sábado, outubro 03, 2009

Fingirei rubor

A noite foi ótima; agora estou envolta em sedas e lençóis, o dia já amanheceu. Ele trouxe-me ao hotel quando a noite já entrava pelas horas. Namoramos apaixonados. Tirou toda a minha roupa, depois abriu o champanha. Bebemos e comemos pequenos canapés, sentados em torno da pequena mesa da suíte. Eu, de pernas cruzadas, confortável, falando sobre os mais diversos assuntos e nem dando à mostra que estava em pele. Da mesma forma, ele fez de conta não me reparar sem as roupas. Conversava sobre os assuntos mais sérios, inclusive sobre filosofia. Eu correspondia atenta, perspicaz. Não representávamos, éramos nós mesmos. Após bebermos todo o líquido espumante, delicioso, aproximou-se. Pôs-se a percorrer com a ponta dos dedos minha cútis macia. Ainda conversava, fazia-se inocente ante a minha nudez. Fui eu quem o atraí. Peguei-o pelo pescoço e aproximei sua boca da minha. Um longo beijo foi suficiente para silenciar nossas vozes e deixar fluir o murmúrio da madrugada, que se misturava ao rumorejo do mar. Levantamo-nos. Você já namorou de pé, nua por inteiro? Creio que toda mulher já viveu essa experiência. Como ele é maior do que eu, seu sexo teve alguma dificuldade para encontrar o meu. Procurei facilitar as coisas. Sussurrei todo o meu ardor, arfei de amor. Ele, delicado, explorou-me, desvelou minhas sutis reentrâncias, deslizou sobre minhas elevações e mergulhou em meus líquidos, qual outra taça do champanha. Deitamo-nos. Alternando posições percorremos as trilhas escorregadias do amor. Falei um poema. Nada de derramamentos. Fala enxuta, escorreita, seca em adjetivos, plenas de substâncias primevas. Não deu trégua aos meus seios. Creio que em todo o meu corpo é do que mais gosta. Derramou-se, deleitou-se. Tornamo-nos com o inexorável caminho escuro das horas dois seres extáticos.

Dormimos.

Ao acordar, já não estava a meu lado. Deixou-me ainda envolta nas sedas finas do hotel de estilo francês; sobre a cama macia, o travesseiro digno de uma princesa proustiana. As princesas de Proust submergem a amores travessos, disfarçam, fingem-se virgens, mas, por baixo das saias, ardem, mesmo que os amantes sejam nobres postiços.

As ondas da praia em frente rumorejam com mais intensidade do que durante a noite, a manhã vai cinza. Haverá mulheres nuas nos outros aposentos, o corpo coberto apenas pelos tecidos amassados, estendidos elegantes no dia anterior pelas camareiras? Haverá mulheres sem roupa alguma, tendo a roçar-lhe o corpo somente a precariedade de fronhas e lençóis? Encontrar-se-ão outras que pediram no respirar sobressaltado das horas de poucas luzes que os amantes as abandonassem ao sabor das incertezas da manhã vindoura? Não sei. Meu amante não tomou minhas palavras como metáforas. Cumpriu-as. Apenas, acho eu, demonstrará com um arfar curioso, voz opressa na garganta – caso ainda me encontre hoje ou qualquer hora dessas – interesse pelo desfecho, se é que o haverá. Deitar-se-á sobre meu corpo despido e fará a pergunta crucial: o que fizeste? Caso eu responda “nada”, tocar-me-á nos lugares em que o sinto mais intensamente e se sairá com outra indagação: “como partiste?” Eu, ainda nua, fingirei rubor: “não sei se conto”. Aproximarei sua face da minha, umedecerei seus lábios com os meus e permanecerei tomada por toda a sua presença.

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