Meu namorado, com essa mania de querer me ver nua em todo e qualquer lugar, falou:
“Agora, Margarida, pode tirar, não há ninguém por perto.”
Estávamos numa galeria de arte, em Ipanema, numa quinta-feira, às cinco da tarde.
“Mas aqui?”, ainda tentei contrapor.
“Aqui, e rápido.”
“Você não acha arriscado?”
“Não. E vamos fazer uma foto. Vai ficar ótima. Vamos distribuí-la para todos os jornais.”
“Ok, se é assim que você deseja...”
Rápida, tirei a saia.
Não satisfeito, retirou um dos quadros da parede e me deu para que eu o segurasse.
“Pegue-o apenas por uma das extremidades. Apesar de ser de um pintor famoso, ninguém precisa identificá-lo.”
Fiz o que me pediu.
O interessante não foi apenas meu corpo seminu, mas o cenário. Uma parede apenas em tijolos, sem reboco algum – fazia parte da decoração –, uma janela ao fundo deixava entrar um pouco de luz.
Por instantes, pensei que um dos seguranças pudesse entrar e me surpreender: blusa curta, salto alto, sustentando de modo frágil a pintura que vale milhões de euros. Mas, para minha sorte, ninguém apareceu. Meu namorado clicou e a foto é essa aí, muito interessante, acho que mais do que a pintura do famoso artista.
Todos acham que apareço exuberante, sensual. Perguntam: “onde você se deixou fotografar? Ficou tão bonito. Jamais vi alguém, nem mesmo uma modelo dessas famosas, em tão atraente situação.”
Não era minha intenção falar que posei nua numa galeria de arte, escondida, e morrendo de medo que aparecesse alguém.
Meu namorado, no entanto, resolveu dar o alarme. Não aquele que acusa roubo de obras de artes. Mas outro; enviou a foto para o Le Monde. Apareci nas páginas europeias. Um especialista sobre o pintor, cujo quadro eu sustinha pelas pontas dos dedos, identificou a obra. Era de um acervo francês. Como pôde acontecer aquilo? O quadro nas mãos de uma mulher irreverente, na galeria para onde fora emprestado através de um intercâmbio cultural?
Escândalo internacional. O quadro correndo o risco de ser roubado, ou mesmo destruído, uma perda para o patrimônio cultural da humanidade. E, ainda, a afronta: a mulher estava nua.
Aliás, depois que se salvaram todos, inclusive o patrimônio universal, acharam a mulher muito elegante, apesar de não tão jovem; até houve quem ressaltasse a delicadeza com que segurava o pintor famoso.
Puseram-se a discutir o que valia mais: a obra ou a mulher?
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