quarta-feira, agosto 28, 2013

Não foi traição, mas uma situação de emergência

Naná, quer dizer que você foi parar nua na casa de um desconhecido?

Desconhecido, não, Lana, o homem bem que já de um tempinho me paquerava.

E como foi?

Ah, Lana, nem fala, foi bom, acabei até gostando, mas o Jorge ficou furioso.

Ele soube?

Sim.

Quem contou pra ele, Naná?

Quem? Eu mesma.

Você é louca...

Do modo como aconteceu, ele não poderia deixar de saber.

E qual foi a reação dele?

Assim que soube, falou:

Você não devia ter transado com ele.

Mas como não? Naquela situação..., tentei explicar.

Você devia ter corrido de volta.

E aquela gente toda? Com que cara eu ia ficar?

Eu dava um jeito.

Jeito? Que jeito?

Quer dizer que você preferiu me trair a se expor?

Não foi traição, foi uma situação de emergência.

Emergência?

Sim. Emergência, e dei por encerrada a conversa. Mas, para você entender toda essa situação, Lana, preciso contar o que aconteceu antes.

Então conta, estou curiosíssima.

Nós estávamos na casa de campo, sozinhos. Jorge resolveu, então, me fotografar. Fez dezenas de fotos minhas em meio ao quintal, às árvores, à beira da piscina etc. Quando já estava exausta de tanta pose, sugeriu que eu tirasse a roupa, que ficasse apenas de tênis. Fez então as últimas fotos. Eu, nuinha, apareço andando e sorrindo, como se estivesse num meio rural afastado e não precisasse me preocupar em vestir. Mas foi aí que aconteceu o inesperado. Chegaram dois automóveis repletos de amigos e amigas dele. Souberam que estava no sítio e lhe quiseram fazer uma surpresa. Num primeiro momento corri e me escondi atrás de uma árvore de tronco largo. Ao reparar que os carros se aproximavam, corri para a direita, era o muro que limita a propriedade com a do vizinho. Premida pelo desespero, subi e saltei para o outro lado. Logo que me vi no chão, um cachorro enorme se aproximou e se pôs a latir. Pensei que seria devorada. Depois veio o dono, um homem beirando os sessenta. Sem demonstrar surpresa, afastou o cão e perguntou: “Moça, o que houve?” A única frase que consegui falar naquele momento foi: “Moço, por favor, me dê abrigo”. Ele me levou pra dentro da casa. Ainda bem que morava sozinho e não havia ninguém com ele. Sentei num pequeno sofá, cruzei as pernas, cobri os seios com um dos braços e contei o que acontecera. O homem me deu abrigo. Quer dizer, não apenas abrigo, você entende, não?

Oh, se entendo...

Jorge não saiu logo à minha procura. Ficou com seus amigos e não falou nada sobre mim. Tanto tempo nua junto a um homem, o que poderia acontecer? E tem mais uma coisa, você até podem me chamar de piranha, mas o homem foi de tamanha habilidade, que acho nunca ter dado uma trepada tão gostosa!

quinta-feira, agosto 22, 2013

Amante menor

Manuel Bandeira se dizia um poeta menor. Eu me acho uma amante menor. É verdade. Uma amante que não sabe amar. Ou, quem sabe, uma amante que ama muito pouco. Na verdade, o que sempre quis e quero é sentir prazer. E naquele pequeno aglomerado de casas de frente para o mar, eu ainda não descobrira homem algum a quem pudesse, pelo menos de modo disfarçado, voltar os meus olhos. Como morava pouca gente no lugarejo, era natural que todos se conhecessem. Portanto, uma pessoa estranha como eu, que chegara fazia alguns dias e ocupava sozinha uma casa inteira, soaria estranho à população local.

Mas já no dia seguinte surgiria alguém para me fazer acreditar que assim como Manuel Bandeira jamais foi um poeta menor, eu também não era uma amante menor. O homem, de quase dois metros de altura, despertou-me de um enleio enquanto eu, sob o sol, nas areias da praia, era embalada por quase um sonho, um sonho de claridade e de fundo musical orquestrado pelas pequenas ondas da praia.

“Você não é daqui”, afirmou.

Ainda sonolenta, virei-me em sua direção, e por trás das lentes de sol, falei:

“Quem dera, a vida toda nessa paz, nesse mar”, e me virei para o outro lado.

“A paz também cansa”, falou e se afastou.

Esqueci-me do homem.

À noite ouvi certo alvoroço numa das casas. Parecia uma festa. Alguém veio bater à minha porta.

“Você não quer participar de um festejo?”, era o mesmo homem que aparecera de manhã, na praia.

“Você poderia ter a bondade de pelo menos dizer o seu nome?”, franzi a testa após a última palavra.

Olhou-me, sério. Eu não tinha os óculos escuros para me esconder àquela hora, e também não queria desviar os olhos.

“Enamorado, é o meu nome, mas todos me chamam de Amor.”

Dei uma gargalhada prolongada. Ele completou o meu espalhafato com a sua risada, grave e mais contida.

“Verdade? Enamorado?”, repeti ainda tentando esconder os últimos traços de riso.

“Sim. Mais popular como Amor. Vamos?”, ofereceu-me o braço.

Aceitei.

Como o número de participantes era pequeno, o encontro podia ser chamado de festa mais pela alegria dos presentes do que pela quantidade. Com a minha chegada e a de Amor, completamos oito pessoas na casa. Cinco homens e três mulheres. Ao entrar, recebi sorrisos de todos os lados.

“Você vai gostar da gente”, falou uma mulher.

Um dos rapazes expeliu a fumaça do cigarro para um dos lados e me estendeu a mão. Os outros vieram-me beijar.

Reparei que um dos presentes tocava acordeom.

“Cheguei a aprender quando era criança”, falei.

“Quer”, ele fez o gesto de que me passaria o instrumento.

“Não, por favor, não lembro mais nada.”

“Rodolfo, toca pra gente”, uma das mulheres pediu.

Uma canção argentina começou a sair do instrumento. Em poucos segundos quase todos estavam a dançar. Amor tomou-me por uma das mãos, envolveu-me com seus longos braços e começamos nossos primeiros passos no centro da sala.

Após mais ou menos uma hora, espaço de tempo em que uns beberam cerveja e outros vinho, alguém sugeriu que nos fantasiássemos.

“Há um baú com vários trajes, no quarto dos fundos, são objetos de teatro. Cada um pode se vestir do jeito que quiser, mas deve colocar a máscara, assim não saberemos quem é quem.”

Todos se entusiasmaram com a sugestão. Tiramos a sorte e fomos um a um ao tal quarto. Depois de pronto, cada um saiu pela porta lateral que dava num corredor externo e foi aguardar o restante do grupo nas areias da praia. Desse modo as identidades não foram reveladas.

As fantasias eram as mais engraçadas possíveis. Havia bailarinas, palhaços, princesas, branca de neve, bruxa, dama antiga, super-heróis e uma que era apenas um biquíni mínimo. Adivinhem quem escolheu esta? Lógico que fui eu. Mas todos foram obrigados a vestir as máscaras, assim nos confundiríamos e não saberíamos quem era quem.

De início não consegui descobrir Amor. Muitos vieram a me cortejar, inclusive as mulheres. Ah, ia esquecendo, as máscaras tinham um capuz que nos cobria os cabelos, isso tornou a identificação ainda mais difícil. Até mesmo pelo corpo não foi tão fácil identificar as mulheres. Todos eram ótimos atores. Apenas o músico foi identificado com facilidade porque continuou a tocar no acordeom suas canções ora comoventes ora animadas.

A festa transferiu-se para as areias, com o mar a acompanhar com seu leve murmúrio o nosso alarido. Dançamos, ainda sob o som do acordeom. Algum tempo depois, cada um de uma vez tinha de fazer uma imitação para ser descoberta pelos demais.

A festa prosseguiu à beira mar com todos cantando e dançando. Mais bebida surgiu, trazida por uma mulher que não fazia parte do grupo. Era uma espécie de batida de várias frutas. Não passou muito tempo para que começássemos a nos agarrar. Mas não foi uma tentativa de formar casais. Ora recebíamos beijos que pareciam de homem, ora de mulher. Namoramos a três, a quatro e até mesmo a cinco.

A festa não terminou, ao menos pelo que me lembro. As duas mulheres logo ficaram nuas. Depois de beber demais, acabei dormindo, e acho que os outros também.

Acordei com os primeiros raios de sol. Dois ou três já haviam se retirado, mas os outros permaneciam desmaiados sobre areia, e quase agarrados entre si. Reparei que alguém me havia tirado a máscara e o top, mas eu ainda vestia o biquíni de fantasia.

Levantei-me e ouvi imediatamente:

“Amor está pronto para cobri-la de beijos.”

Bocejei, minha cabeça doía. Tapei instintivamente os seios.

“Cobri-la?”, repeti enquanto respirava fundo e olhava na direção do mar tentando-me refazer.

“Cobri-la. Gostou da erudição? Aqui todos somos clássicos, no idioma e no teatro”, completou.

“Então, despir-me-ei”, eu disse. Soltei os seios, fiz descer o biquininho e o larguei sobre a areia. Corri e mergulhei no mar. A água estava quente.

Depois? Ah, depois... Cada um que use a sua imaginação. Lembram o início? Sempre me considerei uma amante menor!

sexta-feira, agosto 16, 2013

À beira d'água

Depois de vários dias de chuva um sol tímido, ainda metade escondido entre as nuvens, deu o ar de sua graça, mulher que, entre lençóis, deixa escapar um lado do ombro nu. Enquanto eu permanecia deitada, o imperceptível movimento da moldura da janela sobre a cama marcava o avançar das horas..

Eram quinze para as dez quando desci à praia. Havia pouca gente na areia. O mar bravio explodia, transbordava e alfinetava-me com gotículas de gelo, devido à ressaca. Mesmo assim soltei a canga e me preparei para o mergulho. Meus pés já iam envoltos na breve e irregular espuma da beira d’água quando uma amiga segurou-me por um dos braços.

Oi, Ana, quanto tempo, falou satisfeita por me ter encontrado.

Era Alice. Quis saber como eu estava passando, o que fazia ultimamente e se assistira a determinados filmes. Conversamos durante uns dez ou quinze minutos. De quando em quando eu fazia menção de que não demoraria a correr para o mergulho. Ela, porém, puxava um pouco mais de conversa. Alice vestia bermuda e camiseta. Aparentemente não viera à praia para o banho de mar. Após suas últimas palavras, o beijo de despedida e um até breve, vi-me desimpedida.

Ia já correr para o mergulho, mas reparei um homem a me olhar. Na verdade, um rapaz. Pela insistência do seu olhar, acho que já me acompanhava desde que eu chegara. Talvez meu corpo enxuto e meu biquíni mínimo cor de terra houvessem despertado nele o pensamento de que, como a praia era de poucos frequentadores, poderia vir conversar comigo, ou mesmo deitar-se ao meu lado. De início sua ostensiva presença assustou-me. Senti até algum temor. Mas, pouco a pouco, olhei para o mar, para as ilhas distantes, reparei o horizonte, corri e mergulhei nas águas frias e agitadas.

Mesmo com o mar revolto, senti prazer em meio às ondas e espumas que me cercavam. O sol iria se firmar, eu tinha certeza, e com a sua presença o mar depois de um ou dois dias retornaria à calma costumeira. Outro prazer que sinto no banho de mar é que ao mergulhar o meu biquíni se estreita, fica ainda menor, provocando a sensação de que estou nua. Os homens. ao observarem a estreita tirinha de pano, ficam doidinhos. Aquele meu admirador matinal também ficou enfeitiçado. Se já ao me descobrir sobre a areia mostrou-se tão excitado, imaginem ao me vir molhadinha e com o bumbum à flor d' água.

Depois, enquanto retornava à areia, reparei que ele continuava a me devorar com os olhos. Ainda por cima, eu estava toda arrepiada. Percebi que ele queria aproximar-se, mas não teve coragem. Meu corpo bem torneado, com o biquíni ressaltando-me a nudez, deixou-o tonto.

Comecei andar pela beira d’água na direção do Arpoador. Caminhei mais ou menos cinquenta metros e reparei que ele já não me acompanhava. Quem sabe tocaríamos nossos corpos enamorados, caso ele estivesse ainda a me seguir? Então estaquei mais uma vez, deixei cair a canga, que eu trazia nas mãos. Olhei o mar. Lembrei que nos dias de sol daquela temporada as moças insistiam em tirar o top. Eu não aderira ao modismo. Mas tal prática atraiu à praia muita gente que vinha só para ver as mulheres com os peitos de fora. E elas faziam de conta que nem estavam aí para quem as espreitava. Permaneciam sob sol, liam alguma revista, comportavam-se com a maior naturalidade. Pela primeira vez, ali sozinha, tive vontade de nadar como as moças de veraneio, apenas a pele a me servir de agasalho.

Mergulhei de novo. Só então reparei que as espumas acariciavam-me, estendiam-se a princípio como um véu anônimo para logo em seguida transformarem-se num homem de mãos suaves, esguias, fugidias. Ele tocava-me a pele, imantava-me ao seu corpo, despia-me das duas pequeninas peças que eu não ousara deixar sobre a areia. Pensei em reagir, gritar, pedir socorro, mas meu corpo falou mais alto. Ardi e explodi de desejo.  

Como sair de dentro d'água após tamanho prazer? Como correr de volta ao apartamento? Voltei-me para a extensa faixa de areia à minha direita, à esquerda, mas já não descobri o meu homem. Ele desfizera-se como as últimas espumas à beira d'água, perdera-se no vazio da manhã de quarta feira.

Quando voltei para casa naquele dia, o sol já deixara de lado sua timidez inicial, tornara-se um jovem galante que começa a acariciar as mulheres para logo em seguida nos tirar toda a roupa.

Saí do chuveiro e me apreciei inteira no espelho do guarda-roupas. De repente, algo inesperado. Meus olhos tornaram-se os olhos do rapaz que me fez sair nua da praia. Ele viera comigo, entrara no apartamento, no meu quarto, e me aguardava. Não demoraria deitaríamos os dois, na mesma cama onde horas antes eu amanhecera sozinha.

domingo, agosto 11, 2013

Amor, perdi a cabeça

Por uma mulher, os homens sempre perdem a cabeça. Mas esperem um pouco até chegar lá. Vou do início.

Arranjei um namorado num desses sites de relacionamento. Como morava perto, não demorou a me vir visitar. Conversamos no primeiro dia enquanto andamos nas ruas da minha pequena cidade. Como é um vilarejo de veraneio e quase ninguém o visita nos dias de inverno, tivemos muita liberdade. Depois fomos à minha casa, onde ele ficou hospedado. Adorou minhas três árvores, a horta e o cão. Isso mesmo, também tenho um cão. Mas na hora de dormir...

A hora de dormir sempre é a hora do amor, principalmente se estamos no começo do namoro. Eu tinha servido umas torradas com chá numa louça de porcelana, uma pintura. Logo que acabamos, ele me abraçou e beijou. Eu disse então:

“Não quero ser pretensiosa, mas sei um jeito especial de namorar.”

Esperou, queria que eu fizesse a demonstração.

“É um jeito suave, a gente se agarra a noite inteira, se acaricia, mas não acaba logo, entendeste?”, falei amorosa.

Aceitou a sugestão. Fui a um dos quartos e me despi por completo. Apareci diante dele. Surpreendeu-se.

“Prefiro eu mesma tirar a minha roupa, gostas assim?”

“Estou adorando”, falou baixinho.

Abraçamo-nos, de pé, ele ainda vestido.

“Não, não te dispas já, espera.” Continuei agarrada a ele, nuinha. Comecei a sussurrar no seu ouvido: “gostas de histórias, não? Todo homem gosta de histórias, sobretudo na voz das mulheres. Vê, sou toda tua, mas fica assim agarradinho a mim e imagina. Estou correndo nua só pra ti, lá na beira da praia. É noite, só nós dois.

“Vamos lá”, então?, sugeriu.

“Não, não é pra ir, é só pra imaginar.”

“Ah, sim...”, suspirou com ar de decepção.

“Mais vale a imaginação”, insisti. “Continuas a me olhar e eu danço para ti. Uma dança sensual. Mas, de repente, como num passe de mágica, desapareço. E logo já estás a me procurar. ‘Como essa mulher sumiu assim tão, tão súbita?’, dizes. Isso, súbita, é a palavra certa. Eu nua e súbita. Sais a me procurar pela areia, pelas vagas da praia, pensas até em pedir ajuda, mas a praia é só das estrelas e está deserta. Então, ainda súbita, apareço atrás de ti, envolvo-te com meus braços. De início te surpreendes, depois, porém, percebes minhas mãos plenas de tato, de carícias. Despes, rápido, toda a roupa, e te queres atirar sobre mim. Mas peço, não, ainda é cedo, faz teu gozo e o meu durar mais horas na noite.”

Volto agora ao presente, ao homem dentro da sala que me ouve as histórias.

“Sinto que estás excitado. Já queres me penetrar, sei de tudo. Não é, todavia, o momento. Deita, vamos os dois sobre o tapete, como os antigos persas, uma viagem. Deita, isso, tira também a roupa, Mas não toca já o meu corpo.”

Embarcamos numa aventura aérea, apenas as mãos entrelaçadas, levemente, e eu a lhe narrar histórias, a fugir nua através de cidades imaginárias, a escapar de nobres, de magos e de plebeus, para cair numa casa vazia, os muros altos. Ele, então, que está ao meu lado, meu cavaleiro, sequestra-me nua, leva-me na garupa do cavalo.

“Come a mulher que deita ao teu lado”, sussurro com a voz alterada, “já vai amanhecer. Não, não, não é para me comeres agora, é ainda parte da história, falta o principal, o breve desfecho. Não, não percas a cabeça, farei que tu gozes com mais ardor, solta-me, não, tu não me podes agarrar. Tira os braços de mim, sê justo!”, chego a gritar.

“Por favor, já não aguento, você me incendiou”, argumenta trêmulo.

“Calma, respira fundo, bem fundo. Isso, assim. Deita, pensa que tu te equilibras, é um fio fino, tênue, mas consegues. Volta à corda, segura o sarrafo, estás a resgatar teus impulsos, as secreções que estiveram próximas a te escapar. Assim, isso, agora já vais conseguir. Melhor, já conseguiste. Mais um suspiro e tudo estará sob teu domínio.”

Duas horas depois ainda navegávamos num mar de erotismo. E o homem enfeitiçado por minhas histórias.

“Deixa agora, amor”, pede, “você está me maltratando, deixa agora, se você não quer não gozo dentro, deixa apenas sentir você.”

"Deixo, e podes ficar bastante tempo, Mas na hora de gozar, tira e goza na minha boca, compreendes?"

"Você gosta?"

"Se gosto. Adoro. Mas te peço, ainda mais uma vez, controla-te, não gozes dentro. Não vás perder a cabeça.

Voltamos às carícias. Ele, já sobre mim, logo escorregou mar adentro. Tanto mais ligeiro, gritou-me:

“Amor, amor!”

“O que foi?”

“Amor, perdoa-me.”

“Perdoar-te? Que mal praticaste?"

“Perdi a cabeça...

Do lado de fora, lá no quintal, latiu-me o cão.

domingo, agosto 04, 2013

Estava boa a marguerita?

Subíamos a rua do hotel Mercure, a Ramiro Barcelos, numa tarde de quarta-feira. Como estava frio, eu e Lana vestíamos casacos bem grossos. Lana é uma menininha ótima, adora passear, e quando sai toda agasalhada, de toca e de luvas, fica uma gracinha. Após uma quadra do hotel, reparei um homem de cabelos castanhos. Não consegui imaginar qual seria sua idade, mas ele me olhou e sorriu. Retribuí o sorriso. Continuamos o nosso caminho, eu e Lana. É comum a gente ouvir que não se deve sorrir para os homens, corremos o risco de eles nos seguirem. Dei um beijinho na minha pequerrucha e a entreguei à mãe quando chegamos à porta do seu prédio. A menina e a mãe também me beijaram.

Nesse inverno Porto Alegre está um horror, nunca vi tanto frio, falou a mãe de Lana.

É verdade, está muito frio, eu disse. Despedi-me e parti.

Naquele dia meu trabalho de babá estava feito. Só devia pegar a menina dois dias depois. Enquanto estou de férias da UFRGS, aproveito para ganhar um dinheirinho.

Entrei na Independência e parei no primeiro ponto para esperar o ônibus. Qual surpresa! O homem para quem sorri estava lá, e olhava um mapa. Num primeiro momento, ele não deu por mim. Mas, depois, ao olhar ao redor, esbarrou na minha súbita presença. Surpreendeu-se, assim como eu momentos atrás. Sorriu mais uma vez. Mas como éramos poucos ali e já estava escuro, não correspondi. Passaram alguns ônibus, inclusive o que me servia. Mas não dei sinal. O homem também permaneceu no ponto. Ora olhava o mapa, ora se certificava das direções, ora tentava estabelecer cumplicidade comigo. Vai ver está tramando como se aproximar de mim, pensei.

Não passou muito tempo para eu ouvi-lo:

Moça, boa noite.

Boa noite, respondi.

Você poderia me dar uma informação?

Sim, desta vez tornei minha fisionomia séria.

Estou perdido, acho, queria ir ao shopping Bourbon, será que estou no ponto certo?

Sim. Aqui mesmo há o ônibus para lá.

Ameacei voltar ao meu silêncio, mas estava doidinha para que ele continuasse a conversa.

Quero ir à Livraria Cultura, falou.

Conheço, correspondi.

É uma boa livraria?, ele quis saber.

É ótima.

Você já a visitou muitas vezes?

Às vezes vou lá. Como estudo na universidade federal, preciso sempre ver alguns livros.

Ah, que interessante, fez de conta que se surpreendeu, universidade federal, que bom, exclamou. Você passou de mão dada com uma menina, não?, continuou ele.

Sim. É Lana, trabalho cuidando dela para a mãe fazer compras e trabalhar, principalmente em época de férias.

Você é esperta, não?, sorriu.

Achou positiva minha iniciativa de trabalhar para manter meus estudos.

Estou faz algum tempo precisando ir à Cultura, dei a ficha.

Então, que tal?

Acabei indo com ele. Não preciso contar como é um shopping, tanto mais o Bourbon, bem pegado ao Iguatemi, com todas aquelas lojas, vitrines sedutoras, luzes, escadas rolantes e cores.

Ele adorou a livraria. O homem era do Rio. Disse que estava gostando muito de Porto Alegre, uma cidade muito limpa e organizada.

Você veio a turismo?, arrisquei.

Sim e não.

Como alguém pode responder sim e não ao mesmo tempo?, mostrei-me curiosa.

É porque faço um tipo de turismo diferente. Viajo a passeio mas faço algumas anotações, escrevo algumas coisas.

Você é escritor?, mirei direto seus olhos.

Sim e não, respondeu novamente. Depois completou: não gosto de falar do meu trabalho, algumas pessoas dizem que sou vaidoso demais. Tento vencer esse ponto.

Ok, respondi e me calei por alguns minutos.

Entramos num café, no próprio Shopping. Perguntou o que eu desejava.

Um cappuccino.

Ele pediu para si um café expresso. Tirou da sacola o livro que comprou e ficou olhando a capa demoradamente. Depois passou as duas primeiras páginas e leu alguma coisa. Você gosta de ler?, perguntou-me.

Gosto.

Que tipo de livro.

Antes eu lia literatura, mas agora com os trabalhos da faculdade...

O que você estuda na faculdade, ele quis saber.

Biologia.

Interessante, uma estudante de biologia que diz gostar de romances.

Não só de romances, mas de peças de teatro.

Você costuma ir ao teatro?

Ao teatro vou raramente. Mas gosto de ler as peças.

Pareceu satisfeito mais uma vez com minhas respostas. Alguma coisa em algum dos três livros que comprara o entreteve.

Conversamos amenidades. Passaram-se quinze minutos. Nossos assuntos foram sobre lazer, passeios, comidas, cidades da preferência de cada um de nós e viagens de férias.

Você é muito sério para ser do Rio, falei espevitada.

Você acha?

Acho. Conheço algumas pessoas do Rio. Elas são muito extrovertidas. Acho que algumas chegam a ser loucas, falei sorrindo, você é muito silencioso. Ele não reagiu.

Saímos do Shopping. Perguntou onde eu morava. Queria me levar em casa. Naquele momento, acho que comecei a gostar dele, do seu jeito meigo e discreto. Imaginei que não mais o veria. Vai ver vai embora amanhã cedo e vou ficar a ver navios, pensei. Acabei perguntando sobre o tempo de sua permanência na cidade.

Tenho de ir embora amanhã.

Tão rápido assim?, mostrei meus olhos grandes como sinal de surpresa.

Já estou aqui faz três dias.

Ah, que pena, deixei escapar de propósito.

Vamos ficar juntos mais um pouco, então? Convidou e olhou para mim com certo interesse.

Vamos.

Você deseja ir aonde?

Não sei, faça como achar melhor, eu disse.

Quando o táxi parou na entrada do prédio, eu ainda não sabia para onde ele me levava. Mas logo reparei o seu hotel, o mesmo por onde passei com Lana.

Vamos ouvir um pouco de música. Tenho um Ipad bastante carregado.

Subimos ao décimo segundo andar.

O apartamento em que ele estava hospedado era muito acolhedor. Logo após a entrada havia uma pequena cozinha americana; depois o balcão que dividia a cozinha da pequena sala. Já do lado da sala, dois bancos altos aprumavam a elegância do local. Uma porta de vidro à direita dava acesso à pequena varanda. Ao fundo do sala, o pequeno corredor com um lavatório abria caminho ao quarto.

Ele apontou o sofá bege e pediu que eu sentasse. Olhei à minha esquerda e pude apreciar, através do vidro, a paisagem lá fora. Era possível ver grande parte da cidade. Prédios se alternavam em tamanho. O céu, apesar da noite, não estava escuro.

Você quer beber alguma coisa?, perguntou enquanto acionava o pequeno computador com as músicas prometidas.

Pensei em algo extravagante para comemorar tudo que me estava acontecendo naquela noite. Uma marguerita, você tem?, sugeri.

Vou pedir ao serviço de quarto. Foi ao telefone e ligou para a recepção.

Reparei uma quantidade grande de livros sobre a mesa.

Você lê bastante, afirmei, trouxe todos com você?, apontei os livros.

Alguns sim, outros comprei nas cidades por onde passei.

São quase todos de literatura.

Sim, a leitura desses livros também faz parte do meu trabalho.

Você vive mais o universo da imaginação do que o da vida real, provoquei.

A imaginação também faz parte da vida real, retrucou, levantou-se e foi até o balcão da cozinha apanhar algo para servir.

Sabe que sou boa em contar histórias?, afirmei.

Verdade?, fez ar de surpresa. Conte então uma história para mim?

Conto, respondi com entusiasmo. Qual tipo de história você deseja?

Uma história sobre você, e tem de ter algo especial.

Especial?, fiz-me de inocente. Como assim?

Todos nós somos especiais, você não acha? acrescentou.

Ah, entendi, algo especial, deixe-me ver...

Já que você pediu uma bebida tão estimulante, acho que sua história terá algo muito especial!

Sorri e fiz cara de boba. Cruzei as pernas. Olhei mais uma vez a paisagem.

A campainha soou. Ele foi abrir. Um empregado do hotel trazia a minha marguerita. Meu recente admirador pegou o copo e o colocou sobre a mesinha, bem junto a mim. Depois foi até a geladeira e abriu uma cerveja para si. Brindamos.

Agora, a sua história, por favor, pediu.

Você está acreditando tanto nela, que já estou até envergonhada.

Nada de vergonha, foi você que afirmou ser uma boa contadora de histórias.

Ok, vou contar. Tudo que contamos tem relação conosco, mas digamos, esse fato aconteceu com uma amiga, sabe, dessas amigas meio loucas. Ela sempre me diz Anita, quando um homem me agrada, faço tudo para sair com ele no mesmo dia, ou melhor, na mesma hora, não gosto de deixar para o dia seguinte, algo pode dar errado, é melhor sairmos logo. E lá foi ela. Conheceu no Barra Sul, um shopping da zona sul. Não fica muito longe. Estava na praça de alimentação, de noite, fazia um lanche. Não havia lugar para ela sentar. Então, avistou um homem sozinho numa das mesas. Perguntou posso sentar aqui? Ele respondeu lógico, é um prazer. E lá ficaram os dois, um em frente ao outro. Trocaram algumas palavras. Sabe como acontecem essas coisas, palavra puxa palavra, um assunto traz outro e, em poucos minutos, pareciam que já se conheciam havia anos. Não demorou saíram dali e puseram-se a andar pelo shopping. Depois de trinta minutos, ela propôs estou com o carro aqui no shopping, quer que eu te leve a algum lugar? O homem aceitou. Disse que bom andarmos um pouco de carro. Anita, ela falou pra mim, o homem tinha um jeito especial, parecia artista de TV. Rodaram e rodaram por aí, primeiro a Zona Sul, depois o Centro. Ele pediu que ela parasse num posto e encheu o tanque de gasolina do carro dela. Depois ele lhe disse pena que já está tarde, porque queria comprar uns presentes para você. Ela respondeu não faz mal, compre amanhã, aliás, nem precisa comprar, não estou com você por interesse. Continuaram o passeio de automóvel. Enfim pararam onde ele morava e subiram ao apartamento. Anita, ela me falou, você precisava ver onde o homem mora, quase perguntei se era artista, mas fiquei na minha, achei melhor mostrar indiscrição. Bom, terminaram a noite no maior amor. Mas agora é que vem o surpreendente: o homem tinha lá uns costumes estranhos. Primeiro pediu que ela tirasse o casaco; depois a blusa e a calça; a seguir, que ficasse nua na varanda. Anita, estava um frio terrível, mas mesmo assim fui nua para a varanda. Então, ele acendeu a luz. Os apartamentos dos outros prédios todos escuros, e eu ali nua, como num palco onde todos pudessem me admirar. Depois que ele puxou a porta corrediça e a convidou para o quarto, lhe fez mil carinhos. Mas duas horas depois, quando ela já ia embora, outra surpresa. Ele pediu que ela vestisse apenas um suéter, queria vê-la dentro daquela roupa. Anita, falou, você precisava ver, o suéter caiu justíssimo no meu corpo, e curtíssimo!, ele pediu para eu ir embora vestida daquele jeito, parecia um minivestido de mangas compridas. Descemos até o carro, então ele me fez o último pedido: tire o suéter, por favor. O que, você vai me deixar nua? ela fingindo desespero. Não, quero ver apenas você nua como motorista. Ela tirou o suéter e o entregou nas mãos dele. O homem, então, a presenteou com um cheque de dois mil reais. Bem, já que você tem tanta literatura sobre a mesa, adivinhe o final da história, principalmente depois que ela ficou nuinha ao volante, concluí.

Meu recente namorado beijou o meu rosto furtivamente. Estava boa a marguerita?, perguntou.

Fiz que sim com a cabeça. Ele, então, me pegou no colo e me levou para o quarto.


Dois dias depois, quando passei de novo de mãos dadas com Lana pelo hotel onde ele se hospedara, senti uma ponta de saudade. Mas não fiquei triste pelo homem já ter partido. Fora ótima a aventura. Mas, estou certa, acontecerão mutias outras, aparecerão muitos outros. Eles sempre com suas histórias. E eu, ainda melhor, com as minhas.