Estava no píer, em C. Frio, era uma manhã de domingo, ainda cedo. O vento, suave, soprava em direção ao continente. Sobre meu corpo, apenas um vestido leve, soltinho, nem dormira na noite anterior, fora a uma festa, despedira-me dos amigos e decidira ver o amanhecer. O sol matinal, principalmente o seu aparecimento gradativo no horizonte, sempre me deu muita energia. Seus raios, os riscos vermelhos e alaranjados no céu, que pouco a pouco vão empurrando a escuridão para oeste, recuperam-me de qualquer noite em claro ou mal dormida. Daí, que, naquela manhã, não fui para casa. Como a brisa da madrugada ainda perdurava, mantinha-me abraçada ao meu próprio tronco, com as mãos cruzadas sobre os seios. Até então não percebera presença de pessoa alguma. Mas ouvi um ligeiro ruído; depois, alguns passos. Vi um homem. Não sei o que pensou, mas meu vestido curto, leve, eu sozinha, ainda o restinho da madrugada, tudo isso acho que contribuiu para que, pouco a pouco, ele se aproximasse. Nada falou, mas senti que ansiava por trocar algumas palavras. Os seres humanos são assim, não vivem sem uma troca, sobretudo se lhes é vantajosa. Embora mulher e sempre na posição de desvantagem, fui a primeira a dizer oi, ou bom dia, não lembro ao certo. Na verdade, uma atmosfera de alegria me contagiava, todo aquele espetáculo que se anunciava era promissor, não conseguiria permanecer calada ao lado de outra pessoa diante de um domingo que pouco a pouco se azulava.
“Bom dia”, correspondeu e sorriu.
“Bonito, não?”
“Muito bonito.”
“Você está hospedada na casa da Vera, não?”
“Não, não sou eu, deve ser outra pessoa, não estou hospedada com ninguém, vim de uma festa, tenho uma pequena casa em Arraial.”
“Desculpe, confundi você.”
“Não tem problema, estou acostumada com essas confusões, e olha que às vezes são maneiras de continuar a conversa”, ri em seguida, fazendo que ele se descontraísse.
“Não, não, minha intenção não foi essa.”
“E se fosse, que mal teria? As pessoas gostam de se aproximar uma das outras e as mulheres gostam de ser admiradas.”
“Assim você me rouba todas as armas.”
“E quem disse que não sei sobre as armas dos homens?”
Riu de novo.
“Você é bonita, e ainda sozinha a essa hora é um convite e tanto.”
“Você quer me convidar para quê? Tenho a alternativa de recusar, não é mesmo?”
“Claro. Mas já que você falou em convite, sou fotógrafo, adoraria fotografar você.”
“Só aceito se for profissionalmente, sou modelo.”
“Ótimo, então podemos fazer um acordo.”
O sol já aparecia, o dia de domingo se consolidava, respirei fundo, olhei para o mar e deixei que o homem falasse.
“Você tem um meio de contato?”
“Tenho, pena que não trouxe um cartão. Mas você anota meu celular, também meu e-mail.”
Ele anotou meu nome e tudo que era preciso.
“Flávia, telefono para você, não vai demorar.”
“Estou acostumada a trabalhar para revistas de moda, tudo muito profissional, você me entende, não? Nunca tive problema algum. Geralmente me pegam no aeroporto, me levam para o estúdio, fazem as fotos, me pagam, e me levam de volta. Temos apenas que fazer um pequeno contrato.”
“Ok, combinado.”
“Uma perguntinha só”, insisti, “de quantas pessoas é a sua equipe?”
“No máximo três pessoas, e há também uma mulher. Não se preocupe.”
“Não há mal algum. Mesmo que todos sejam homens, poso do mesmo jeito.”
Despediu-se. Disse que tinha um compromisso duas horas depois e que precisava descansar. Antes de ir, pediu desculpas:
“Me chamo Arnaldo, não me apresentei antes”, estendeu-me a mão. Mas acabei aproximando meu rosto para beijá-lo. Ele não se surpreendeu.
Três ou quatro dias depois, telefonou. Eu já estava no Rio. A ligação era de São Paulo, falou sobre local, dia e hora, a seguir me enviou por e-mail todos os detalhes, o pequeno contrato, a quantidade de fotos, para que fim eram etc.
Na sexta da mesma semana, embarquei no Santos Dumont.
Uma moça, segurando um cartaz com o meu nome e sobrenome, esperava-me à porta do desembarque, no aeroporto de Congonhas. Ajudou-me a carregar a bagagem, na verdade uma sacola de mão e a bolsa. Entramos no táxi que já nos aguardava, atravessamos toda a cidade. Encontrei Arnaldo apenas no estúdio, no décimo oitavo andar de um prédio comercial, acho que próximo ao centro, não sei precisar ao certo.
“Que prazer em ter você conosco.” Beijou-me
“O prazer também é meu”, falei tentando me tornar íntima do ambiente que nos circundava.
Serviu-me café e uns biscoitos, perguntou se a viagem fora boa. Perguntas de praxe. Depois me mostrou o estúdio e falou sobre o tipo de fotos que desejava.
Trabalhava para uma grife. Mostrou-me as roupas que eu teria de vestir, apresentou-me ao maquiador.
Depois de tudo preparado, começamos a fotografar. Sempre tive muita experiência. Fiz centenas de fotos com as mais diversas roupas: vestidos, saias, blusas e, no final, biquínis. Em algumas eu não devia aparecer totalmente vestida. Às vezes apenas de blusa, outras tantas só de saia e assim sucessivamente.
Paramos às 13h00 para o almoço. Retornamos às 14h30min e continuamos a fotografar.
Quando terminamos, deviam ser mais ou menos 17h. Estava exausta.
“Você quer permanecer aqui em São Paulo, ou volta hoje mesmo para o Rio?”
“Prefiro voltar”, respondi feliz pela possibilidade.
“Para nós seria um prazer levá-la para jantar, apresentá-la à noite paulistana.”
“Fica para outra vez, estou muito cansada, e amanhã tenho mais um compromisso.”
Despedimo-nos. A equipe era composta por quatro pessoas, uma a mais do que me falara no começo, mas acho que isso aconteceu porque se esqueceu de incluir o maquiador, ou a moça que me foi apanhar no aeroporto.
Foi ela ainda que me levou de volta. Peguei o vôo das 19h45min.
Na verdade, aquela primeira conversa no píer, em Cabo Frio, me rendeu um bom dinheiro. Já pensou se eu fosse uma mulher austera, que não conversasse com homem algum? Estaria agora no prejuízo.
Dias depois, enquanto aguardava Rita – uma amiga – vestir-se para sairmos, contei-lhe o episódio.
“E você, não aproveitou?”, sua curiosidade um dia ainda haverá de matá-la.
“Acha que não aproveitei? Já não falei quanto me pagaram?”
“Mas você não quis passear com eles, não namorou ninguém. Um homem tão fino, tão bonito, tão...
“Profissional”, completei.
“O que há de mal nisso? Ouço falar de modelos e mesmo de atrizes que namoram fotógrafos, diretores, outros atores e até mesmo gente da própria equipe.”
“Mas você não acha que isso prejudica?”
“Não, basta saber separar as coisas.”
“Separar como, Rita? Se transo com alguém, fica tudo misturado. E, além disso, há homens em muitos outros lugares.”
“Não sei disso, Flávia. Não tenho ninguém faz tempo. Acho que se me surge uma oportunidade como essa, não deixo passar.”
“Você fala assim porque nunca trabalhou como modelo. Quando se é desse ramo, não é assim que as coisas funcionam.”
“Tive um namorado que me fotografou nua, podia ter-me tornado modelo. As fotos ficaram lindas.”
“Onde estão essas fotos agora?”
“Ficaram com ele.”
“E não preocupa você o que ele possa fazer com elas?”
“Não acho que ele vá fazer mau uso delas.”
“Quero ver a sua reação caso ele coloque as fotos num desses sites pornô...”
“Ah, sabe, às vezes dou uma olhadinha na Internet pra ver se me encontro.”
“Você gosta de correr perigo, não? Sente prazer nisso... Saiba uma coisa, quem é modelo profissional não posa de graça nem gosta de correr riscos.”
“Ah, sei que sou doidinha, não faz mal posar nua e de graça se o homem é bonito.”
“Então se você tivesse conhecido o fotógrafo, em Cabo Frio, imagino o resultado.”
“Acho que agarrava o homem ali mesmo no píer. E se o vestido fosse como o seu, certamente seria levado pelo vento...”
“Rita, sei que existe gente pra tudo, mas você é muito louca, não sei como posso ser sua amiga.”
“Poxa, Flávia, você é muito profissional. Vai dizer que nunca deu uma fugidinha com um cara desses. Conta, vai, já deu sim, acho que até já me contou...”
Acabamos as duas rindo, enquanto saíamos para um restaurante no Leblon.