quinta-feira, março 28, 2013

Quero ouvir você tocar piano

Aquele ex-namorado reapareceu de repente, e eu sempre tão apaixonada por ele. O telefone tocara:

“Aqui é o Elias, como vai, Cris?”

Tive de me fazer difícil:

“Elias? Que Elias?”

“Será que você não se lembra de mim? O Elias, o do apartamento no Leme.”

“Oi, quanto tempo”, tentei conter o entusiasmo, “o que você conta de novo?”

“Outro dia fui a um concerto e me lembrei de você.”

“Foi mesmo? Que bom”, estava radiante, mas com a voz fraquinha queria demonstrar um pouco de frieza.

“Quero encontrar você? Vamos conversar um dia desses”, pediu.

“Vamos, sim. Mas, sabe”, coloquei algum obstáculo. Talvez ele pensasse que eu estava de namoro com alguém e não pudesse vê-lo. “Temos de marcar o dia.”

“Uma tarde, assim não atrapalho você nem seus compromissos.”

Meus compromissos? Ri. Será que ele achou mesmo que eu estava de namoro com outro?

“Oh, sim, tenho muitos compromissos ultimamente”, eu disse, “mas uma tarde, quem sabe?”

Desligamos os telefones sem deixar nada agendado.

Na semana seguinte, fui eu que acabei ligando:

“Ainda está de pé o encontro?”

“Claro que está, e tem mais uma coisa.”

“Mais uma coisa?”, fingi surpresa, “o quê?”

“Quero ouvir você tocar piano.”

Convidei Elias para aparecer lá em casa na tarde do dia seguinte, às quatro em ponto.

Ele chegou, me beijou e sentou. Toquei Chopin. Ouviu surpreso. Jamais tive alguém que me ouvisse ao piano com tanto entusiasmo. E olha que estudei piano a vida inteira.

Quando interrompi o pequeno concerto foi para ir à cozinha fazer um café forte.

“Adoro esse seu café”, exclamou.

“Gosta mais do café do que de me ouvir ao piano?”, tentei acusar o sacrilégio.

“Claro que não. Tudo em seu devido lugar.”

Ficou mais um pouco. Toquei então Schubert. Às seis e meia ele se foi. Beijou-me e partiu. E eu achando que ele viera para me namorar.

Na semana seguinte, o telefone de novo. Ele. Queria mais um concerto.

E assim repetiram-se os encontros e multiplicaram-se os concertos. Ele vinha apenas para me ouvir. Depois tomava café e às seis e meia partia.

Na última tarde trouxe uma caixa de chocolates. Sabe que sempre adorei chocolates. Sabe que quando como chocolates... Bem, vamos ao que aconteceu. Em poucas palavras.

Naquela tarde quis ser trágica. Toquei Beethoven. No intervalo, como sempre, fiz café forte. Comi o chocolate enquanto ele bebia o café. Comi mais do que um. Antes de começar a segunda parte do concerto, fui ao quarto. Ele ainda tomava os últimos goles de sua xícara e comia um biscoitinho que coloquei para acompanhar o café. Voltei então à sala. Mas voltei nua. Agi como se a minha nudez fosse a coisa mais natural do mundo. Parei ao seu lado, olhei para ele e sorri. Permaneci alguns segundinhos de pé, as mãos cruzadas um pouquinho abaixo do umbigo, um pouquinho acima dos meus poucos pelinhos. Depois dei mais três passos e sentei ao piano. Toquei Mahler. Toquei com toda a seriedade. Aliás, sempre toco com muita seriedade. Toquei a peça até o fim. E ele ouvindo, impassível.

Quando acabei... Bem, quando acabei vocês já sabem o que aconteceu.

quinta-feira, março 21, 2013

De biquíni e de bicicleta

Não posso voltar pra casa depois do anoitecer, vou passar vergonha, falo.

Que vergonha, nada, você está gostando, não? Pois fique até amanhã.

Amanhã?

O que tem? Você é uma pessoa adulta.

Mas deixei a bicicleta lá embaixo.

Quanto a isso, não se preocupe, eu resolvo.

Estou nua na cama de um namorado que arranjei nesta mesma tarde.

Você é muito bonita. Quando a vi pedalando na orla, logo disse a mim mesmo: não posso perder esta mulher.

Quando passei por ele, também o admirei. Ele, um quarentão de porte atlético, caminhava. Na volta, reparei que estava quase no mesmo lugar. Fez sinal para eu parar. Obedeci. Meus poros exigiam. Depois, não poderia ser diferente, a conversa de sempre. Nossos corpos se falaram, sabíamos que se entenderiam. Acabei indo com ele. Primeiro aceitei tomar uma coca-cola, após um quarto de hora o segui. Atravessamos a Atlântica, entramos na primeira transversal, bem ali no posto 5. Chegamos ao prédio onde mora. Subimos. Último andar, uma espécie de cobertura. Que paisagem linda. O  mar, as ilhas, o  outro lado da baía, acho que um pedaço das praias de fora de Niterói. Fiquei na amurada a apreciar. Ele veio por trás, me abraçou, e eu só de biquíni, como estava na praia sobre a bicicleta. Trouxe uma dose de uísque. Tomei um pequeno gole. Ele ficou com o copo na mão, abraçado a mim. Deixou que eu apreciasse a vista por muito tempo, depois entramos no apartamento. Daí em diante, o  amor. Rapidinho, eu mesma me despi. Ele, demorado, me acariciou Tem experiência em toques e abraços.

Finda a tarde, e eu preocupada.

Nunca voltei de biquíni de noite pra casa.

Não se preocupe, fique até amanhã, caso queira ir mais tarde, empresto uma camisa.

Empresta, mesmo?

Claro. Empresto e levo você em casa.

Você me deixa experimentar? Quero escolher a melhor camiseta. Que caia como um vestidinho.

Faça como quiser. Posso levá-la de automóvel. Guardo a bicicleta pra você.

Não, não precisa. Volto sozinha. Quero apenas uma blusa. Mas quem sabe, só pra amanhã de manhã. E se chover.

Ele ri e, de novo, escorrega para dentro de mim.

sexta-feira, março 15, 2013

Ela adorava contar aquela história

Rosa, o cara já deixou você nua numa estrada, já tirou o seu biquíni numa praia e lhe fez ficar de molho dentro d’água um tempo enorme correndo o risco de ser surpreendida por outras pessoas, pediu para você sair do apartamento pelada e bater na porta fazendo de conta que chegava nua, você ainda vai procurar por ele?

Você não sabe como sou apaixonada, Maíra.

Apaixonada? O homem parece um maníaco, um tarado, e você se diz apaixonada...

É porque você nunca passou por isso. Caso apareça alguém assim na sua vida, acabará me dando razão.

Rosa, preste atenção, só namoro homens que sejam carinhosos comigo, que se preocupem com a minha integridade, não uma pessoa que vá me expor nua por aí a correr riscos.

Maíra, não é bem assim. Já contei essa história em outros lugares, e houve quem quisesse conhecê-lo. Uma mulher me pediu o endereço dele porque quer aparecer nua à sua porta, de surpresa.

Rosa, acho que essas suas amigas são tão loucas quanto você.

Se minhas amigas são loucas, você também é, pois é uma delas.

Rosa, por favor, sou sua amiga mas não sou capaz de sair por aí com um homem de tal índole.

Maíra, ouça só. Quando eu era mais jovem, tive uma amiga chamada Heloísa. Ela adorava contar uma história que dizia ter acontecido com uma conhecida. Naquela época as garotas só saíam de carro com os rapazes se fossem noivas. A conhecida dessa Heloísa certa vez foi passear com um homem dez anos mais velho. Ele a levou uma noite  para uma praia deserta, tirou-lhe toda a roupa e ficaram os dois a namorar até alta madrugada. Mas, perto do amanhecer, ele partiu e a deixou nua naquele lugar. Enquanto nós, aflitas, imaginávamos o sufoco que a moça passou, Heloísa dizia que não aconteceu nada de mais depois disso, apenas chegou um carro da polícia com dois policiais, a quem ela contou o que acontecera. Eles acreditaram na história da garota, a ajudaram e prometeram prender o homem. Heloísa contava essa história com intenso orgulho. Mas sabe qual a verdade? Descobri depois que isso tudo aconteceu a si mesma. E se ela própria espalhava tal fato, era porque gostava.

E o que isso tem a ver com você?

Adivinha?

Não consigo fazer a ligação, Rosa.

Maíra, acho que você precisa se tornar mais inteligente.

Já entendi, Heloísa é apenas um nome. Isso que você acabou de contar aconteceu com você.

Viu?, você não é burra.

Rosa, não sou burra, mas o que isso tem a ver com os dias de hoje?

Ah, Maíra, tem tudo a ver. Será que você não percebe que gosto de homens que me deixem nua por aí?

Conta só mais uma coisa. E aquele primeiro, os policiais o encontraram?

Os policiais não, mas eu sim.

E o que houve com ele?

Não houve nada, Maíra. Ele é esse meu atual namorado.

domingo, março 10, 2013

Estou morta de tesão!

Outro dia fui ao shopping com um homem que conheci faz pouco tempo. Tão bonito ele. Passeamos, tomamos café e percorremos várias lojas de roupas de mulher.

“Quero comprar alguma coisa”, sorri, um sorriso que foi quase um beijo.

Ele devolveu-me o beijo. Entramos numa loja famosíssima. Cada peça cara! Quem sabe faria uma surpresa à mulher bela que ia ao seu lado?

Experimentei saias, vestidos e uma calça comprida. Comprei tudo o que provei. As roupas acompanharam tão bem as curvas do meu corpo, uma beleza. O preço? Não preciso falar, digo apenas que, para o amor, nada é tão caro. Meu amigo estendeu a mão no momento em que fomos ao caixa.

“Deixe por minha conta, um presentinho”, agora suas as palavras, e mais do que um beijo.

Sorri, abracei-o e retribuí-lhe o beijo.

Adiante, mais uma loja. Dessa vez, de blusas. Aventurei-me já de braços dados, um casal de namorados; ou melhor, de noivos; ou, talvez, de recém-casados.

Cada blusa linda! Várias as cores, vários os modelos: curtas, barriguinha de fora; compridas, mangas três-quartos; frente única; decotada; e houve até um top, quase um sutiã. Adivinhem. Difícil? Claro que não. Comprei todas, inclusive o top.

Andamos ainda pelos corredores do shopping. Paramos num pequeno quiosque para comer bolo de laranja. Que bom gosto tem esse meu recente amigo! Gosta de bolos. O mesmo gosto que eu. Ouvimos várias canções, brasileiras e americana, canções que nos fazem flutuar pelo ambiente. Antes de chegarmos ao estacionamento, acho que já me tornara sua mulher. Então, ele me falou.

“Quero-lhe fazer mais uma surpresa.”

Tirou a carteira do bolso, pegou duas notas de cem, dobrou e as colocou no bolso traseiro de minha calça jeans.

“Que é isso?”, achei engraçada a brincadeira.

“Algo mais que estou comprando pra você, mas não digo agora.”

“Adoro mistério”, falei e me dependurei no seu pescoço. Taquei-lhe um beijo na boca.

Saímos ainda a passear pela cidade. Já anoitecera.

“Vamos à minha casa?”, convidou-me. “Tomemos uma taça de vinho.”

“Adoro vinho”, sorri. Um sorriso que foi outro beijo.

Resumo a história.

Que casa linda a do meu namorado. Logo ao entrar, despenquei num estofado maravilhoso. Uma sala de móveis imponentes. E lá veio ele com o vinho e alguns minis sanduíches.

Abraçou-me, e foram muitos os beijos. Depois sussurrou juntinho ao meu ouvido:

“Vou deixar você peladinha.”

“Vai?”, continuei agarrada a ele.

“Peladinha, peladinha.”

“Que bom!”, palavras de uma mulher eufórica.

“Hoje você é toda minha.”

“Sou toda sua”, repeti.

“E aquela surpresa, lembra? As notas de cem.”

“Sei, o que tem elas?”

“É pra você. Mas significa que comprei também essa roupinha que você traz sobre o corpo, ok?”

“Ok”, eu disse, mais um beijo na boca, mais um beijo estalado nos seus lábios.

“Mas vai deixá-la aqui em casa. Uma simpatia, sabe? Quero que você volte outras vezes. Está bom assim?”

“Está ótimo”, arfei. “Deixo a roupa, deixo o que você quiser. Só te peço uma coisa.”

“Peça, estou aqui para lhe satisfazer”, sorrisos e brilhos no rosto dele.

“Me come, vai. Me come. Estou morta de tesão!”

domingo, março 03, 2013

Aquela não lhe era estranha

Estou na praia, mas é noite e visto apenas o biquíni, imagina?

Mulher salta do carro, de fio dental, e pede um refrigerante num quiosque da orla, passa de meia-noite. O carro se vai e ela fica só. Seria um bom início de história, não?

A cor do biquíni? Vermelho. Depois, caminho sobre a areia como se fosse entrar na água para um ligeiro banho. Uma pessoa aqui, outra ali me olham. Mas não me inibo, sei representar, disfarço bem o arrepio e o breve tremor. Estou sozinha? Em parte, sim. Mas pedi a um amigo que ficasse por perto e aparecesse caso eu o chamasse. Além do minúsculo traje, o telefone pequeno preso na tirinha, ao lado de um dos lacinhos.

Ao ver que um homem se aproxima, não grito pelo meu amigo, volto ao quiosque e peço uma garrafinha de água. O empregado sorri. Sabe que ali só aparecem madames e aquela não lhe é estranha. Ao acabar de beber a água, meu amigo, preocupado e inoportuno, surge no carro cinza metálico, desce e me entrega a canga.

“Vá embora”, devolvo-lhe o pano.

Ele obedece.

O desconhecido volta a me espreitar, mas se demora a chegar. O que acontecerá? Tenho tempo pra pensar?

Primeira hipótese: Na certa ele vai me agarrar. Será que poderei contra-argumentar: “estamos num país civilizado, você tem que respeitar meu direito de andar de biquíni à noite.”

Segunda: o homem me chama de prostituta. “Só as mulheres de aluguel andam assim, de repente você nem mulher é, mas um travesti...” Vou responder: “nada disso, apenas uma mulher a passear, e à vontade, pode perguntar ao empregado do quiosque, ele me conhece de outros carnavais.” Ah, carnaval? Certamente toco mais fogo no homem.

Outra possibilidade: ele insiste para eu namorá-lo porque se sente só e precisa de uma mulher bonita e compreensiva. Estes são os carentes, o tipo de homem que mais aparece por aí, querem uma caridade. Já viu alguma mulher trepar por caridade? Nem sendo freira.

Uma possível saída é o telefonema. Saco o telefone da tirinha do biquíni qual uma arma e aponto para meu amigo voltar. Um grande problema, porém. Na afobação arranco junto o biquíni, portanto, mesmo sem querer facilito as coisas.

O homem caminha na minha direção. Agora é certo que ele vem falar comigo.

Ainda tenho tempo de lembrar da Vânia e da Carlinha. Tão mais ousadas que eu.

Vânia vai à praia à noite no verão vestindo apenas uma canga. Nada sob. Corre à areia, solta o pano, deita sobre ele e fica horas a fio. Só se cobre de novo quando está próximo o sol.

Carlinha vai além... “Carlinha, será que você não tem medo de ser agarrada?”, perguntei várias vezes. Vai à praia durante a noite vestida apenas pelo... carro! Sai da garagem peladinha, estaciona e passeia nua na areia; antes de amanhecer, volta Carlinha. Sempre peladinha!

O desconhecido encosta ao meu ouvido e pergunta:

“Quer jantar comigo?”

Lógico que aceitei.

Mais uma coisa, ele nem notou que eu estava de biquíni.