Eles estão pra chegar, e o problema não é eu acabar
surpreendida. Sempre achei que um dia esses pedidos do Walter me deixariam numa
situação comprometedora. Que horas são? Onde o celular? Ah, quatro e quinze,
daqui a pouco vai amanhecer, o que me resta a fazer? A gente acaba morrendo por causa de um homem, uma
paixão, namoro, tesão, e ele a fazer pedidos impossíveis. Você vai adorar,
diz, não desejará outra vida. E a burra aqui acredita. Um friozinho na
barriga pra tornar tudo mais excitante, desafios, qual mulher não gosta de desafios,
de ter algo para contar às amigas, mesmo que elas não acreditem?, você vai
adorar, ainda ele, com sua voz de sedutor, beba uma dose, é pra relaxar,
insiste meloso, você gosta de doce, eu sei, depois da bebida, o doce contrabalança, e o arrepio vai ser maior, com esse seu corpo de modelo você
pode abusar um pouquinho, não?, sei que vai sentir um arrependimento pequenino depois, vai exclamar por que comi o doce!, vai fazer exercícios, vai correr,
suar e dizer que eliminou o docinho, você é tão gostosinha, ele continuando e
eu acreditando, vem vamos namorar... Eu nua nas mãos do homem. Uma amiga veio
me dizer que não quer mais namorado, não precisa dele, resolve tudo sozinha.
Mas você não tem necessidade de sexo, de transar com alguém?, pergunto. Tenho,
mas resolvi a situação, e sem namorado, ela sorri satisfeita, parece ter descoberto
todos os segredos do mundo. Mas como?, curiosa, eu. Ela com seu sorrisinho
cínico. Já sei, suspeito e falo, você transa sem ter o homem como namorado. Ela
continua cínica que só, sorrisinho que não tenho como definir. Você já engoliu
um pedaço de cuscuz inteiro?, sua pergunta me deixa os lábios molhadinhos. Não
espera minha resposta. Como o cuscuz, espero cinco ou dez minutos, às vezes
vinte, depois corro ao banheiro; prestes a colocar o dedo na garganta para
devolvê-lo, sento no vaso e espero ainda um pouquinho, penso não posso perder
este meu corpinho de modelo, e passo a mão sobre o ventre, já pensou se crio
barriga, lá se vai meu emprego, lá se vai a admiração das pessoas por mim; espero mais alguns minutos
antes de enfiar três dedos goela abaixo; ah, acho que meu organismo já está
processando o doce, tudo está virando uma massa de açúcar que me vai pelo
corpo, não vou ter como evitar algumas gordurinhas, começo a achar que não tem
mais jeito, o doce não volta, não haverá a mínima possibilidade, então junto as
pernas aperto uma contra a outra, e na incerteza se devolvo ou não o cuscuz
gozo que é uma maravilha; mas logo que volto a mim forço o vômito e ponho pra
fora o doce, ele sai inteirinho, eu que dei alguns passos à beira do abismo vou
ao orgasmo mais uma vez, não preciso de namorado, viu como é fácil?, finaliza a
amiga. E o meu, com a história da bebida e do docinho me deixou nua, disse que me
faria sentir um orgasmo jamais experimentado; prestem atenção na frase, orgasmo jamais experimentado. Acreditei. Como sou boba! Acreditei. Como se pode comprar um pedaço de cuscuz às três da
manhã? Ainda o cuscuz, por que fui dizer a ele? O namorado assegurou que conhece um lugar. Saiu às escuras, e eu aqui. Fique
só um pouquinho, volto logo. Foi o homem, eu deitada numa cama larga. Mas vejo
que ele não volta. O apartamento é dele mas não mora sozinho. Tenho desfile às
três da tarde, alertei, preciso descansar. Ok, vamos fazer a prova do docinho,
voltou ele ao assunto, você nunca sentiu nada igual. Eu, agora na sala. Pra quem
ligo? Que vergonha... Ai, ele levou a chave, mas ainda bem que não trancou a
porta. Tenho de ligar pra uma amiga. Venha me salvar, não posso sair daqui desse
jeito. Sem o docinho?, ela quer saber. Que docinho, que nada, é outro o
problema, sabe, tão chato falar pelo telefone, venha logo, não demore, se ele
não volta e chegam as pessoas que moram aqui como vou fazer? Mas o que há?,
diga que espera por ele, as pessoas compreendem, ela contrapõe. Não
compreendem, não, jamais vão compreender, a não ser que estejam em comum acordo
com ele, vão querer outra coisa. O quê?, minha amiga não deixa de lado pergunta
alguma. Lembra da Joyce, intervenho, aconteceu algo semelhante, e o problema
não foi ela estar nua, ela nem liga pra isso, a Joyce gosta de dar pra todo mundo,
o problema foi ter de comer uma caixa
inteira de chocolates, eles a forçaram, e não deixaram ela ir ao banheiro,
amarraram suas mãos às costas, soltaram três horas depois, a digestão já
feita, e ela sem poder colocar os bombons pra fora, uma tragédia. Norma, vou
dormir, por favor, não posso ajudar você, também tenho de desfilar, não há como
ir a esse apartamento. A amiga desliga, ouço o portão abrir, vozes subindo ao
segundo andar, passos de duas ou três pessoas. Não é problema estar nua, não é
problema não encontrar minhas roupas, não é problema ter de trepar com eles;
ai, três homens, e o que trazem? Não, por favor, não, tenham piedade, levanto
às mãos diante dos seios, mas sem preocupação em escondê-los, faço o que vocês quiserem,
continuo a falar, mas não me obriguem comer a bandeja inteira de cuscuz, por
favor! Sinto o cheiro de coco, meus lábios molhadinhos...
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