beija-me, acaricia-me, não tem a intenção de olhar o que me vem pelas antenas. Guardo o telefone. É o Alberto, tenho certeza, gosta de me enviar elogios nos dias de domingo.

Certa vez nos encontramos ao acaso e passeamos pela orla marítima a manhã inteira, eu não tinha compromisso naquele dia. Alberto me olhava, com seu jeito sedutor. Eu, calada. Como toda mulher, gosto de ser apreciada pelos homens. Ele sabia que nosso passeio era apenas pelo passeio mesmo, não poderíamos ir além. Em determinado momento, paramos e ele comprou sorvetes. Não sou muito de sorvetes mas, para agradá-lo, aceitei. Minha boca ficou muito vermelha. Morango é a tentação. Teve vontade de me beijar, em meio ao morango, à temperatura fria do sorvete e ao sol que nos enlouquecia o desejo. Passeamos e passeamos. Delicado, despediu-se no final do dia. Já tive namorados desse tipo, me comiam com os olhos e queriam me levar ao seu apartamento, ou mesmo a um hotel. Alberto, porém, nada falou. A gente se encontra por aí, qualquer dia desses, eu disse. Não mais o vi.

Agora, eu com o namorado e a mensagem de Alberto no celular. O namorado disfarça, tenta respeitar minha independência, mas sinto que o ciúme não lhe abandona. Nenhum homem quer sua mulher recebendo mensagens de outros homens, sejam eles apenas amigos ou mesmo parentes, querem a mulher apenas para si. Como conviver com isso? Vai à cozinha. "Vou pegar uma cerveja", diz. Consulto o celular? Não, não consulto. Ele volta rápido e vai me surpreender. O problema de ter compromisso com um homem implica inconvenientes. Como posso saber o que Alberto tem a me dizer? Deve estar na orla e lembrou-se de mim.

Vem-me à cabeça um domingo de outros tempos, um namoro não me lembro com quem. Estava eu na praia, final do dia, acabei na casa do homem. Acho que o lugar era Mangaratiba. Ou será que cheguei a trepar com Alberto naquele domingo? Não, não era Alberto. A trepada foi boa. O homem me tirou o biquíni e se pôs a me acariciar longamente. Tão longamente que cheguei a cochilar. Estava tão bom. Ao passar a língua sobre os meus lábios, despertei. Eu, nua às cinco e meia da tarde, numa casa de praia, com um homem que conhecera horas antes. Será que há outras pessoas na casa?, cheguei a me preocupar. Quando pensei nisso, senti o seu pênis a me penetrar. Suave, muito suave, escorregadio, abria todas as cancelas. Pingos de leite. Por que a lembrança agora, o que a mensagem de Alberto tem de ver com isso?

O namorado volta com a cerveja. “Você está bebendo refresco, mas tenho certeza de que vai me acompanhar na cerveja”. “Acompanho, claro”. Ainda bem, o pensamento, uma fugidinha. Eu, nos braços de outro, a pele lisa, morango com chantili não combina com cerveja. Engulo o morango.

quarta-feira, março 23, 2022

Essas mulheres mentem que só

Uma amiga contou uma história interessante. Há um homem que gosta dela, disposto a convidá-la aos melhores lugares e, até mesmo, a lhe fazer depósitos mensais na conta bancária. Ela, porém, não mais telefonou para ele. Por quê?, eu quis saber. Não diga pra ninguém, não porque eu não seja capaz de aproveitar tal situação, mas o motivo é que conheci outro homem. Continuei admirada. Minha amiga já namorou mais do que um, aliás, mais do que dois ao mesmo tempo. Mas, Valba (vamos lhe dar um nome), você já foi tão mais atirada... Ela voltou a contar sobre a situação, o novo namorado era um homão de quase dois metros, bonitos, de parar o trânsito (achei engraçada a expressão, tão antiga e usada para casos de mulheres bonitas). Não posso me arriscar, Célia, não posso perder o homem. Por que você o perderia?, não entendo, você sempre tão hábil, capaz de endoidecer todos eles. Valba me olhou com seriedade, não ficou calada: há fases da nossa vida em que temos que pisar no freio. A amiga mostrava-se hábil em metáforas automobilísticas. Ele é muito gostoso, jamais tive um homem assim, você sabe que os homens gozam muito rápido, deixam a gente na saudade, ele consegue se controlar, fica trepando durante horas, não imagina o tanto que eu gozo em uma noite ao lado dele, conto isso apenas a você, nada de espalhar por aí, podem me roubar o namorado. Nada disso, rebati, ele deve ser hábil em namorar mais do que uma ao mesmo tempo. Acabei deixando Valba em dúvida, chamei um Uber e fui embora, tinha um compromisso e já eram seis da tarde.

Depois que cheguei em casa, meu compromisso: o vizinho que vive batendo à minha porta às sete horas, dá boa noite e conta alguma coisa que lhe aconteceu durante o dia, no trabalho. Como surgiu a amizade, como tamanha intimidade? Não lembro, são essas coisas que acontecem na vida da gente e não temos explicação. Quando fui morar no prédio, ele já estava lá. Não se aproximou porque moro sozinha. Há outras mulheres como eu nos outros apartamentos. A preferência dele é por mim. Por outro lado, nunca tentou nada além de uma boa conversa. Já saímos diversas vezes, num sábado ou domingo, para um cinema ou um restaurante. No começo, fiquei desconfiada, achei que ele me levaria para cama. No entanto, nunca criou a oportunidade. Agora, acho que já não há clima para isso. Seria gay? Não. Uma mulher me parou na rua para me dizer que meu namorado é muito gostoso. Namorado?, repeti. Aquele homem que vive com você pra cima e pra baixo, já namorei com ele. Sorri, e não lhe disse a verdade, preferi que pensasse em namorados.

Não é um negão de dois metros, como o namorado de Valba, e não tem o aspecto de que vai trepar com uma mulher a noite inteira provocando-lhe orgasmos múltiplos. A conversa dele é sobre livros, peças de teatros e um ou outro filme.

Deu sete horas, ele bateu pra me cumprimentar. Hoje foi um dia especial, trouxe um presente pra você. Pedi que entrasse. Entrou e me deu uma caixa num papel cheio de flores. Chocolate belga, uma amiga acabou de chegar da Europa e me trouxe alguns presentes, achei que esse se encaixaria muito bem pra você. Sorri, com a caixa de bombons belgas nas mãos. Enquanto ele contava alguma história daquele dia, imaginei Valba na cama com o seu homão, gozando várias vezes. Imaginei Valba a receber várias propostas do homem que lhe levaria a vários lugares chique, que lhe faria depósitos bancários, que ela dispensou. Imaginei-a mastigando bombons belgas. Depois, disse a mim mesma, em pensamento, enquanto meu amigo arrematava sua história: Célia, essas mulheres mentem que só.

quarta-feira, março 16, 2022

E ela beijava tão bem!

Estava num restaurante, na Barão da Torre esquina com a Vinicius de Morais. Era domingo de carnaval. Um carnaval em suspenso por causa do Covid. A quantidade de pessoas tanto do lado de dentro quanto na calçada, onde conversavam em pequenos grupos e aguardavam uma mesa, era grande. Entardecia. Muitos vinham da praia. Homens, mulheres, alguns trazendo crianças, muitos rapazes e moças. Nas mesas, todos bebiam seu chope ou algum drink colorido. As mulheres, principalmente, vestiam roupas curtas, como biquínis ou cangas transparentes, que não escondiam corpos bem delineados.

Não sou do Rio, e sempre achei a cidade aberta a qualquer experiência no modo de vestir ou de ser, por isso eu trajava um maiô que me deixava com metade dos seios de fora, o tipo de roupa de banho presa por uma tira em volta do pescoço que, descendo, apresenta as laterais muito compridas, o que permite a apreciação da massa tão adorada pelos homens. Quando a garçonete nos indicou a mesa, recebi muitos olhares; depois, já sentada, não houve disfarce, tantos os homens acompanhados quanto suas mulheres se voltaram para mim. De certa forma, eu sorria em retribuição, como uma turista maravilhada à recepção calorosa. Já que não há carnaval, há as fantasias, pensei, não há problema eu incentivar. Acompanhavam-me duas mulheres jovens, mais ou menos da minha idade, e um homem, de seus trinta anos, ele estacionara o automóvel nas proximidades e chegara alguns minutos depois de estarmos sentadas.

Pedi um drink, como o faziam algumas pessoas, um coquetel de gim, com alguma fruta vermelha, que tinha como cobertura creme de gengibre. O coquetel aparentava ares de milkshake, só que era alcoólico.

Já comera muito durante o dia, naquele momento belisquei apenas dois pastéis de camarão. Depois de conversarmos sobre o dia, os prazeres da viagem, o apartamento onde estávamos instaladas, percebi que um certo pilequinho me avizinhava. Ah, era o gengibre. Tal raiz é afrodisíaca. Lembrei de uma amiga que fazia chá com ele quando esperava o namorado. É uma extravagância, ela afirmava, não tome isso sozinha. Eu, no Rio, com outras mulheres, e sem namorado. Como iria fazer? Dá-se um jeito, tentei me consolar.

Minhas amigas e o amigo comeram torresmo. Sério, de onde se faz torresmo? Sou urbana, desculpe a má pergunta. Da barriga do porco, alguém respondeu. Sempre achei porco um animal tão bonitinho, mas nada falei para não estragar a festa.

Ficamos no restaurante durante uma hora e meia. Eu, atirada, bebi dois do tal coquetel. Meu amigo tomou dois chopes. Vou ter de deixar o carro no estacionamento, afirmou. Não faz mal, disse uma das moças, vamos até a Farme de Amoedo, fica aqui perto e é uma rua muito divertida.

Eram nove da noite quando seguimos pela Vinícius, atravessamos a Visconde de Pirajá, dobramos à esquerda e caminhamos até a Farme. O ar noturno, que vinha da orla marítima, me animou. Minhas amigas observavam as pessoas e faziam comentários. Ao chegarmos à esquina da nossa rua pretendida, havia muita gente conversando na beira do meio fio. Muitos seguravam garrafinhas de Heineken, outros fumavam. Homens conversavam com homens, mulheres com mulheres. Percebi, então, que se tratava de um ponto turístico gay, um dos mais famosos do Rio de Janeiro. Saiu numa revista americana que este lugar está entre os cem melhores do mundo, onde os homossexuais podem se sentir à vontade. Caminhamos até um aglomerado de gente na porta de um dos bares. Muitas mulheres conversavam em inglês; adiante, alguns homens também trocavam palavras na mesma língua. O que vamos fazer aqui?, perguntou uma das amigas. Quem sabe, respondeu outra, não viemos para arranjar namorado nem namorada, ela mesma continuou; mas, às  vezes, descobre-se alguma coisa nova. Uma das americanas veio até a mim, olhou meus seios quase de fora e disse Uau, you are in the right place. Tacou-me, então, um beijo na boca. Nem fiz menção de escapar. E ela beijava tão bem!

quarta-feira, março 02, 2022

Nem algodão nem cola

O carnaval é uma festa de prazer, inventamos tantas coisas boas, depois sentimos falta. No último, antes do Covid, vivi uma situação muito engraçada. Ao recordá-la, hoje, morro de rir.

Vestida apenas de biquíni (quem me conhece, já sabe o tamanho; os outros, imaginem) e com dois pequenos pompons de algodão colado nos bicos dos seios, fui desfilar num bloco que saía domingo, na General Osório. O desfile começava em torno das cinco da tarde e durava mais ou menos duas horas. O bloco costumava contornar a praça, seguir por uma rua lateral e entrar na Vieira Souto; dali, avançava até a Joana Angélica, quando então dobrava à direita e voltava pela Visconde de Pirajá. Porém (sempre há um porém na minha vida, ainda bem), aconteceu-me um problema. Logo no início do desfile, antes de entrarmos na orla, alguém veio me avisar que o pompom que cobria o meu seio esquerdo tinha se soltado e eu estava nua. O que há de mau nisso?, perguntei, o algodão já não cobria mesmo quase nada. Continuei dançando. Mas o pessoal da organização veio conversar. Um homem me pediu, com toda a educação, que vestisse a camiseta do bloco, porque ali havia crianças desfilando, não ficava bem para a agremiação apresentar cenas de nudismo às cinco da tarde. Não discuti, vesti a camiseta e continuei a dançar. Muitas pessoas, que assistiam ao desfile, ficaram aborrecidas, queriam continuar a ver-me nua, ao menos pela metade. Azar o delas, eu tentava me desculpar, nem tudo na vida sai como a gente deseja. Desfilei e me diverti muito.

No final, quis devolver a camiseta, mas o homem disse que eu poderia guardá-la, todos os integrantes tinham direito ao tal brinde. Quem me quer como brinde? Gracejei.

Continuei com meu biquininho, entre os amigos, bebia cerveja com eles. Depois de alguns minutos, lembrei-me de que poderia restaurar a minha fantasia original. Colei novos maços de algodão nos seios e pude ficar, novamente, nua. Os homens passavam só para me admirar. Eu fingia que a fantasia era a coisa mais normal do mundo.

Então, aconteceu o inesperado. Um grupo de travestis veio a mim. Todos estavam muito bem fantasiados, ao contrário do que eu apresentava. Você vem com a gente, por favor, precisamos de uma mulher, e bem nua!, exclamou um deles sorrindo. Bem nua?, repeti rindo. Isso mesmo, assegurou. Tomou-me pelo braço e cochichou-me um segredo. Aceitei o convite, mas fiquei temerosa de ter problemas. Garantimos, há toda a segurança do mundo. Você vai fazer o maior sucesso, disseram; não é de graça não, viu, ainda vai ganhar um cachê.

Fui com eles, um baile no Joá, como nos velhos tempos. Você sabe, mulher tem mais liberdade do que nós, segredou-me outro trans. Olhe o que vocês vão me aprontar, disse e caí na gargalhada.

Na festa, eles faziam parte de uma alegoria. Trocaram de fantasia, vestiram roupas super extravagantes, mínimas, tornaram-se mais nus do que eu. Como não eram mulheres, não lhes era permitida a nudez total. Aqui, é que entro em cena. Na primeira apresentação, apareço dançando no meio deles, com uma camiseta, apenas; na segunda, o biquininho, os chumaços de algodão e uma fita a me rodear o pescoço, uma espécie de colar comprido, cor de rosa, com enfeites aqui e acolá. Depois da meia noite, houve o show principal. As trans entravam dançando quase nuas; a seguir, era a minha vez. Uma delas, depois de duas músicas, vinha até a mim e descolava os algodões; depois, vinha outra e me roubava o biquininho; uma outra despia-me da fita cor de rosa e arremessava ao público delirante. Muitos homens me apontaram a lanterna do celular, tentavam, inutilmente, descobrir onde eu escondia o meu pênis! E não precisei de algodão nem cola.