Você ainda com essas perguntas de adolescente, ele disse. Eu
estava de pé, em frente à sua porta. Olhei para o homem, com ligeiro sorriso.
Ele me observava, embora não se voltasse direto ao meu corpo. A pergunta era se
queria ir comigo à festa de uma amiga. Pergunta de adolescente? Não devia
convidá-lo, refleti, com tanta gente querendo a minha companhia. Ele tem vinte
anos a mais do que eu e a festa, segundo o entendimento dele, era para jovens. Sua
presença destoaria da maior parte das pessoas. Ainda tentei explicar que também
haveria gente mais velha, mais madura, quero dizer. Provavelmente são os pais
de algumas das meninas, completou. Entre, convidou-me e abriu um pouco mais a
porta. Vamos conversar um pouco, acrescentou. Na verdade, ele temia que algum
vizinho me descobrisse à porta. Eu vestia apenas uma camiseta, que me descia até
as coxas.
Esse vizinho já de alguns meses conversa comigo sobre livros.
É só me ver lendo alguma coisa que começa a relatar os autores que admira. Em
alguns pontos, o homem acha que sou muito madura; em outros, diz que me comporto
ainda como adolescente, sobretudo quando o convido para alguma saída noturna.
Certa vez chamei-o para ver Thor, o último filme escrito a partir de uma
história em quadrinhos. Mas esse tipo de filme é para adolescentes, afirmou.
Quis contra-argumentar, o que tem ser um filme para adolescentes?, se a gente
gosta... Mas o meu vizinho não gosta de se ver rodeado por moças e
rapazes, colegiais, como ele diz. Fui ao cinema sozinha. Arranjei um admirador
com quem acabei ficando mais de duas semanas. E rolou bons momentos. Mas meu
vizinho me veio oferecer Em busca do
tempo perdido.
Li o primeiro volume. Dias depois bati à sua porta com a
intenção de conversar sobre o livro. Ficamos duas horas discutindo. Ele falava
e olhava para as minhas pernas. No final, ofereceu o segundo volume.
Na semana seguinte fui eu que me ofereci a ele. Com o
pretexto de continuar conversando sobre Proust, voltei ao apartamento. Não
passou muito tempo e eu já estava nos braços do homem. Quando acabamos, não me
vesti. Sentei pelada no sofá e continuei a conversa, com a maior naturalidade.
Esse Swann não era muito esperto, ressaltei, fazer tanto por uma mulher e, apesar de ela ser uma prostituta, ele a tratava como uma dama de respeito. Meu vizinho contestou, não
se tratava de considerá-la prostituta, eram os costumes da época, e em meio à
nobreza ainda remanescente era assim que se vivia. Tudo bem, rebati ainda
sentadinha e de pernas cruzadas, mas acho que havia outras mulheres, ele não
precisava ter se submetido tanto. O homem ofereceu-me um refrigerante. Aceitei.
Depois trouxe um doce, sobremesa feita pela diarista durante à tarde. Comi de
bom grado. No final, levantei-me, beijei-o em sinal de despedida, abri a porta
e saí. Ei, espere, falou. Mas eu já entrava na porta em frente, a porta do meu
apartamento. Lancei-lhe mais um beijinho e fechei.
No dia seguinte, à mesma hora, dez da noite, bati de novo à
sua porta. Você?, pareceu surpreso, já acabou o livro?. Não, não vim falar sobre
livros, acho que esqueci alguma coisa aqui ontem, não? Ele foi lá dentro
buscar minha camiseta. Você ainda está agindo como uma adolescente, falou ao devolvê-la.
Vai dizer que não gostou? retruquei baixinho e sorri fingindo inocência. Percebi,
então, que ele tinha companhia. Não demorou a fechar a porta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário