O restaurante do hotel ainda não estava cheio para o café da
manhã. O dia claro refletia sua luz através das portas e de alguns
trechos do revestimento, todos de vidro. Cafés da manhã em hotéis sempre são
coisas exageradas, e aquele não era diferente. Podia-se circular por grande
parta do self service que sempre ainda haveria algo para experimentar. Algumas
pessoas colocavam no pequeno prato um pouco de ovos mexidos, linguiça ou bacon;
já outras preferiam as frutas e os sucos, de uva e de laranja. Na parte dos
queijos e manteigas, a variedade era extensa; depois vinham os frios; em frente,
escolhia-se entre os mais variados tipos de pão, dos mais diversos tamanhos,
pães doces ou salgados; mais adiante era o local dos bolos, predominavam os de
chocolate e milho; no balcão se enfileiravam os recipientes de café, leite e
chá; a geladeira estava localizada mais adiante, através do vidro era possível escolher
entre bebidas e iogurtes. Quem quisesse podia tostar o pão num daqueles
aparelhos que fazem a torrada saltar quando atinge determinada temperatura.
Quando voltei à mesa pela segunda vez, trazia uma xícara
grande de café com leite, pensava sobre toda aquela comilança, na certa me
custaria uns quilos a mais. Só, então, reparei o homem que eu conhecera na
noite anterior.
Queria tanto fumar um cigarro, foram as minhas palavras,
disse como se conversasse comigo mesma.
O desconhecido não demorou a aparecer com um maço de
cigarros a me oferecer um. Aceitei. Como não se pode fumar dentro do hotel, saí
do foyer. Ele me acompanhou.
As cariocas são fogo, veja só, falou.
Não era a mim a quem se referia, mas a duas mulheres que
entraram com ele à tarde. Também não perguntei do que se tratava, naquele
momento não me interessavam detalhes de sua vida particular.
Sou carioca, eu disse.
Ele então corrigiu:
Falo a respeitos daquelas duas que me acompanhavam mais
cedo; não as conheço, dei uma carona do aeroporto até aqui quando soube que vinham
para o mesmo hotel que eu, foram logo se oferecendo para passear comigo à
noite.
Ri da história, soltei a última fumaça, apaguei o cigarro,
agradeci e fiz menção de entrar para voltar ao meu apartamento. Ele,
cuidadosamente, pediu o número do meu telefone.
Mais tarde me ligou e me convidou para passear. Fui eu então
quem disse:
As cariocas são fogo.
Ele apenas riu. Aceitei o convite e fomos a um bar ali
perto, na parte externa do Brasília Shopping. Ele contou sua história,
disse que era médico e que estava na cidade para um congresso sobre geriatria.
Ah, geriatria!, exclamei, interessante.
Sorriu meio sem graça, como se dissesse que já não achava
interessante ouvir histórias pela voz de pessoas idosas. Logo pareceu entendeu
o meu pensamento.
Que bom, você é jovem, assim será mais divertido.
Mais divertido, repeti, já passei dos quarenta, e a
vida não é apenas uma diversão.
Não, eu não quis dizer isso, tentou corrigir, é porque, aqui,
em Brasília, frisou, esses espaços distantes entre tantos edifícios me
transmitem uma sensação de angústia e de abandono.
Eu gosto, afirmei, aprecio muito a arquitetura da cidade,
vim aqui a turismo.
Turismo?, mostrou-se incrédulo. Como alguém pode fazer
turismo em Brasília?
Sempre venho aqui, e por motivos estéticos, respondi.
Ambos rimos, e não era ironia de minha parte. Ao sairmos do
bar, depois de algumas caipirinhas, falei a mesma frase lá do hotel.
Queria tanto um cigarro.
Ele se apressou a me oferecer o seu maço.
Não é desses, continuei, é aquele outro, sabe, um cigarro de
outro tipo...
Outro tipo?, pareceu ingênuo.
Sim, aquele cigarro que não se pode vender por aí; acho que
você consegue com o guardador de automóveis.
Você não acha que isso faz mal?, ele perguntou enquanto eu,
na varanda da minha suíte, soltava a fumava do tal cigarro conseguido por ele. E, além disso, vai que
alguém sinta o cheiro e vá reclamar à recepção.
Achei engraçado o modo requintado de ele falar e retruquei:
É melhor você ir embora.
É melhor você ir embora.
Ele permanecia sentado, dentro do quarto.
Não, não é o caso, completou.
O cigarro de maconha acabou por me aproximar dele.
No café da manhã do dia seguinte, ele me piscou os olhos e
acrescentou:
Não esqueça, logo mais estarei livre.
À noite, nos encontramos novamente. Já passava das nove.
O que você fez hoje?, ele quis saber.
Nada de interessante, respondi, andei pelos imensos espaços
abertos que tanto angustiam você.
Sabe, iniciou sua história, faz dez anos que tive um
problema que me levou ao hospital, fiquei internado durante um tempo enorme.
O que você teve?
Câncer no intestino, respondeu.
Mas por que está me contando essa história agora?
Por nada, acho que você tem razão em querer aproveitar a
vida; ontem censurei você por fumar o tal cigarro, mas também tenho meus
vícios, sempre bebi bebidas fortes.
Se você arranjar outro cigarro daquele para mim hoje, não
vou levar a mal, chantageei e sorri.
Perguntou por que eu viajava só.
Porque assim conheço novas pessoas, pessoas interessantes,
diferentes das de onde moro. Às vezes conheço gente muito rica, embora não seja
esse o meu objetivo. E não venho apenas para cá, viajo por todo o país, e às
vezes para o exterior. Os hotéis são os melhores lugares para se travar novas relações.
Qual o seu objetivo?, ele quis saber.
Simplesmente viver. Como poderia fazer isso na minha cidade? Lá há sempre o mesmo círculo de amigos, quase as mesmas situações, os mesmos
lugares.
Você não acha que as pessoas são as mesmas em todos os lugares?
Você não acha que as pessoas são as mesmas em todos os lugares?
Não acho, não, respondi.
Você tem um pouco de razão, mas a ilusão de que vamos encontrar alguém diferente é que nos anima. E eu, sou diferente?
Você tem um pouco de razão, mas a ilusão de que vamos encontrar alguém diferente é que nos anima. E eu, sou diferente?
Talvez, sim; pelo menos desceu duas vezes para comprar um
cigarro de maconha para mim.
Ele mexeu com a cabeça, como se compreendesse as minhas palavras, depois continuou:
Por falar nisso, você está muito elegante, com esse vestido
um pouquinho acima do joelho, colado ao corpo, sentada e de pernas cruzadas...
Já sei, quando um homem fala assim com uma mulher é porque a
quer nua.
Acho que sim, fez cara de sonso.
Você sabe que tive uma amiga muito louca. Ela viajava
sozinha e quando conhecia um homem o levava para o seu quarto de hotel, tirava
toda a roupa e dizia: guarda lá no teu apartamento. Assim, segundo ela, nua e sozinha, se sentia mais
livre, a milhares de quilômetros de
casa.
E o que acontecia depois?
Não sei. Ela nunca falou. E eu nunca perguntei.
Naquela noite, dormimos juntos, no meu quarto. E devo
confessar que ele foi um bom amante.
O dia seguinte seria o último do seu congresso.
Você me leva?, pedi no café da manhã.
Aonde?
Ao seu congresso. É o último dia, não?
Sim, é o último.
E depois?
Depois volto para São Paulo, e você para o Rio, não é mesmo?
Mas antes vou com você ao congresso.
Acho que não vai gostar. Ando sempre querendo saber sua
profissão. Mas sempre me esqueço de perguntar, e você nada falou sobre isso.
Sou dentista, exerço a profissão num consultório na av. Rio
Branco, no Rio.
Ah, sim, uma profissão muito necessária.
Acabávamos o café. Levantamo-nos e caminhamos para fora do
restaurante.
Vamos, então, ele convidou. Levo você comigo. Não sei se vai
gostar dos meus amigos e dos assuntos deste último dia.
Assim ficamos mais tempo juntos. Você não vai gostar?
Claro, vou gostar muito. Mas no centro de convenções, você vai
perceber que sou uma pessoa muito requisitada.
Não faz mal, fico à parte.
Pegamos nossas bagagens, quitamos o hotel e embarcamos no
carro que estava reservado a ele.
Acompanhei-o em todos os compromissos. Assisti a muitas das
apresentações, sendo que numa delas foi ele o palestrante. Enquanto falava e
olhava na minha direção, percebi que sorria com um canto da boca, depois se
virava para os outros e continuava.
Nos últimos momentos em que estivemos juntos, pedi-lhe mais
uma vez. Já estávamos próximos ao aeroporto.
Você me arranja mais um daqueles cigarros.
Ele tirou um do bolso.
Tão rápido, não esperava por essa.
Sabia que você ia querer mais. Na última vez, comprei alguns
reservas.
Alguns?, eu, surpresa.
Mais dois ou três.
Sorri.
Ele me beijou antes do seu avião partir.
Vá a São Paulo, falou, espero lá por você.
Vá ao Rio, também o espero.
Você não teme ser presa?, perguntou.
Presa, como assim?
Você fuma cigarros proibidos. Está levando alguns na
bolsa.
Ah, acho que vou fumá-los ante da partida.
Onde? Já estamos na sala de embarque.
Sempre se dá um jeito, falei.
Um jeito?, ele repetiu.
Lembra de minha amiga que pedia para ser deixada nua no
hotel?
Ah, sim, o que tem?
A única coisa que ela me falou é que sempre dava um jeito.
Como vamos fazer para nos encontrar?, foi sua última
pergunta. A fila para São Paulo já havia terminado, faltava apenas ele, a quem
a funcionária da empresa aérea aguardava com certa ansiedade.
Quando chegar, telefone, vamos dar um jeito, pedi. E se eu estiver
nua, em apuros, em algum lugar, venha correndo me ajudar, ok?
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