quarta-feira, março 02, 2022

Nem algodão nem cola

O carnaval é uma festa de prazer, inventamos tantas coisas boas, depois sentimos falta. No último, antes do Covid, vivi uma situação muito engraçada. Ao recordá-la, hoje, morro de rir.

Vestida apenas de biquíni (quem me conhece, já sabe o tamanho; os outros, imaginem) e com dois pequenos pompons de algodão colado nos bicos dos seios, fui desfilar num bloco que saía domingo, na General Osório. O desfile começava em torno das cinco da tarde e durava mais ou menos duas horas. O bloco costumava contornar a praça, seguir por uma rua lateral e entrar na Vieira Souto; dali, avançava até a Joana Angélica, quando então dobrava à direita e voltava pela Visconde de Pirajá. Porém (sempre há um porém na minha vida, ainda bem), aconteceu-me um problema. Logo no início do desfile, antes de entrarmos na orla, alguém veio me avisar que o pompom que cobria o meu seio esquerdo tinha se soltado e eu estava nua. O que há de mau nisso?, perguntei, o algodão já não cobria mesmo quase nada. Continuei dançando. Mas o pessoal da organização veio conversar. Um homem me pediu, com toda a educação, que vestisse a camiseta do bloco, porque ali havia crianças desfilando, não ficava bem para a agremiação apresentar cenas de nudismo às cinco da tarde. Não discuti, vesti a camiseta e continuei a dançar. Muitas pessoas, que assistiam ao desfile, ficaram aborrecidas, queriam continuar a ver-me nua, ao menos pela metade. Azar o delas, eu tentava me desculpar, nem tudo na vida sai como a gente deseja. Desfilei e me diverti muito.

No final, quis devolver a camiseta, mas o homem disse que eu poderia guardá-la, todos os integrantes tinham direito ao tal brinde. Quem me quer como brinde? Gracejei.

Continuei com meu biquininho, entre os amigos, bebia cerveja com eles. Depois de alguns minutos, lembrei-me de que poderia restaurar a minha fantasia original. Colei novos maços de algodão nos seios e pude ficar, novamente, nua. Os homens passavam só para me admirar. Eu fingia que a fantasia era a coisa mais normal do mundo.

Então, aconteceu o inesperado. Um grupo de travestis veio a mim. Todos estavam muito bem fantasiados, ao contrário do que eu apresentava. Você vem com a gente, por favor, precisamos de uma mulher, e bem nua!, exclamou um deles sorrindo. Bem nua?, repeti rindo. Isso mesmo, assegurou. Tomou-me pelo braço e cochichou-me um segredo. Aceitei o convite, mas fiquei temerosa de ter problemas. Garantimos, há toda a segurança do mundo. Você vai fazer o maior sucesso, disseram; não é de graça não, viu, ainda vai ganhar um cachê.

Fui com eles, um baile no Joá, como nos velhos tempos. Você sabe, mulher tem mais liberdade do que nós, segredou-me outro trans. Olhe o que vocês vão me aprontar, disse e caí na gargalhada.

Na festa, eles faziam parte de uma alegoria. Trocaram de fantasia, vestiram roupas super extravagantes, mínimas, tornaram-se mais nus do que eu. Como não eram mulheres, não lhes era permitida a nudez total. Aqui, é que entro em cena. Na primeira apresentação, apareço dançando no meio deles, com uma camiseta, apenas; na segunda, o biquininho, os chumaços de algodão e uma fita a me rodear o pescoço, uma espécie de colar comprido, cor de rosa, com enfeites aqui e acolá. Depois da meia noite, houve o show principal. As trans entravam dançando quase nuas; a seguir, era a minha vez. Uma delas, depois de duas músicas, vinha até a mim e descolava os algodões; depois, vinha outra e me roubava o biquininho; uma outra despia-me da fita cor de rosa e arremessava ao público delirante. Muitos homens me apontaram a lanterna do celular, tentavam, inutilmente, descobrir onde eu escondia o meu pênis! E não precisei de algodão nem cola.

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