segunda-feira, agosto 18, 2014

Pergunta de adolescente

Você ainda com essas perguntas de adolescente, ele disse. Eu estava de pé, em frente à sua porta. Olhei para o homem, com ligeiro sorriso. Ele me observava, embora não se voltasse direto ao meu corpo. A pergunta era se queria ir comigo à festa de uma amiga. Pergunta de adolescente? Não devia convidá-lo, refleti, com tanta gente querendo a minha companhia. Ele tem vinte anos a mais do que eu e a festa, segundo o entendimento dele, era para jovens. Sua presença destoaria da maior parte das pessoas. Ainda tentei explicar que também haveria gente mais velha, mais madura, quero dizer. Provavelmente são os pais de algumas das meninas, completou. Entre, convidou-me e abriu um pouco mais a porta. Vamos conversar um pouco, acrescentou. Na verdade, ele temia que algum vizinho me descobrisse à porta. Eu vestia apenas uma camiseta, que me descia até as coxas.

Esse vizinho já de alguns meses conversa comigo sobre livros. É só me ver lendo alguma coisa que começa a relatar os autores que admira. Em alguns pontos, o homem acha que sou muito madura; em outros, diz que me comporto ainda como adolescente, sobretudo quando o convido para alguma saída noturna. Certa vez chamei-o para ver Thor, o último filme escrito a partir de uma história em quadrinhos. Mas esse tipo de filme é para adolescentes, afirmou. Quis contra-argumentar, o que tem ser um filme para adolescentes?, se a gente gosta... Mas o meu vizinho não gosta de se ver rodeado por moças e rapazes, colegiais, como ele diz. Fui ao cinema sozinha. Arranjei um admirador com quem acabei ficando mais de duas semanas. E rolou bons momentos. Mas meu vizinho me veio oferecer Em busca do tempo perdido.

Li o primeiro volume. Dias depois bati à sua porta com a intenção de conversar sobre o livro. Ficamos duas horas discutindo. Ele falava e olhava para as minhas pernas. No final, ofereceu o segundo volume.

Na semana seguinte fui eu que me ofereci a ele. Com o pretexto de continuar conversando sobre Proust, voltei ao apartamento. Não passou muito tempo e eu já estava nos braços do homem. Quando acabamos, não me vesti. Sentei pelada no sofá e continuei a conversa, com a maior naturalidade. Esse Swann não era muito esperto, ressaltei, fazer tanto por uma mulher e, apesar de ela ser uma prostituta, ele a tratava como uma dama de respeito. Meu vizinho contestou, não se tratava de considerá-la prostituta, eram os costumes da época, e em meio à nobreza ainda remanescente era assim que se vivia. Tudo bem, rebati ainda sentadinha e de pernas cruzadas, mas acho que havia outras mulheres, ele não precisava ter se submetido tanto. O homem ofereceu-me um refrigerante. Aceitei. Depois trouxe um doce, sobremesa feita pela diarista durante à tarde. Comi de bom grado. No final, levantei-me, beijei-o em sinal de despedida, abri a porta e saí. Ei, espere, falou. Mas eu já entrava na porta em frente, a porta do meu apartamento. Lancei-lhe mais um beijinho e fechei.

No dia seguinte, à mesma hora, dez da noite, bati de novo à sua porta. Você?, pareceu surpreso, já acabou o livro?. Não, não vim falar sobre livros, acho que esqueci alguma coisa aqui ontem, não? Ele foi lá dentro buscar minha camiseta. Você ainda está agindo como uma adolescente, falou ao devolvê-la. Vai dizer que não gostou? retruquei baixinho e sorri fingindo inocência. Percebi, então, que ele tinha companhia. Não demorou a fechar a porta.

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