quarta-feira, maio 04, 2011

O suspiro

Olho-me no espelho... Um suspiro. Não sei por que, mas acho que suspirei pelos quilos a mais, pela forma que deixo a desejar, preguiça de ir à academia, ou mesmo de correr de manhã na orla marítima.

Lembro-me de um antigo namorado que tive em Lisboa. Queria fotografar o meu suspiro. E mais, eu nua.

Não foi difícil tirar a roupa. Mas registrar em máquina de retratos – como se dizia naqueles tempos – o suspiro, isto sim, custou-nos uma tarde inteira. Clicava. Mas não se dava por satisfeito.

“Faltou-te o suspiro”, ralhava-me.

“Mas como um suspiro poderá aparecer numa fotografia?”, eu insistia na pergunta.

“Lógico que aparece, se bem suspirado”, afirmava convicto.

E cliques e mais cliques. Nada do suspiro.

Enfim, tive eu a ideia. Sempre eu a dar sugestões. Mas não foi que adiantou?

“Que tal me colocares sob ameaça? Ou mesmo contar-me uma história interessante, pode ser esta até aterrorizante. Talvez suspire no clímax, ou assuste-me de tal monta que irás conseguir teu intento.”

“Sugeres-me que, além de permaneceres nua, eu te assuste?”

“Isso. Mas um grande susto, ou grande a ameaça...”

“Ameaça? Deixe-me pensar”, suspirou ele.

“Uma faca, estarás a me espetar”, oficializei.

“Uma faca não hás de temer.”

“Não? Como temo! Penso logo a pele retalhada, ou mesmo uma cicatriz. Jamais vistes uma tez tão clara como a minha, não concordas?”

“Uma faca, não”, respondeu sem ouvir-me as últimas palavras. “A tesoura, pega-ma”, ordenou.

Custou-me um quarto de hora. Eu, em seu estúdio, à procura da tesoura.

Pediu que fechasse os olhos. Obedeci. Só os abrisse ante sua ordem plena.

“Sim”, sucinta. “E o suspiro?”

“Espera”, não titubeou.

Dois minutos depois, gritou:

“Não mexas o corpo. Abre, agora, os olhos!”

A câmera no tripé, nas mãos a tesoura a cortar-me o vestido comprado em Londres, não sei a quantas libras...

“Ah!”, dei o grito. Inútil mexer-me, o vestido tosquiado.

Enfim, o suspiro registrado...

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