quinta-feira, fevereiro 12, 2015

Ainda bem que existe o carnaval

Sempre fui tímida. Arranjar namorado, nem se fala. Caso alguém venha falar comigo, fico desarmada. Não tenho palavras para sustentar um diálogo nem por dois minutos. Ainda bem que existe o carnaval, a festa que nos faz virar a cabeça. No meu primeiro carnaval, quando já me sentia um pouco mais madura, fantasiei-me de colombina. Levei, porém, uma máscara. Não estava preparada para brincar de rosto descoberto. Outro ponto que combinei comigo mesma naquele ano, não me divertiria perto de casa. Escolhi um bairro distante e lá fui eu. Não sabia que seria tão fácil dançar, e até arranjar namorado. No começo, deixei-me levar pela música, pelos tambores e, depois, pelas mãos dos rapazes. Como não era conhecida no lugar, não havia nada de mais me divertir, permitir até mesmo que me beijassem. Já naquela época, pelo menos nas primeiras horas de diversão, sempre achei melhor fugir dos rapazes que me queriam exclusiva. Misturava-me à multidão e aparecia na outra ponta do cordão, ou mesmo algumas ruas à frente, quando, furtiva, podia apreciar outra música, outro ritmo, outros homens e deixar, pouco a pouco, que escorregassem seus braços pelos meus ombros e cintura. Com o passar do tempo, tornei-me desinibida. Já não usava máscara, e não fugia assustada dos primeiros foliões que me queriam abraçar. Apenas os recusava polidamente e marchava adiante, sempre no ritmo da música. Outro ponto, oferta que a passagem dos anos me proporcionou, foi o despojamento da fantasia. De carnaval a carnaval, preparava uma roupa mais confortável e, não posso deixar de salientar, menor. Os homens são tarados por mulheres nuas. Além de fazê-los enlouquecer, sentimos um gozo todo especial ao andarmos nuas pela cidade. Portanto, minhas sainhas da fantasia subiam cada vez mais, ou mesmo desapareciam. Ora usava short, ora biquíni. Algumas pessoas devem desejar saber como é possível estar fantasiada vestindo apenas biquíni. É plenamente possível. Pode-se ressaltar a época que se deseja representar. Como era o biquíni nos anos 1950? Como nos 70? Como nos 90, ou mesmo nos nossos dias? Por isso, a cada dia de carnaval, é possível espelhar uma época. Claro que o observador deverá ter conhecimento desses períodos para compreender a fantasia. Mas aí o problema já não é meu. Outro ponto: como, ao usarmos um minúsculo biquíni, podemos transmitir a ideia de que não convidamos os homens a nos deixarem nuas ou a não transarem conosco? Será preciso, então, demonstrar que o nosso objetivo é dançar, pular carnaval, e que braços e mãos daqueles que nos admiram devem ficar distantes. Mas para isso precisamos ter muita energia. É necessário dançarmos sem parar. Assim, deixaremos exausto qualquer um dos rapazes. Acompanhar toda a nossa alegria tornar-se-á para eles impossível. Ficarão para trás. Como ter tanta energia? Mas sobre isso nada falamos, é o nosso segredo. Outra fantasia, já antiga, que arrasta uma fileira de homens atrás da gente – pude constatar faz três anos – é a saia de franjinhas. Aquele tipo de minifantasia que obriga os homens a torcerem o pescoço ao cruzarem conosco. Eles têm razões para querem certificar se usamos calcinha ou se vamos nuas. Trata-se de uma das minhas fantasias preferidas. Mas no carnaval que estou vivendo agora, optei por um tipo de canga especial, de renda, como um vestido de noiva, com apliques aqui e ali, evitam, desse modo, a total transparência. O tecido fino cobre e, ao mesmo tempo, desnuda o meu corpo. Desperta também a curiosidade dos homens: há algo sob a fina teia? Ao mesmo tempo, posso amarrar a renda do jeito que desejar. Ora como um tomara que caia, ora cruzando o pescoço e deixando entrever um pedaço de seio (será que vai solto ou há algum suporte invisível?, pois se mantém tão rijo). Mais um segredinho, sempre prefiro os espaços descampados, as ruas largas, o ar por sobre a minha cabeça, ou mesmo a água a molhar-me o corpo caso venha a chuva. Nada de me divertir encurralada em camarotes estreitos dos bailes de carnaval. Nada de estar nas mãos de homens destemperados. Ou melhor, não quero pano algum meu segredado pelas mãos deles. Basta-me o arrepio da rua, basta-me o perigo aparente do folião imprevisto, meu suposto algoz. Apenas suposto, porque na hora agá gozo. Apesar da timidez, tenho o poder de perceber no lampejo dos seus olhos a virtude de esperar primeiro a satisfação das mulheres. E continuo na folia. Diálogos? Lembram lá em cima? Jamais sustentei. Nem por dois minutos. Nem para pedir de empréstimo a camisa caso, no fim da folia, surpreenda-me o raiar da quarta-feira.

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