“Aqui é o Elias, como vai, Cris?”
Tive de me fazer difícil:
“Elias? Que Elias?”
“Será que você não se lembra de mim? O Elias, o do apartamento
no Leme.”
“Oi, quanto tempo”, tentei conter o entusiasmo, “o que você
conta de novo?”
“Outro dia fui a um concerto e me lembrei de você.”
“Foi mesmo? Que bom”, estava radiante, mas com a voz
fraquinha queria demonstrar um pouco de frieza.
“Quero encontrar você? Vamos conversar um dia desses”, pediu.
“Vamos, sim. Mas, sabe”, coloquei algum obstáculo. Talvez
ele pensasse que eu estava de namoro com alguém e não pudesse vê-lo. “Temos de marcar
o dia.”
“Uma tarde, assim não
atrapalho você nem seus compromissos.”
Meus compromissos? Ri. Será que ele achou mesmo que eu
estava de namoro com outro?
“Oh, sim, tenho muitos compromissos ultimamente”, eu disse, “mas
uma tarde, quem sabe?”
Desligamos os telefones sem deixar nada agendado.
Na semana seguinte, fui eu que acabei ligando:
“Ainda está de pé o encontro?”
“Claro que está, e tem mais uma coisa.”
“Mais uma coisa?”, fingi surpresa, “o quê?”
“Quero ouvir você tocar piano.”
Convidei Elias para aparecer lá em casa na tarde do dia
seguinte, às quatro em ponto.
Ele chegou, me beijou e sentou. Toquei Chopin. Ouviu
surpreso. Jamais tive alguém que me ouvisse ao piano com tanto entusiasmo. E
olha que estudei piano a vida inteira.
Quando interrompi o pequeno concerto foi para ir à cozinha fazer
um café forte.
“Adoro esse seu café”, exclamou.
“Gosta mais do café do que de me ouvir ao piano?”, tentei
acusar o sacrilégio.
“Claro que não. Tudo em seu devido lugar.”
Ficou mais um pouco. Toquei então Schubert. Às seis e meia
ele se foi. Beijou-me e partiu. E eu achando que ele viera para me namorar.
Na semana seguinte, o telefone de novo. Ele. Queria mais um
concerto.
E assim repetiram-se os encontros e multiplicaram-se os
concertos. Ele vinha apenas para me ouvir. Depois tomava café e às seis e meia
partia.
Na última tarde trouxe uma caixa de chocolates. Sabe que
sempre adorei chocolates. Sabe que quando como chocolates... Bem, vamos ao que
aconteceu. Em poucas palavras.
Naquela tarde quis ser trágica. Toquei Beethoven. No
intervalo, como sempre, fiz café forte. Comi o chocolate enquanto ele bebia o
café. Comi mais do que um. Antes de começar a segunda parte do
concerto, fui ao quarto. Ele ainda tomava os últimos goles de sua xícara e
comia um biscoitinho que coloquei para acompanhar o café. Voltei então à sala.
Mas voltei nua. Agi como se a minha nudez fosse a coisa mais natural do mundo. Parei
ao seu lado, olhei para ele e sorri. Permaneci alguns segundinhos de pé, as
mãos cruzadas um pouquinho abaixo do umbigo, um pouquinho acima dos meus
poucos pelinhos. Depois dei mais três passos e sentei ao piano. Toquei Mahler.
Toquei com toda a seriedade. Aliás, sempre toco com muita seriedade. Toquei a
peça até o fim. E ele ouvindo, impassível.
Quando acabei... Bem, quando acabei vocês já sabem o que
aconteceu.
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