quinta-feira, outubro 29, 2009

Tara

Sou bonita, saibam, sou muito bonita. Já fui convidada várias vezes para ser modelo. Mas não é o meu desejo. Tenho outros ideais, acho que mais amplos. Há uma coisa, porém, que gostaria de contar. É um segredo. Nunca disse a ninguém. Hoje vou revelar. Alguns que já me conhecem vão surpreender-se: tenho uma tara. Isso mesmo, uma tara. Será que cada um não tem a sua? Todo ser humano tem um ponto fraco, e esse ponto pode ser sua tara. Vamos à minha.

Outro dia arranjei um namorado. Há quanto tempo não tinha um! Não por falta deles, mas porque estava ocupada com outros afazeres. Ele, o namorado, apaixonou-se imediatamente. Vive telefonando-me, quer encontrar-me todos os dias. Faço seu desejo. É bom, não é mesmo? Quantos não almejariam ter seus desejos realizados por uma mulher excepcionalmente bonita. Mas voltemos à minha tara. Um dia desses tentei fazer que ele a percebesse. Não sei se consegui. Nada falei. Saímos. Passeamos. Era um dia de primavera. Vesti uma calça justíssima e tênis. Para fazer o coração dele bater mais forte, coloquei um top bem pequeno, quase um sutiã. Nada por cima. Queria meu homem vidrado nos meus seios. Fomos ao Pontal. Tinha pouca gente lá, o dia não estava ensolarado; um sol tímido, quase branquinho, um ventinho que arrepiava.

“Tire umas fotos minhas”, passei-lhe a máquina.

Fiz a pose e começou a clicar. Sou mestra em fazer poses, cada uma mais linda do que a outra, imaginem. Aquele top, a calça colada ao corpo e o tênis branco me deixavam exuberante. Fez mais algumas fotos, a maioria com o mar atrás. Então resolvi ousar, quis surpreendê-lo, ou mesmo assustá-lo. Virei de costa, desatei o top e voltei-me a ele com os seios nus. Arregalou os olhos:

“Olhe, há outras pessoas!”.

“Não há problema, elas não vão ficar aborrecidas por causa disso.”

Pedi que fizesse outras fotos. Sentei-me nas pedras, levantei-me, fiquei de perfil. Para as últimas, arremessei o sutiã a ele:

“Guarde na bolsa, por favor.”

“Mas...", tentou retrucar; apenas tentou, não conseguiu.

“Vamos, não esmoreça, continue clicando!”.

Tirou mais uma dezena de fotos. Quando acabou, abracei-o.

“Não vai vestir-se?”

“Espere, não há pressa, está tão bom assim.”

Fiquei coladinha a ele, beijei-o na boca; depois, apoiei-me em seu ombro. Ainda andamos um pouco lado a lado, fomos até a extremidade do Pontal, onde se sentem na pele alguns respingos do mar. Num momento de mais arrepio, grudava-me de frente ao meu namorado. Foi um domingo tão bom, tão gostoso, enfim, ótimo; nada a reparar. Mais uma coisa: não voltei ao top. Apenas à tardinha, na hora de descer do carro, já à porta de casa, recuperei-o ao corpo.

Ah, minha tara...

quinta-feira, outubro 22, 2009

Das duas às cinco da madrugada são as horas mais seguras

“A nudez é coisa para os jovens!”

Como ele gosta de me ver nua! Gosta mais de me deixar nua. É bom fazer amor depois das fantasias que ele inventa.

Eu e meu namorado descobrimos algo inusitado: das duas às cinco da madrugada são as horas mais seguras. Eu posso sair nua no carro, ao seu lado; não há ninguém para nos molestar. Apenas as sombras e o braço dele a me envolver, o tecido de sua blusa a roçar meu corpo. Na primeira vez, ainda trêmula, temendo algum imprevisto, levei uma canga; na segunda, deixei-a na garagem; na terceira, saí nua. Tranquei a porta de casa e pendurei o cordão com as chaves, no pescoço. Senti um friozinho na barriga, mas depois me tornei a mulher mais corajosa do mundo. Ele morria de tesão ao me ver naquele estado. Com o correr das semanas e dos meses, já não vivíamos sem aqueles momentos. Uma relação convencional, sobre a cama, eu envolta em lençóis, só se antes tivéssemos praticado nossa fantasia. Às vezes trepávamos na rua mesmo. Dentro do carro ou fora; eu, encostada numa árvore.
Nunca disse nada a ninguém. Acho que não acreditariam. Caso algum amigo tocasse em assunto mais ousado, dava a sugestão: “pergunte a sua namorada se ela não gostaria de sair nua, de madrugada?” Tenho certeza de que quase todas as mulheres vão se apressar em dizer não. Depois, no entanto, sentirão a pulga atrás da orelha. A pergunta vai martelar durante alguns dias, vai transformar-se num desafio. Enfim, ela mesma vai tocar no assunto. Caso tenha sido verdadeira a proposta do namorado, acabará aceitando. Primeiro timidamente, a seguir tomará coragem e será difícil detê-la. O romance passará a ter nova face; a mulher sentirá a paixão maior e estará sempre pensando nele; ele, nela.

Se me perguntam se já pratiquei minha própria sugestão, respondo com outra pergunta: “o que você acha?”, e não digo mais.

Um dia desses fomos um pouco além. Quando voltávamos, pedi para dirigir. Nua. Como foi bom! Ao parar defronte da garagem, quis que fizesse amor comigo ali mesmo, que subisse sobre meu corpo no próprio banco do motorista. Tento ser discreta, não posso, porém, negar: como senti prazer... Quando acabamos, saí do carro e fui abrir o portão da garagem.

Caso vamos a alguma festa, jantar, ou caso tenhamos assistido a algum espetáculo e ainda estamos na rua durante a madrugada, tenho uma sacola para guardar as roupas que sei que vou tirar. Coloco-as na mala do automóvel. Não quero pano algum junto a mim. Meu bumbum se esparrama no assento do carona, relaxo o corpo e deixo que as mãos de meu homem me percorram o corpo. Não há nada melhor.

Ia esquecendo: ainda há as fotos. Cada uma mais linda do que a outra. Eu sempre nua, poses sutis, de arrepiar. Ah, como são boas essas máquinas digitais!

quinta-feira, outubro 15, 2009

Obra de arte

Meu namorado, com essa mania de querer me ver nua em todo e qualquer lugar, falou:

“Agora, Margarida, pode tirar, não há ninguém por perto.”

Estávamos numa galeria de arte, em Ipanema, numa quinta-feira, às cinco da tarde.

“Mas aqui?”, ainda tentei contrapor.

“Aqui, e rápido.”

“Você não acha arriscado?”

“Não. E vamos fazer uma foto. Vai ficar ótima. Vamos distribuí-la para todos os jornais.”

“Ok, se é assim que você deseja...”

Rápida, tirei a saia.

Não satisfeito, retirou um dos quadros da parede e me deu para que eu o segurasse.

“Pegue-o apenas por uma das extremidades. Apesar de ser de um pintor famoso, ninguém precisa identificá-lo.”

Fiz o que me pediu.

O interessante não foi apenas meu corpo seminu, mas o cenário. Uma parede apenas em tijolos, sem reboco algum – fazia parte da decoração –, uma janela ao fundo deixava entrar um pouco de luz.

Por instantes, pensei que um dos seguranças pudesse entrar e me surpreender: blusa curta, salto alto, sustentando de modo frágil a pintura que vale milhões de euros. Mas, para minha sorte, ninguém apareceu. Meu namorado clicou e a foto é essa aí, muito interessante, acho que mais do que a pintura do famoso artista.

Todos acham que apareço exuberante, sensual. Perguntam: “onde você se deixou fotografar? Ficou tão bonito. Jamais vi alguém, nem mesmo uma modelo dessas famosas, em tão atraente situação.”

Não era minha intenção falar que posei nua numa galeria de arte, escondida, e morrendo de medo que aparecesse alguém.

Meu namorado, no entanto, resolveu dar o alarme. Não aquele que acusa roubo de obras de artes. Mas outro; enviou a foto para o Le Monde. Apareci nas páginas europeias. Um especialista sobre o pintor, cujo quadro eu sustinha pelas pontas dos dedos, identificou a obra. Era de um acervo francês. Como pôde acontecer aquilo? O quadro nas mãos de uma mulher irreverente, na galeria para onde fora emprestado através de um intercâmbio cultural?

Escândalo internacional. O quadro correndo o risco de ser roubado, ou mesmo destruído, uma perda para o patrimônio cultural da humanidade. E, ainda, a afronta: a mulher estava nua.

Aliás, depois que se salvaram todos, inclusive o patrimônio universal, acharam a mulher muito elegante, apesar de não tão jovem; até houve quem ressaltasse a delicadeza com que segurava o pintor famoso.

Puseram-se a discutir o que valia mais: a obra ou a mulher?

sexta-feira, outubro 09, 2009

Boa Fortuna

Passáramos toda a noite juntos, meu namorado e eu. Estávamos na ponta da praia, em Geribá. Sutis manchas num dos lados do céu anunciavam a despedida da noite. Eu, só de calça jeans justíssima, de sapatos de salto, mas sem a blusa, que ficara no carro. Era desejo dele me ver seminua. E eu bem que gosto de andar assim. Passeávamos olhando o mar, distantes de qualquer marco da civilização. Em algum momento tirei os sapatos e, segurando-os em uma das mãos, pusemo-nos a caminhar sobre as areias da praia indo até a beira d’água. Ele me abraçou, me beijou, apertou-me junto a seu corpo musculoso. Ficamos ali parados, a namorar, por muitos minutos. Quando a manhã já ofuscava o piscar das últimas estrelas, caminhamos na direção do calçamento.

“Vou pedir a você mais uma coisa.”

“Pois, peça, sou toda realização.”

“Quero acreditar”, falou.

“Peça; prometo cumprir.”

“Então, ouça, vou pegar o notebook no carro, quero que escreva agora uma história para mim, desse jeito que você está.”

“Mas não consigo escrever com ninguém olhando.”

“Dou umas voltas enquanto você escreve.”

“Vais me deixar sozinha?”

“Sozinha e nua. E quero a história em tempo real.”

“Tempo real? Mas sou tão perfeccionista...”

“Você prometeu que cumpriria meu pedido. Volto após ler a postagem.”

“Está bem, vou tentar; mas onde você vai enquanto escrevo?”

“Dou umas voltas.”

Foi ao carro, apanhou o computador, entregou-mo, beijou-me e se foi.

Bandido, não é que foi passear de carro e me deixou aqui de peito de fora?

Aí vai a história.

"A Beatriz quis fazer uma surpresa para seus amigos e amigas; como adora festas e vinha prometendo uma especial desde o ano passado, resolveu reunir o grupo que não se encontrava havia algum tempo. Convidou todos para passar o domingo em sua casa. A casa da Bia é ótima, há um espaço enorme, e divertimentos para todos os gostos. Mas logo que fomos chegando ela alertou, principalmente a nós, mulheres: 'meninas, comportem-se, haverá hora para tudo'.

Tomamos banho de piscina, bebemos, comemos, cantamos, dançamos e, depois das quatro, apresentamos um espetáculo especial.

A idéia que ela teve surpreendeu não só a eles, mas também a nós.

Vestimos nossos menores biquínis e nos preparamos para enfrentar umas às outras numa piscina cheia de gel. Era como se diz por aí, luta no gel. Tiramos as duplas e fizemos um trato. Cada combate duraria no máximo dois minutos. Ganharia a que conseguisse fazer a oponente entregar os pontos. Acredito que ao assistir a lutas desse tipo, todo homem gostaria de ver uma das competidoras arrancando o biquíni da outra. Mas combinamos que, caso isso acontecesse, a participante seria desclassificada.

Nunca imaginei o que poderia ser esse tipo de enfrentamento. Fiquei melada até as entranhas. Meu biquíni entrou todo e a todo o momento eu tinha que esconder um dos seios. Ganhei a primeira e a segunda luta, mas na terceira, caí de bruços e fui imobilizada de uma forma que cheguei a engolir gel. Então fui derrotada. Lutar nessas condições nem adianta ter noções de qualquer tipo de artes marciais, porque o principal problema é que não há onde se apoiar. Somente quando se derruba a rival e se está por cima é que se tem alguma condição de agir. Mas logo a situação pode se reverter, com a outra pessoa escorregando e pulando sobre você. Os rapazes gritavam, excitadíssimos.

Quando tudo acabou, estávamos tão meladas que os convidamos para nos tentar segurar. Uma das moças ainda disse: 'isso não vai dar certo'. Lógico que a primeira coisa que eles pensaram foi tirar nossos biquínis. Uma vez que estávamos escorregadias, a ação deles não se deu com tanta facilidade. Depois de algum tempo, com o corpo já ressecado em alguns pontos, tudo se tornou mais fácil. Aí, pouco a pouco, nos deixaram nuas.

A casa da Bia fica num condomínio fechado e, além disso, um muro alto de hera impede que estranhos observem quem está no quintal. É lógico que, com todas as mulheres peladas, pode-se imaginar o que aconteceu. Mas ninguém reclamou; tanto para eles quanto para nós, foi um domingo muito divertido. E prazeroso."

Meu Deus, já passam das seis, e meu namorado não volta. Uma pessoa já apareceu, distante ainda, mas pouco a pouco se aproxima. A única coisa que posso fazer é sentar, abraçar o notebook, juntar os joelhos pontudos e recuar os calcanhares até que toquem minhas nádegas.

Mas não faz mal ser surpreendida. Pensando bem, azar é o dele que não volta. Dizem que quando uma mulher é flagrada nessas circunstâncias, significa boa fortuna.

Que, então, venham! O desconhecido e a fortuna!

sábado, outubro 03, 2009

Fingirei rubor

A noite foi ótima; agora estou envolta em sedas e lençóis, o dia já amanheceu. Ele trouxe-me ao hotel quando a noite já entrava pelas horas. Namoramos apaixonados. Tirou toda a minha roupa, depois abriu o champanha. Bebemos e comemos pequenos canapés, sentados em torno da pequena mesa da suíte. Eu, de pernas cruzadas, confortável, falando sobre os mais diversos assuntos e nem dando à mostra que estava em pele. Da mesma forma, ele fez de conta não me reparar sem as roupas. Conversava sobre os assuntos mais sérios, inclusive sobre filosofia. Eu correspondia atenta, perspicaz. Não representávamos, éramos nós mesmos. Após bebermos todo o líquido espumante, delicioso, aproximou-se. Pôs-se a percorrer com a ponta dos dedos minha cútis macia. Ainda conversava, fazia-se inocente ante a minha nudez. Fui eu quem o atraí. Peguei-o pelo pescoço e aproximei sua boca da minha. Um longo beijo foi suficiente para silenciar nossas vozes e deixar fluir o murmúrio da madrugada, que se misturava ao rumorejo do mar. Levantamo-nos. Você já namorou de pé, nua por inteiro? Creio que toda mulher já viveu essa experiência. Como ele é maior do que eu, seu sexo teve alguma dificuldade para encontrar o meu. Procurei facilitar as coisas. Sussurrei todo o meu ardor, arfei de amor. Ele, delicado, explorou-me, desvelou minhas sutis reentrâncias, deslizou sobre minhas elevações e mergulhou em meus líquidos, qual outra taça do champanha. Deitamo-nos. Alternando posições percorremos as trilhas escorregadias do amor. Falei um poema. Nada de derramamentos. Fala enxuta, escorreita, seca em adjetivos, plenas de substâncias primevas. Não deu trégua aos meus seios. Creio que em todo o meu corpo é do que mais gosta. Derramou-se, deleitou-se. Tornamo-nos com o inexorável caminho escuro das horas dois seres extáticos.

Dormimos.

Ao acordar, já não estava a meu lado. Deixou-me ainda envolta nas sedas finas do hotel de estilo francês; sobre a cama macia, o travesseiro digno de uma princesa proustiana. As princesas de Proust submergem a amores travessos, disfarçam, fingem-se virgens, mas, por baixo das saias, ardem, mesmo que os amantes sejam nobres postiços.

As ondas da praia em frente rumorejam com mais intensidade do que durante a noite, a manhã vai cinza. Haverá mulheres nuas nos outros aposentos, o corpo coberto apenas pelos tecidos amassados, estendidos elegantes no dia anterior pelas camareiras? Haverá mulheres sem roupa alguma, tendo a roçar-lhe o corpo somente a precariedade de fronhas e lençóis? Encontrar-se-ão outras que pediram no respirar sobressaltado das horas de poucas luzes que os amantes as abandonassem ao sabor das incertezas da manhã vindoura? Não sei. Meu amante não tomou minhas palavras como metáforas. Cumpriu-as. Apenas, acho eu, demonstrará com um arfar curioso, voz opressa na garganta – caso ainda me encontre hoje ou qualquer hora dessas – interesse pelo desfecho, se é que o haverá. Deitar-se-á sobre meu corpo despido e fará a pergunta crucial: o que fizeste? Caso eu responda “nada”, tocar-me-á nos lugares em que o sinto mais intensamente e se sairá com outra indagação: “como partiste?” Eu, ainda nua, fingirei rubor: “não sei se conto”. Aproximarei sua face da minha, umedecerei seus lábios com os meus e permanecerei tomada por toda a sua presença.