quarta-feira, junho 15, 2016

Foi o paraíso

O ex-namoradinho, muito engraçado, gostava de histórias picantes. Telefonou pra perguntar como estou passando. No final, antes de se despedir, disse que qualquer dia desses vem aqui à minha cidade me roubar a calcinha. Até que namorar com ele foi bom, mas não sei por que terminamos; o motivo, acho eu, foi o excesso de trabalho. Isso mesmo, quando se trabalha demais não se tem tempo pra mais nada, a não ser descansar, dormir, acordar tarde nos dias de folga. A habilidade do homem em me roubar calcinhas era verdadeira, me surrupiou até mesmo um biquíni, e eu estava na praia da Joana. No entanto, não demorava a me encher de presentes, tantas coisas, pequenos quadros, enfeites para mesa de centro, azulejos pintados, pratos comemorativos (vejam que gosto!), cordões, pulseiras e, é lógico, calcinhas. Eu, safada que só, adorava o homem. Que ele venha um dia desses, tudo bem, a aventura será estimulante.

Duas ruas além de onde moro, há um senhor que vive sozinho. Faz pouco tempo, porém, descobri que ele é casado, a esposa não mora aqui na cidade, mas com a filha em Rio das Ostras. Toda vez que passo diante da casa dele, sinto seus olhos espichados a me acompanhar os passos. Outro dia o tal senhor me chamou. Como nossa cidade não é das maiores, é um lugar onde as pessoas costumam se cumprimentar, parei e esperei que ele desse o recado. Veio com uma história exótica, mas não demorei a perceber que era uma cantada, e muito original. Quando dei por mim, estava enredada nas suas palavras. Com uma fisionomia séria, ele contou sobre sua vida sexual. Eu deveria ficar surpresa, pois o homem apenas me cumprimentava e, de repente, me para na rua para falar de suas trepadas. Teve alguma sutileza, mas foi completamente compreensível que ele me convidava.
“Tenho namorado”, afirmei falsamente.

“Não faz mal”, contrapôs, “quem tem um pode ter dois, e vai lucrar mais.”

Aqui entra a parte dele.

“Você vai ganhar muitos presentes, caso aceite a minha companhia. Esta não será todos os dias, prometo, uma ou duas vezes na semana. E lhe asseguro que ninguém saberá.”

Pelas palavras, o homem parecia um erudito. Fez um recurso sobre a razão naturalista, pode-se dizer assim. Seu discurso não levava em consideração razões morais.

Com educação, escutei suas palavras. O homem prometia dinheiro, vantagens, presentes. Caso eu assim o desejasse, poderia aproveitar.

“Namoro por sentimento”, disse eu secamente.

“O sentimento está na beleza, na riqueza, na oportunidade de aproveitar a vida, pense nisso, não precisa me responder hoje”, agradeceu minha atenção.

“A senhorita é muito afável”, disse antes de eu ir embora.

Naquela semana evitei a rua onde morava todas as vezes que tive de sair e meu caminho era aquela direção. Preferia seguir por uma transversal e dobrar a terceira, uma rua depois da dele. Contei o assunto pra um amigo com quem eu saía vez ou outra. Eu e esse amigo transávamos, mas não éramos namorados nem tínhamos pretensões futuras, apenas aproveitávamos o momento. Ele achou a história engraçada.

“Na certa é um homem carente, que procura comprar uma mulher com dinheiro, caso você dê margem de manobra ele não vai desistir”, chegou a me falar. Ri e rolamos na cama, no último momento eu ia por cima.

O senhor mandou um presente. Não queria aceitá-lo, mas achei que não deveria recusar, não gosto de ser indelicada. Abri e me assustei. Uma pulseira dourada. Corri a uma loja de joias pra me certificar. O joalheiro me assegurou: é ouro, e dos bons. Aceitar o presente seria concordar com o convite e com as propostas do homem. Fui à sua casa, bati à porta que antecedia o jardim. Ele veio atender. Agradeceu minha visita e insistiu que eu entrasse.

“Tenho pouco tempo”, aleguei, “uma consulta médica.”

Mesmo assim aceitei. Entrei. Ele me trouxe um café.

“O senhor já sabe o motivo da minha visita, não é mesmo?”

“Oh, imagino”, ele sorriu. “Tenho mais uma coisa pra você.”

Levantou-se e correu a um cômodo além da sala. Voltou em alguns segundos trazendo numa das mãos uma caixinha de camurça.

“Veja, é o complemento da pulseira, estava esperando você para completar o presente.”

Ele deixou que o cordão se desenrolasse e trouxe até junto de mim.

“Mas...”, tentei dizer.

“É ouro verdadeiro, não é daqui do nosso país.”

Era um cordão comprido, a corrente, grossa, devia valer uma fortuna, ainda havia uma medalha que não consegui distinguir o motivo, de tão nervosa que estava.

“Não posso aceitar”, falei um tanto desolada.

“Não diga isso”, sorri, um sorriso triste e compreensivo, “no começo as pessoas se surpreendem, é assim mesmo.”

“O senhor já presenteou outras pessoas?”, curiosa, olhei com ar de desafio.

“Sim, é comum eu oferecer presentes, e, assim como você não são todas que aceitam”, acrescentou.

Deixei a pulseira com ele e não aceitei o cordão. O homem não insistiu, pareceu compreender minha vontade.

Parti com um pouco de remorso. Meu coração bateu um pouquinho mas forte. Quem sabe eu já estava criando um sentimento por ele. Além disso, eu estava precisando de dinheiro e aqueles presentes resolveriam todos os meus problemas. Mas existe uma coisa chamada liberdade, e ela eu não queria perdê-la. Se eu pudesse receber os presentes e continuar livre... Mas pra frente, talvez, a gente poderia conversar.


Eu vestia tênis, calça legging, um camisão que descia até as coxas, por baixo uma faixa de lycra que me segurava os seios (na verdade um top), meu cabelo pintado todo de preto balançava ao sabor do vento. Era noite e eu estava na ponta da praia. Olhei o relógio e me perguntei se ele viria. Passavam, vagaroso, os veículos. Os bares e restaurantes estavam cheios.

Um automóvel trafegava lento. De repente, parou ao meu lado. O vidro desceu e alguém me chamou lá de dentro. Era quem eu esperava. Abriu a porta e me convidou a entrar. Assim que entrei e fechei a porta, o barulho externo tornou-se distante, uma fantasmagoria. Ele aproximou o corpo e me beijou.

“Não falei que viria?”, sorriu e me beijou mais uma vez, "vim roubar sua calcinha", brincou, quem sabe.

Abracei com força seu corpo.

“Vamos, pode fazer de mim o que quiser”, estava eu eufórica. “Trouxe um biquíni que é uma coisinha à toa”, acrescentei em tom divertido.

Ele deu a partida. Dali em diante, foi o paraíso.

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