terça-feira, julho 08, 2014

Margarida, a verdadeira

A história que eu transcrevera em minhas próprias palavras era igual a que ele contara. Não que eu quisesse plagiá-lo, mas, na verdade, tudo era devido a esse furioso vício que (ao menos no meu caso) é escrever. Ele narrara, em livro, que um mágico fizera aparecer notas de dólar no picadeiro e as distribuíra ao público. Todos avançaram e encheram as mãos e os bolsos tanto quanto puderam, uma algazarra surpreendente. Depois subiram as mulheres (não que algumas já não tivessem também escondido dinheiro dentro das roupas), que se adiantaram ante o magnânimo oferecimento de roupas de grife. Aliás, grifes francesas e italianas. As beldades entravam numa pequena cabine, deixavam para trás as roupas com as quais chegaram e vestiam as novíssimas, oferecidas pelo mágico.

A história do famoso escritor russo era um pouco diferente da minha, tinha um fundo moral e criticava o governo. No meu caso, como todos sabem, a intenção é o puro divertimento. Nem pretensões literárias tenho. Caso pensasse assim, já teria publicado um livro, ou contratado um agente.

Na minha história, havia também um mágico, só que ele não possuía tanto poder. Fazer aparecer dinheiro não é difícil, o que não se consegue é fazer que a chuva de notas dure quase todo o espetáculo, como no dito livro. Transformar a mesma quantidade de notas em rótulos adesivos horas depois, talvez exija o conhecimento e o cuidadoso manuseio de vários produtos químicos. Quanto fazer aparecer e, sobretudo, desaparecer vestidos, saias, calças e blusas, a coisa já se torna mais fácil e, digamos, muito sensual. Além de não se criar problemas com a receita federal.

Então, ele, o mágico, chamou ao palco aquelas que desejavam vestir-se à moda francesa ou italiana. E foram quinze ao todo. Entraram na cabine e... Atenção! Abriu-se a porta. De lá saíram vestidas com modelos estonteantes. Brilhavam, espelhavam várias cores, reflexos dourados ou prateados. Mas, após passarem atrás de uma tela branca, apareceram nuas em pelo na outra extremidade do palco. Onde os vestidos de grife? Onde as roupas com as quais saíram de casa? Muitas gostaram da brincadeira, enquanto outras...

Uma delas, que me contou a história e estava furiosa, tentei acalmá-la. Disse que já realizara tantas fantasias de namorados, que perdi a conta de quantas vezes saí nua de casa, também eu não sabia calcular quantas vezes regressara nua. Ela, porém, continuou furiosa, disse que o mágico lhe prometera um Versace e não cumprira a promessa, ou a cumprira apenas momentaneamente. Não era mal terminar a noite nua, nem voltar pelada pra casa, isso estava longe de ser um problema, o que desejava mesmo era o vestido que, por seu próprio esforço, jamais ostentaria sobre o corpo. Você precisa entender que quando se vai a um espetáculo desses não se pode exigir mais do que o preço do ingresso, retruquei. Ela fechou a cara e foi embora insatisfeita. A certa distância, vi um admirador lhe oferecer o casaco, embora de fazenda leve e curto. Ela não esmoreceu, preferiu continuar nua.

Voltamos a dialogar, eu e o mágico. Lembrei-lhe dos vestidos que ficaram na cabine, as mulheres poderiam processá-lo por furto, ou algo parecido. Respondeu que não, elas não vão fazer isso, foram selecionadas a dedo, e se foram embora nuas era porque tinham em mente objetivos maiores para as suas carreiras, enfim, para as suas vidas. Lembrei-lhe sobre o escritor russo, que descrevera mágica semelhante, e sobre mim, que estava sendo acusada de plagiá-lo. O mágico riu e acrescentou Margarida, quando você me sugeriu este número eu já tinha lido o livro, só não me viera à mente como torná-lo atrativo a um circo brasileiro; depois, quando tive a ideia dos Versaces, percebi que seria o chamarisco, faltava saber como conseguir que as candidatas à modelo ficassem misturadas à plateia; mas acabei descobrindo uma solução; um ilusionista tem sempre uma carta na manga; desde que seja rápido no artifício, ninguém há de reparar...

Tudo saiu conforme planejou. Ganhou notoriedade, apesar de, na sua profissão, tudo ser muito fugaz.

Quanto a mim, usei como argumento o fato de sempre andar nua, tanto em casa como na rua, portanto, poderiam me processar por tudo, menos por plágio. E, afinal, a outra Margarida, a que aparece na história do escritor russo, é apenas uma personagem de ficção. Eu, como podem testemunhar os meus leitores, sou uma mulher de verdade.

Não deixem de ler “O mestre e Margarida”, de Mikhail Bulgakov, editora Alfaguara. Vocês vão se divertir muito.

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