quarta-feira, agosto 10, 2011

O mais gato não estava entre eles

Esse frio é muito traiçoeiro, não permite que a gente ande com pouca roupa, sobretudo à noite. Prefiro o verão, é lógico, e, como gosto de andar nua, resolvi dar um drible nessa estação de baixas temperaturas. Sobrevivi, digo já, nem peguei um resfriadinho. Meu coração bateu mais rápido, mas foi outro o motivo. No final, como me diverti!

Numa dessas noites saí com três amigas, pensávamos se iríamos ou não a uma festa no único clube que há em Ibicuí. Antes, paramos o carro na praia e saltamos para caminhar pela areia. Ventava, mas estávamos muito agasalhadas. Inventei então a brincadeira.

“Saio nua do carro”, gritei.

“Está louca, Margarida, vai pegar uma pneumonia”, disse Celinha.

“Não pego, não, tenho uma ideia que vai agradar vocês.”

“Margarida, por favor, não abuse, não estamos no verão, não quero ver uma amiga doente”, falou Joana.

“Não vou ficar doente, prometo a vocês.”

“Margarida, atenda o que suas amigas, inclusive eu, estamos pedindo, sabemos que você adora andar pelada, mas hoje é demais, acho que está uns 14 graus”, completou Sabrina.

“Não se preocupem, meninas, minha ideia é genial.”

“Genial, Marg? Com esse frio?”, voltou a falar Celinha.

“Por favor, acreditem em mim, vou voltar ao carro e mostro a vocês.”

Fiz o que prometi, sob os olhares surpresos das três meninas. Tirei toda a roupa, inclusive as íntimas.

“Chegue aqui perto uma de vocês.”

Joana foi a primeira a se aproximar.

“Abra o casaco, por favor”, pedi pela fresta da porta traseira.

Ela atendeu.

Saí do carro e entrei no casaco de minha amiga.

“Célia, venha, abrace a Joana, com o casaco aberto”, pedi.

Ela abriu como fizera a primeira e a abraçou. Eu, nuinha, no meio das duas.

“Sabrina, venha também, abrace as suas duas amigas.”

Sabrina pareceu gostar da brincadeira, ainda falou:

“Margarida, você é terrível.”

“Vamos caminhar um pouco pela areia, pedi, todas vocês desse jeitinho em que estão, abraçadinhas e comigo no meio do abraço de vocês.”

Andamos uns trinta metros.

“Vamos voltar, Marg, já está bom, não vamos à festa?”

No mesmo instante, parou um automóvel ao lado do nosso.

“Ih, agora, como vamos fazer?”, assustou-se Celinha.

“Calma”, falei, “já passei por situações piores, eu resolvo.”

Três rapazes saltaram e vieram em nossa direção.

“Vamos virar o abraço ao contrário, vou contar até três, vocês todas ao mesmo tempo deem uma volta de 180 graus, vão ficar num abraço invertido, eu permaneço no centro e dentro do sobretudo da Sabrina, que é o mais comprido. Não se soltem, falem que estão fazendo uma espécie de celebração e peçam que eles esperem próximo ao carro.”

Contei até três, as meninas fizeram a volta direitinho.

“O que vocês estão fazendo aí nesse frio, e agarradas umas às outras?”, perguntou um deles.

“Uma celebração”, falou, nervosa, Célia.

“Calma, não fique nervosa”, sussurrei, “quem está pelada sou eu.”

“Vocês nos dão licença? Ainda não acabamos, será que podem voltar pra perto do carro?”, disse Joana, num tom de voz que demonstrava domínio sobre a situação.

“Não vão à festa?”, soou outra voz masculina.

“Se vocês permitirem que terminemos, sim”, completou.

Eles recuaram.

“Girem todas juntas para a direita”, pedi.

Obedeceram.

“Agora, parem. Isso, girem para a esquerda”, eu instruía.

“Como você vai sair daí Marg? Eles estão quase encostados no nosso carro.”

“Sem problemas”, vamos caminhar na direção do carro, ok? Tudo na maior seriedade.

Pusemo-nos a caminho.

Quando faltavam três ou quatro passos, Sabrina deu de rir.

“Por que ela está rindo?”, quis saber um deles.

“Faz parte do ritual”, rebateu, segura, Joana.

As risadas de Sabrina aumentaram.

“Peça a eles que virem de costas, Joana, com rigidez na voz como você fez há pouco, não permita que olhem”, falei.

“Rapazes, se quiserem que acompanhemos vocês, virem de costas, ainda não terminamos. Caso um de vocês não obedeça, não poderemos ir à festa, estamos pedindo aos nossos deuses para aproveitarmos a noite com muita alegria, boa companhia e segurança.”

Eles acreditaram. Chegamos juntinho à porta.

“O controle, Celinha, está trancada”, pela primeira vez me assustei.

“Agora essa, onde está?” Soltou os braços mas não saiu da posição. Demorou, mexeu nos bolsos, escutei, enfim, o som que destravou as portas.

Abri e saltei no banco de trás.

A festa foi ótima, só fomos embora às cinco da manhã. Cada um dos rapazes ficou com uma das meninas. Eu? Todos me amam, pude escolher o mais gato, que, lógico, não estava entre eles.

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