quarta-feira, outubro 12, 2022

Repasto

Eu estava louca para transar com alguém, já fazia meses sem namorado. Lembrei-me de um amigo com quem saí algumas vezes. Ele era gostoso. Telefonei. Alô, Sérgio, como vai, posso ir a tua casa? Não pareceu surpreso com minha súbita aparição. Apenas quis saber a que horas e se era no mesmo dia. Sim, de preferência, afirmei, posso estar aí daqui a uma ou uma hora e meia. Consentiu. Percebi, pela voz que gostara da minha intromissão. Arrumei-me. Coloquei uma bermudinha de jeans e uma camiseta, já que estava calor. Uma pequena sacola no ombro e, nos pés, um tênis branco. Peguei um livro que jazia sobre a mesa. Não vou chegar lá em trinta minutos. Já me oferecia, e me entregar em poucos minutos seria vulgar. Resolvi controlar o meu fogo. Pousei a bolsa no pequeno sofá e resolvi ler algumas páginas do livro que carregava naqueles dias. Assim, passaria a tal uma hora ou uma e meia, como havia combinado.

O tal romance tinha uma mulher que arranjara um homem quarenta anos mais velho. Nada a ver comigo, porque o tal com quem marquei era mais ou menos da minha idade. Isabela conhecera o senhor e ganhava dele alguns benefícios. Só que era casada, e estava com dor de consciência em relação ao marido. Tão bom, tão fiel, tão responsável com as obrigações de casa. Ela trabalhava num mercado, e o recente enamorado vinha todos os dias vê-la, presenteá-la e convidá-la para sair. No capítulo em que eu estava, ela saía com ele pela primeira vez. Dissera em casa que faria horas extras. Na verdade, não estava mentindo, porque não revelara onde. Do trabalho, ele a presenteou com um maravilhoso almoço num  restaurante da moda. Isabela não estava acostumada com tanto requinte. Ainda bem que estamos longe do meu local de trabalho, ela pensava, aqui ninguém me conhece. Ela tremia dentro da roupa. Será que depois ele vai querer me levar para cama? Não, por favor, hoje não estou preparada. Comeram, beberam uma garrafa de vinho. Ela, altinha. Pôde pedir o que bem desejasse, o cardápio era vasto e pleno de comidas muito gostosas. A mulher achou que não seria honesto pedir pratos muito caros. Foi comedida. O autor descreveu a decoração do local, os detalhes de cada prato, o sorriso do senhor enamorado e a face estupefata de Isabela. Levei algumas páginas; a comida, tão bem descrita, me coçava a boca. Quando acabaram, ela pediu para ir ao toalete, e lá ficou por bons quinze minutos. Não estava se sentindo mal, nem necessidade alguma, apenas mais tremores, já que se aproximava a hora de partirem. Quando voltou à mesa, ele tomava um café. Para não me alongar, conclusão do episódio: após o almoço, ele perguntou se ela desejava ir a algum lugar especial. Respondeu não, nada tinha em mente. Ele dirigiu um pouco pela orla marítima, mostrou algumas vistas interessantes e depois perguntou onde poderia deixá-la, ou mesmo se queria que ele a deixasse à porta de casa. Após saltar, junto a uma estação de metrô, Isabela sentiu falta dos tremores de momentos atrás.

O relógio já anunciava que eu devia partir. Não queria ficar na saudade, como Isabela. Minha vontade era trepar, o máximo que pudesse. Então, vou ao homem. Coloquei o livro dentro da sacola, saí ao corredor e desci para a rua. Duas esquinas e o ponto do ônibus. Quando desci, já nas proximidades da rua onde morava, reparei que passava uma hora e vinte desde o meu telefonema.

Subi a pequena ladeira, que era a rua onde ele morava. Uma ladeira, digamos assim, amena. Meu amigo me esperava à porta do prédio, o último da rua, depois uma escada, acho que dá em Santa Teresa. Beijou-me as faces e me convidou a entrar.

Logo que ultrapassei a porta de entrada do apartamento, senti uma vontade louca de ir ao banheiro. Posso ir ao toalete, por favor? Apontou a porta. Lá dentro, tive de me apressar. Abaixei a calça, a calcinha e comecei a despejar quase tudo que tinha dentro de mim. Ai, que vergonha, telefono para o homem, quero trepar com ele e, ao chegar a sua casa, o que me acontece? Uma dor de barriga atroz. A personagem do livro que eu lia comera tanto e nada sentira. E eu me sentindo mal por ela! Depois dizem que a literatura não tem poder. Quando terminei, dei a descarga e ainda permaneci uns minutos trancada no banheiro. Temia que o cheiro extrapolasse a porta do pequeno recinto. Enquanto aguardava, tive a ideia. Tirei toda a roupa, toda mesmo, ainda a calcinha e sutiã. Pendurei-as no espeto da toalha. No local, estava apenas a toalha de rosto, insuficiente para o meu corpo. Deixei o toalete. Apenas a sacola a tiracolo e nos pés, o tênis. Caminhei à pequena sala e me sentei no canapé. Era a mulher mais vestida do mundo. Ele me olhou com entusiasmo. Não esperava tal atitude de minha parte. O que a personagem do livro temia, ou tremia dentro da roupa, eu desejava. Em pelo.

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