segunda-feira, julho 28, 2014

Carrossel

Estou nua. Era para estar morta de vergonha, mas algo me acalma. Qualquer coisa de especial neste homem quase desconhecido me deixa à vontade.


Nunca fiz isso por dinheiro, falo.

Mas são dois mil reais, responde.

O que faz você gastar tanto assim?, mostro curiosidade.

Não sei, é um costume que tenho faz tempo, e também tenho muito dinheiro.


O primeiro encontro aconteceu num vagão do metrô. Eu entrara na estação Catete, ia para Ipanema. Vestia roupa de ginástica, calça colante ao corpo, uma camiseta do mesmo tecido e tênis apropriados para correr ou caminhar. No meu caso, era para a esteira. Reparei um homem olhando na minha direção. Como eu levava uma revista, tentei me prender à leitura. Mas ele não desgrudou os olhos. As estações foram se sucedendo, e ele continuava no seu afã de me espionar.

Sou uma mulher de quarenta e cinco anos. Devido ao permanente exercício tanto ao ar livre como nas academias de musculação, tenho o corpo bem delineado. Não sou, entretanto, uma mulher magra. Se não sou gorda, é porque me exercito todo dia. A aparência, ao contrário, revela a minha verdadeira idade. De um tempo para cá, me desliguei dos homens. Moro sozinha e vivo para a ginástica. Fico feliz sempre que acabo de me superar, tendo feito os exercícios programados. Alguém poderá perguntar como resolvo as questões afetiva e sexual. Não tenho respostas para elas. Digo apenas que a ginástica me basta. De resto trabalho, leio alguma coisa e uma vez na semana vou ao cinema. Tenho duas ou três amigas, ocasionalmente nos reunimos para conversar.

Mas naquele vagão de metrô, me apareceu o homem das notas de cem. Vamos apelidá-lo assim.

Quando eu me preparava para descer na última estação da Zona Sul, percebi que ele me seguia. Uma vez que ando bastante rápido, tentei fazer o máximo para deixá-lo para trás. O tal homem, porém, parecia colado ao meu encalço. Consegui chegar ao prédio da academia. Entrei e disse cá com os meus botões: estou salva, o homem ficou para trás.

Duas horas depois, ao deixar o local e caminhar de volta para a estação General Osório, percebo novamente o homem. Ele me esperava. Como alguém deve fazer para abordar uma desconhecida? Creio que ele é experiente nisso. É também um exímio artista. É sabido que qualquer mulher não deve dar conversa a homem algum, sobretudo na rua, onde a possibilidade de golpes é sempre alta. Mas o homem acabou conseguindo uma resposta minha. Uma resposta negativa, é claro. Mas estava estabelecido o diálogo. Para um mestre, aquela porta escancarava todo o castelo. E o homem me envolveu na sua história. Acabei parando para ouvi-lo. Tanto mais eu o recusava, mas ele avançava no seu intento. Então veio a conversa de shoppings, de compras espetaculares, de produtos que toda mulher deseja.


Não me troco por dinheiro, digo em algum momento.

Não se trata de dinheiro, mas do mundo contemporâneo. Quem não deseja um amigo rico, alguém que lhe supra as necessidades?, pergunta.

Não tenho necessidade alguma, afirmo resoluta.

Como, não?, rebate. Todos as temos. É porque não gostamos de pensar nessas coisas. Apenas olhamos os produtos de modo fetichista.

Fetichista?, assusto-me.


Então ele contrapôs uma longa história. Explica o significado da palavra.

Passa a me esperar na porta da academia todos os dias, após a ginástica. Depois caminhamos juntos até a estação do metrô. Num certo dia, passo a simpatizar com ele.

Traz alguns presentes. Não no segundo dia, mas na segunda semana. Objetos de adorno como pequenos broches, ornamentos para estante ou mesa de centro. Também me presenteia com perfumes e um livro, depois de descobrir o meu gosto pela leitura.


Há pessoas que podem conquistar tudo o que quiserem, afirma.

Será?, duvido.

Verdade, sentencia.


Sem rodeios, diz que eu sou uma dessas pessoas.

Já quase sua amiga, marcamos encontro num shopping. Como o homem é consumista! Nunca vi pessoa alguma entender de tantas coisas, tantas lojas, tantos produtos. Desde vestuário, até objetos de decoração, passando por joias, roupas e brinquedos.

Num sábado à tarde, vamos ao cinema. Depois, a um restaurante.


Não, obrigada, não bebo bebidas alcoólicas, recuso amavelmente o convite para tomar um vinho. Mas aceito um suco.


Tomo o suco, e ele o vinho.

Acho que quem se embriaga sou eu. E logo com um suco de abacaxi e hortelã...

Acabo a noite na casa dele. Coloca nas minhas mãos dois mil reais. E são apenas as notas a tocar meu corpo. Por quê? Adivinhem. Ou melhor, leiam a primeira linha desse texto.

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